Sonia Regina Colapietro

De acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a venda de medicamentos antidepressivos no Brasil aumentou em 48% em apenas cinco anos. Prescritos, muitas vezes, por médicos de outras áreas, o uso inadequado do medicamento pode causar sérios danos à saúde do paciente. Nesta entrevista, a psicoterapeuta, especializada em Terapia Cognitiva, moradora da Rua Morgado de Mateus, analisa os diferentes níveis da doença, esclarece as diferenças entre tristeza e depressão e alerta para o tratamento adequado para os diferentes sintomas.

Pedaço da Vila: Existem pesquisas que compro-vam a depressão como um grande mal do século?

Sonia Regina Colapietro: Segundo os resultados de uma pesquisa realizada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), em 18 países e com 89 mil pessoas, o Brasil é o país em desenvolvimento com o maior número de depressivos. Foram entrevistadas 5 mil pessoas na cidade de São Paulo, que representou o Brasil. Dos entrevistados 70% sofrem de depressão e 37% recebem tratamento. Muitos dos entrevistados não sabiam que têm depressão. Ainda segundo a OMS, existem 121 milhões de pessoas com depressão no mundo, e essa poderá ser em 2020 a segunda doença impactante mais recorrente do mundo, de acordo com o estudo Global Burden of Disease, promovido em conjunto com a OMS, a Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard e o Banco Mundial. Uma curiosidade: no grupo masculino, a depressão só fica atrás das doenças cardiológicas, e no grupo feminino, ela ocorre duas vezes mais do que no grupo masculino. Mesmo com esses dados alarmantes, pouco foi divulgado sobre a orientação e os tratamentos adequados, uma vez que a maioria das pessoas que têm depressão não possui informações que possam ajudá-las na tomada de decisão de como, por que e quando iniciar o tratamento.

P.daVila: Qual é a diferença entre tristeza e depressão?

S.R.C.: O termo depressão tem sido popularizado e causado muitos equívocos, inclusive no diagnóstico, que sempre deve ser feito por um profissional especializado nas áreas de psiquiatria ou psicologia. A tristeza é um fenômeno natural que faz parte da condição humana. Então, diante da perda, por exemplo, de um ente querido, é perfeitamente natural ficar triste. Entretanto, se essa tristeza se prolongar e/ou atrapalhar o funcionamento da vida da pessoa, é um sinal de alerta. A depressão não tratada tende a aumentar com o tempo, e os riscos e perdas são grandes. Pode por exemplo ocorrer uma cronificação, cuja palavra vem do termo cronos – criar tempo –, o que significa que uma crise não tratada desencadeará outra crise, mais grave. Em muitos casos pode ocorrer uma psicossomatização, como dor nas costas, no estômago, o que vem agravar a situação mais ainda, pois a causa não está sendo tratada. As pessoas não devem ter vergonha de admitir que necessitam de um tratamento psicológico, pois a depressão é uma doença como outra qualquer. Até como prevenção, seria recomendável a qualquer sinal de alerta procurar um profissional, pois, se a depressão for tratada logo no início, melhores e mais rápidos serão os resultados. Outro sinal significativo é identificar se existe histórico familiar de depressão. 

P.daVila: Existem muitos remédios hoje em dia que tratam os males da alma…

S.R.C.: Alguns profissionais de diferentes áreas médicas, que não são psiquiatras, receitam medi-cação sem o acompanha-mento necessário de um especialista da área. Isso é muito comum, pois o uso do termo “depressão” atual-mente é frequente, o que vem causando muitos equívocos; e as pessoas saem tomando remédio sem orientação. É bom lembrar que depender única e exclusivamente de remédios não traz a esperança de volta nem garante a prevenção de recaídas quando houver suspensão dos mesmos, além dos efeitos colaterais – que irão depender do organismo de cada um. As pessoas acreditam que o medicamento é mais barato que a terapia, mas isso funciona só a curto prazo. A longo prazo, a terapia é mais eficaz, pois pode durar alguns meses ou alguns anos, dependendo de cada caso, mas é finalizada quando os sintomas desaparecem ou são minimizados, e o humor se estabiliza. A Terapia Cognitiva, mesmo durante e após o processo terapêutico, ensina a pessoa depressiva a administrar muito melhor suas emoções e cognições (pensamentos), uma vez que ela aprende a ser seu autoterapeuta. 

P.daVila: Como a depressão aparece?

S.R.C.: Existem basicamente dois tipos de depressão: a endógena, identificada quando, sem nenhuma causa aparente, a pessoa se deprime — ela é decorrente de fatores internos. O processo terapêutico nesse caso é mais prolongado e vai exigir maiores esforços tanto do terapeuta quanto do paciente; e a depressão exógena, que é identificada quando existe uma causa aparente, por exemplo a perda de uma pessoa querida, fracasso financeiro, desilusões afetivas, cuja tristeza se estendeu por mais de 6 meses ou vem prejudicando a vida da pessoa.

P.daVila: Como identificá-la?

S.R.C.: A depressão pode se manifestar de diferentes formas. Dentro da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) há três graus de depressão: leve, moderada e profunda. Os sintomas são assim definidos: “rebaixamento do humor; redução de energia e diminuição da atividade; alteração da capacidade de experimentar o prazer; perda de interesse; diminuição da capacidade de con-centração; fadiga acentuada; problemas de sono e dimi-nuição do apetite; diminuição da auto-estima e da auto-confiança; ideias de culpa-bilidade; lentidão psico-motora; agitação; perda de 

peso; e perda da libido.” Dois ou três sintomas acima  corresponde a uma depressão leve o que significa um sinal de alerta.

P.daVila: Como o cérebro do depressivo funciona?

S.R.C.: Na psicologia você tem várias abordagens. Segundo o modelo cognitivo, a depressão é conceituada não como transtorno emocional, mas como transtorno de processamento de informação. Isso porque o indivíduo com depressão se avalia negativamente como desprovido de qualidades e habilidades. Ele percebe o mundo externo como hostil, injusto e rejeitador. E imagina que no futuro sua insatisfação com o presente poderá permanecer ou até aumentar. A depressão resultaria, na perspectiva cognitiva, de um fenômeno chamado de vulnerabilidade cognitiva: ele sofre um déficit que o levaria a cometer três erros básicos de processamento de informação: aplicar um viés negativo no processamento de si, de suas experiências e do mundo; processar seletivamente aspectos do real que confirmam suas avaliações exage-radamente negativas e descartar aspectos do real que deixariam de confirmar esses exageros pessimistas; e, uma vez que cometer a distorção, o depressivo resiste a interpretações alternativas. Há estudos científicos comprovados através de neuroimagens que demonstram que o cérebro de uma pessoa que não tem flexibilidade cognitiva, ou que tem depressão, faz conexões neurais que acabam seguindo a mesma rota. Com o tratamento psicoterápico, essas conexões estabelecem outras rotas, outras conexões, de

formas significativas. Esse processo ocorre em decorrência da plasticidade cerebral. 

P.daVila: Existem outros tipos de transtornos que acompanham o quadro do depressivo?

S.R.C.: Sim, como, por exemplo, ansiedade, seja TAG (transtorno de ansiedade generalizada), TOC (transtorno obsessivo compulsivo), TEPT (transtorno de estresse pós-traumático), transtorno do pânico e tratamento de distúrbios orgânicos, como os cardiológicos principalmente (sendo que o estresse é considerado uma das maiores causas de infarto). 

P.daVila: Qual é o tratamento mais adequado?

S.R.C.: As pessoas que apresentam uma depressão severa ou crônica necessitam fazer o tratamento combinado: psicoterapia e farmacoterapia. Estudos científicos demonstram que o tratamento combinado apresenta resultados mais positivos do que cada um isoladamente. Quem já está recebendo medicação nunca deverá suspendê-la ou reduzi-la sem antes falar com o psiquiatra responsável. Nos congressos de psiquiatria, a abordagem psicoterápica mais eficaz atualmente é a Terapia Cognitiva, que, além do caráter didático, tem o tempo limitado adequado ao contexto socioeconômico de cada paciente. Mas há exceções que ocorrem quando pessoas apresentam elevado grau de depressão e são portadoras de desordens de personalidade, em cujo caso a terapia pode se estender. 

P.daVila: Como é possível avaliar o grau de depressão em que a pessoa se encontra?

S.R.C.: Na terapia cognitiva, na 1.ª sessão, faço uma avaliação utilizando os testes de seu criador, Aaron Beck, na qual é possível identificar se a depressão é leve, moderada ou severa. Graus diferentes de depressão afetam de formas diversas cada pessoa. Assim como a medicação deve ser individualizada, levando em conta as características biológicas de cada um, a Terapia Cognitiva também elabora um planejamento de intervenção personalizada, na qual as técnicas cognitivas são transmitidas para cada paciente, levando-o a ser seu autoterapeuta, promovendo a flexibilidade e a estruturação cognitivas e desenvolvendo habilidades para a solução de problemas. Por meio desses recursos é possível escolher um caminho e ser feliz!