Ricardo Amorim
Nosso entrevistado é economista, consultor, apresentador do programa Manhattan Connection, da Globonews, colunista da revista IstoÉ e presidente da Ricam Consultoria. Realiza palestras em todo mundo sobre perspectivas econômicas e oportunidades em diversos setores. Único brasileiro na lista dos melhores e mais importantes palestrantes mundiais, do site inglês Speakers Corner, é considerado o economista mais influente do Brasil e um dos dez mais influentes do mundo, segundo o site americano Klout.com. A seguir, ele fala sobre crise mundial, especulação imobiliária, economia sustentável e da preferência por morar pertinho do parque Ibirapuera.
Pedaço da Vila: Atualmente, a economia de alguns países europeus está passando por alarmantes dificuldades, em virtude do endividamento dos governos pela emissão de títulos da dívida pública. O Brasil segurou-se bem no começo dessa crise mundial, mas este ano teve um crescimento fraco. A situação brasileira perante esse endividamento público está distante da realidade dos países europeus? Se sim, por quê? Se não, por quê?
Ricardo Amorim: O Brasil passou por uma crise similar a esta dos países europeus na década de
80 e, depois disso, passou mais de uma década se ajustando. Hoje, por mais surpreendente que possa parecer, ele se encontra em uma situação muito mais saudável do que a de todos os países europeus. A dívida pública brasileira, por exemplo, é de menos de 60% do PIB do país. Na Europa, na média é de mais de 90% do PIB e há casos em que chega a quase 200% do PIB. Além disso, o Brasil já ajustou seu sistema financeiro com o PROER, e seus governos regionais, com a restruturação das dívidas estaduais e municipais. Esses são dois dos focos de sérias preocupações com a Europa atualmente. Para nós, brasileiros, é difícil acreditar, mas o Brasil é mais sólido hoje em termos macroeconômicos do que a maioria dos países desenvolvidos.
P.daVila: George Soros afirmou, em seu livro “The New Paradigm for Financial Markets”(2008), que “estamos em meio a uma crise financeira não vista desde 1929” e declara que essa crise em tese poderia ter sido evitada se houvesse um maior controle de mercado por parte do Estado. Em sua opinião, a saída para essa crise mundial e um futuro mais estruturado para o Capitalismo seria possível com quais medidas?
R.A.: Concordo com Soros quanto à gravidade da crise, mas concordo apenas parcialmente quanto à possibilidade de evitá-la. Na essência, essa crise está resolvendo um problema de excesso de endividamento em todos os níveis das economias dos países ricos. Este problema se formou entre 1980 e 2007, período de crédito farto e barato por lá. Com isso, famílias, empresas, instituições financeiras e governos acabaram se endividando mais do que é saudável. Chegou a hora de reduzir esse endividamento, o que só é possível com menos consumo e investimentos por lá, o que, por sua vez, levará estas economias a crescerem menos nos próximos anos. Dificilmente, regulamentações mais rígidas sozinhas teriam evitado que o problema acontecesse. Para ser franco, acredito que crises fazem parte do processo de desenvolvimento econômico. Assim como na nossa vida pessoal, não conseguimos controlar todas as variáveis econômicas e, ao tentar
resolver um problema, muitas vezes acabamos causando outros.
P.daVila: A situação da Grécia é a mais complicada. Se ela cortar gastos públicos vai se asfixiar, o que pode dificultar ainda mais a sua recuperação, já que o desemprego e baixo desenvolvimento seriam inevitáveis. Se você estivesse no governo grego, quais medidas adotaria?
R.A.: Eu pediria demissão (risos). Brinca-deiras à parte, não há solução fácil por lá. Como venho alertando desde 2009, a saída da Grécia da Zona do Euro é inevitável. Só não sabemos exatamente quando ela ocorrerá e quais os impactos que causará no resto da Europa. De acordo com as projeções do próprio governo grego, no ano que vem a Grécia viverá o sexto ano seguido de recessão, a primeira vez que isso acontece com um país que não está em guerra civil desde o início dos anos 40. O problema é que com mais de ¼ dos gregos e mais da metade dos jovens gregos desempregados, e o desemprego em alta, ninguém consome na Grécia. Para piorar, não há crédito. A única forma de a Grécia voltar a crescer é exportando, o que não é possível com o euro, que a torna pouco competitiva. Enfim, o impacto inicial da saída da Grécia da Zona do Euro será caótico e aprofundará inicialmente a recessão, mas será ele que permitirá que a Grécia volte a crescer em seguida, algo parecido com o que aconteceu com a Argentina em 2001. Melhor um fim horroroso do que um horror sem fim.
P.daVila: A crise do setor imobiliário americano, com supervalorização de imóveis e facilidades exageradas para financiamento em 2008, foi o fator-chave para o desencadeamento da recessão mundial (principalmente nos países de 1.º mundo) que está perdurando até hoje. No que diz respeito ao Brasil, percebe-se que as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais estão vivendo uma notável especulação imobiliária. Ainda que a dinâmica brasileira seja diferente, é possível fazer uma comparação com os americanos que hipotecam tudo e acabaram entrando numa enorme bolha relacionada a preço?
R.A.: Efetivamente, bolhas imobiliárias quando estouram costumam causar estragos econômicos brutais. Exatamente por isso, tenho estudado a evolução do mercado imobiliário brasileiro muito de perto, comparando o que está acontecendo no Brasil, não apenas com a bolha americana, mas com todas as demais bolhas imobiliárias nacionais que estouraram no planeta desde 1900. Minha conclusão é que, por ora, o brasileiro não precisa se preocupar com nenhum
estouro de bolha imobiliária. A situação pode mudar no futuro, mas, pelo menos nos próximos anos, a situação parece tranquila, por três fatores. Primeiro, bolhas imobiliárias costumam envolver forte atividade de construção. Para
tornar os dados de construção comparáveis entre diferentes países e períodos, analisei o consumo anual de cimento, per capita, em cada país no ano em que a bolha estourou. Não encontrei nenhum estouro de bolha com consumo anual de cimento inferior a 400 Kg per capita. Na Espanha, passou de 1.200 Kg e há casos, como na China atual, de consumo
ainda superior, de 1.600 Kg, sem estouro de bolha. No Brasil, minha estimativa é de que hoje estejamos em 349 Kg. Segundo, uma bolha imobiliária sempre se caracteriza por preços muito elevados em relação à capacidade de pagamento das pessoas. Considerando-se quantos anos de salários são necessários para comprar um imóvel de preço médio nas principais cidades do mundo, nenhuma cidade brasileira está hoje entre as 20 mais caras. Por outro lado, Brasília,
Rio de Janeiro, Salvador e Balneário Camboriú estão entre as 100 mais caras. Entretanto, mesmo por esse parâmetro, Brasília, a mais cara do país, ainda é duas vezes e meia mais barata do que Rabat, no Marrocos, a mais cara do mundo. O ar que infla qualquer bolha de investimento, imobiliária ou não, é sempre uma abundante oferta de crédito. Ela possibilita que investidores comprem algo que não poderiam apenas com suas rendas. Todas as bolhas imobiliárias que encontrei estouraram quando o total do crédito imobiliário superava 50% do PIB e, em alguns casos, passava de 130% do
PIB. Nos EUA, em 2006, um ano antes dos preços começarem a cair, era de 79% do PIB. No Brasil, apesar de todo o crescimento dos últimos anos, esse número é hoje de 5% do PIB. Aliás, é sempre uma súbita ruptura na oferta de crédito, normalmente associada a uma forte elevação do custo desse crédito, que faz com que bolhas estourem. No Brasil está acontecendo exatamente o contrário. O crédito imobiliário
está em expansão, e o seu custo em queda. Por tudo que pesquisei, concluo que é bastante improvável que haja um estouro de bolha imobiliária no Brasil, pelo menos em breve.
P.daVila: Então os preços dos imóveis continuarão subindo no ritmo dos últimos anos?
R.A.: Dificilmente. Os preços atuais já estão mais elevados; em casos específicos, até altos para padrões internacionais.O mais provável são altas mais modestas, às vezes bem mais modestas. Em alguns casos, até pequenos ajustes de preços para baixo são possíveis e salutares. São exatamente eles que garantiriam que bolhas não estourem em um futuro mais distante.
P.daVila: O Facebook abriu o capital na Nasdaq. Não existe tanto dinheiro para uma empresa que produz algo tão incerto. O mercado capitalista tem espaço para esse tipo de negócio? Como se justifica esse tipo de empresa ter uma valorização tão intangível?
R.A.: Efetivamente, as ações do Facebook foram lançadas a mercado por um preço que nunca me pareceu justificável —tanto que, em seu lançamento, quando o Facebook estava avaliado em cerca de US$ 100 bilhões, cerca de 100 vezes seu faturamento anual, afirmei que as ações da empresa deveriam cair de preço. De lá para cá, as ações já caíram mais de 50% e eu tenho impressão de que o ajuste ainda não acabou. Isso não significa que empresas que geram produtos intangíveis não tenham valor, e, em alguns casos, muito valor. O próprio Facebook é uma empresa que, devido a seu potencial de geração de resultados, merece valer alguns bilhões de dólares em minha opinião. Mais do que isso, a Microsoft, que também gera um produto intangível, chegou a ser a empresa mais valorizada da história, até ser recentemente batida pela Apple, e ainda hoje vale mais de US$ 200 bilhões. Em outras palavras, não é a tangibilidade ou não de um produto ou serviço que determina o valor de uma empresa, mas sua utilidade para seus clientes e a capacidade de a empresa em transformar esse serviço em receitas e resultados para a própria empresa.
P.daVila: Nos próximos anos o Brasil será palco de dois megaeventos: Copa do Mundo e Olimpíadas. Em relação ao custo/benefício dos investimentos necessários você acha que a sociedade será beneficiada como um todo? São Paulo será favorecida?
R.A.: Tenho poucas dúvidas de que São Paulo e o Brasil serão beneficiados. Além dos serviços temporários durante o evento, 250.000 novos postos de trabalho devem ser gerados devido ao evento em todo o país. A Copa do Mundo deve elevar o PIB brasileiro em 1,5 ponto percentual em três anos. Os setores mais beneficiados, segundo o estudo, serão hotelaria, transporte, comunicações, cultura, lazer e comércio varejista. Além disso, devem ocorrer quase 40 bilhões de reais de investimentos na infraestrutura para a Copa – com ênfase para os gastos com transporte (12,7 bilhões de reais). Menos de 20% disso destina-se à construção de estádios. Além disso, em geral, há um aumento de 30% nas exportações de países que sediaram a Copa no passado. Em resumo, devemos monitorar e nos preocupar com gastos excessivos pelo governo, mas o legado da Copa para o país tem tudo para ser muito positivo.
P.da Vila: O Brasil é um país em que o custo de vida está cada vez mais caro. Em sua opinião, a realização desses eventos é preocupante, já que esse custo pode aumentar ainda mais?
R.A.: De fato, o custo de vida no Brasil está muito elevado e esses eventos colaboram para torná-lo ainda mais caro, mas não acho que os eventos sejam o principal fator. Na essência, tudo no Brasil é mais caro do que no resto do mundo porque os impostos embutidos em produtos e serviços por aqui são maiores do que no resto do mundo. Entre os países emergentes, os impostos no Brasil são maiores do que em outros 153 países e menores do que em apenas três países. Além disso, o PIB brasileiro passou de US$ 500 milhões em 2002 a US$ 2,5 trilhões no ano passado, e o consequente crescimento acelerado do consumo também colaborou para a alta dos preços. Em outras palavras, a menos que o governo corte significativamente impostos, o que só seria possível com grande corte de gastos públicos — o que não deve ocorrer, o Brasil continuará um país muito caro.
P.daVila: O mundo está passando por mudanças viscerais não só economicamente como tecnologicamente. Você acha que a internet e o aumento da importância da produção imaterial estão realmente criando uma nova economia? Que tipo de futuro, e solução, você vê, por exemplo, para o mercado da música?
R.A.: Transformações tecnológicas e de modelo de negócios trazem oportunidades e riscos; ganhadores e perdedores em todos os setores. Isso sempre foi e sempre será assim. Por exemplo, quando surgiram os planos de saúde, a remuneração da maior parte dos profissionais da área de saúde foi substancialmente afetada, mas os melhores profissionais de cada especialidade continuaram sendo muito bem remunerados. Acredito que a mesma coisa acontecerá com o caso dos músicos. A maioria sofrerá com algumas das transformações atuais, mas alguns talvez até consigam utilizá -las e como forma de divulgação do seu trabalho e forma de ficarem mais independentes das gravadoras.
P.da Vila: Vamos falar um pouco sobre a Rio+20. O tema meio ambiente está cada vez mais sendo visto como importante. Os temas abordados representam algum avanço para a economia sustentável do planeta?
R.A.: Participei da Rio+20 mediando um dos eventos que aconteceu e, um pouco antes do evento, publiquei um artigo intitulado Minha Rio+20, com minhas principais percepções a respeito do tema de sustentabilidade. Por um lado, fiquei feliz com a mobilização. Por outro, como enfatizei no artigo, impressiona-me
quão pouco avançamos desde a Eco 92. Um ano após a Eco-92, aconteceu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, e, eu, recém-formado, participei dela e tive a honra de ganhar um concurso de monografias com o tema A Tecnologia e o Meio Ambiente. Hoje, reli meu texto Desenvolver é Preciso, Destruir Não é Preciso e fiquei chocado. Quase não avançamos nesses vinte anos. À época, minha principal conclusão foi que os maiores desafios para o desenvolvimento sustentável não eram tecnológicos, mas políticos e econômicos. De lá para cá, o Protocolo de Kyoto, a única iniciativa concreta adotada, ruiu, pois a maior economia do planeta, os EUA, não aderiu a ele. Ponderei também que a questão ecológica precisa ser vista sob um prisma abrangente, incluindo também questões sociais. Caminhamos tanto nessa direção que a solução virou problema. O meio ambiente perdeu foco enquanto outros assuntos ganharam relevância, inclusive na própria Rio+20.
P.daVila: Por um lado, o planeta com seus recursos esgotáveis, por outro, um sistema econômico rígido que pensa, sempre, a curto prazo e não dá sinais de mudanças (por exemplo, com a energia derivada do petróleo). O senhor acredita que haverá uma mudança de consciência? Quando?
R.A.: Infelizmente, uma mudança assim por parte da maior parte da população do planeta levaria, na melhor das hipóteses, mais duas ou três gerações. A nova ordem econômica empurrou para a direção contrária. A entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, deslocou o centro de gravidade da economia mundial para os países emergentes, permitindo que centenas de milhões de pessoas deixassem a pobreza. Apenas no Brasil, 57 milhões de pessoas emergiram às classes A, B e C. Na China e na Índia, os números foram muito maiores. Do ponto de visto econômico e social, os avanços foram brutais. Em apenas uma década, o mundo ganhou um número de novos consumidores de classe média ou alta similar ao de todo o século 20. Novos consumidores, novos poluidores. Já a questão ecológica, grave há vinte anos, hoje é exponencialmente pior. Ignorá-la significa condenarmos nossos filhos e netos a ajustes brutais de padrão de vida. Uma vez que os desafios são políticos, assim também hão de ser as soluções. Urge encontrarmos pontos de interesses mútuos e dividirmos sacrifícios e ganhos. Países ricos têm de reconhecer que o grosso da destruição ambiental e da poluição planetária foi, e ainda hoje é, causada por eles. Grande parte do custo de recuperação ambiental é sua responsabilidade. Por outro lado, a maior parte do crescimento vem e virá de países emergentes, que precisam cobrir os custos para torná-lo sustentável. O agronegócio e a indústria precisam assumir suas responsabilidades ambientais, mas os consumidores têm de aceitar que certas medididas ecolo-gicamente necessárias têm custo expressivos que serão repassados aos preços dos produtos. Governos devem incentivar formas sustentáveis de energia, mas os ecologistas, que se opõem à construção de usinas hidrelétricas, devem propor formas alternativas mais sustentáveis, e os consumidores precisam reduzir o desperdício no consumo de energia. A questão ecológica não pode ser ignorada, mas tampouco pode impedir investimentos fundamentais para o desenvolvimento, como tem acontecido no Brasil. A infraestrutura do país sofre com a lentidão na análise de projetos e na liberação de licenças ambientais. Impactos devem ser devidamente considerados e corrigidos, mas é preciso rapidez e objetividade, sem vieses dogmáticos.Tomo emprestadas as palavras que usei há vinte anos e que espero não voltar a usar na Rio+40: “Técnicos e cientistas têm demonstrado competência para desempenhar o seu papel. É preciso cobrar dos políticos a mesma competência”.
P.daVila: Fale um pouco sobre a região em que mora. O senhor frequenta o bairro?
R.A.: Escolhi esta região para morar por dois motivos: tranquilidade e o parque Ibirapuera. Morei quase dez anos em Nova York ao lado do Central Park, e me acostumei a ter um belo parque como quintal. Depois disso, não consigo ficar longe de um parque para curtir com minha família. Acredito que o bairro passará por uma megatransformação ao longo desta década, com a construção de vários grandes edifícios e o desenvolvimento do comércio local, que ainda é pouco sofisticado. Estas transformações criarão grandes oportunidades. Vejo, por exemplo, uma escassez de opções de restaurantes mais sofisticados no bairro. Toda escassez é sempre uma oportunidade para alguém. Enfim, acredito que o bairro ficará ainda melhor. Só temo pela provável piora do trânsito no bairro, que hoje é uma de suas principais vantagens em relação ao resto da cidade.