Rafael Primot

Uma das principais revelações da dramaturgia brasileira dos últimos anos, ele é um dos atores mais atuantes de sua geração e se desdobra em diferentes papéis ao mesmo tempo: na televisão, interpreta o travesti Stephanie, no seriado Tapas e Beijos, da Rede Globo; está em cartaz, no teatro Jaraguá, com o espetáculo No Quarto ao Lado, e acabou de estrear na direção de cinema com o filme Gata Velha Ainda Mia, que traz como protagonistas as atrizes Bárbara Paz e Regina Duarte. Em 2010, teve seu talento reconhecido ao conquistar o prêmio Shell de Teatro de São Paulo na categoria melhor autor, com o espetáculo O Livro dos Monstros Guardados. Nesta entrevista ao Pedaço da Vila, o múltiplo artista e vizinho destaca seus grandes mestres, explica sua relação com as diferentes linguagens, fala sobre os desafios de filmar seu primeiro longa-metragem e revela os prazeres de morar no pedaço

Pedaço da Vila: Em que momento tomou gosto pelo teatro?

Rafael Primot: O teatro foi uma coisa que sempre tive vontade de fazer. Saí de casa, em Itapeva, interior de São Paulo, meio desbra-vando, pois ninguém em minha família tinha relação com o teatro. Cheguei a São Paulo com 15 anos para poder estudar. Aqui, me formei em Cinema na FAAP e paralelamente estudei teatro na escola Macunaíma e fiz o CPT (Centro de Pesquisa Teatral), sob a orientação do dramaturgo Antunes Filho.

P.daVila: O início de sua carreira em São Paulo se deu ao lado de Antunes Filho e José Celso Martinez. O quanto eles foram importantes para você?

Primot: Eu sempre tive o objetivo de ir atrás de grandes mestres, de diretores com quem eu pudesse aprender. Sempre senti um pouco a necessidade de correr atrás, o que, de certo modo, é muito bom, pois você acaba se cobrando ainda mais, de ler mais, de sempre procurar se aprimorar. Eu sempre quis trabalhar com o Antunes Filho e com o José Celso Martinez. Trabalhar com eles foi uma grande escola; eu aprendi muito como pessoa, a ter mais comprometimento com meu ofício e com meu estudo, com minha verdade, e a entender mais sobre as relações humanas. 

P.daVila: O Antunes Filho principalmente?

Primot: Toda minha base estrutural e de pesquisa consegui trabalhando durante dois anos ao lado dele. Costumo dizer que aprendi mais cinema com o Antunes do que na faculdade. No CPT tínhamos um estudo aplicado e víamos muitos filmes. Na época estávamos realizando uma pesquisa de interpretação muito próxima ao cinema, que foi o processo de Prêt-à-porter, Fragmentos Troianos, que envolvia o natu-ralismo e era uma pesquisa em cima de filmes.

P.daVila: Em sua curta carreira você já fez papéis bem incomuns… É uma opção?

Primot: Eu sempre tento me colocar em um lugar diferente. Gosto de me arriscar, isso me faz cometer muitos erros, mas também acertos. Sempre estou em busca de criar algo novo e que me dê prazer e desafio de alguma maneira.

P.daVila: Além de atuar, você também escreve. Sempre teve essa relação com a escrita?

Primot: Desde cedo eu escrevia pequenos contos, mas trabalhando com o Antunes Filho eu comecei a levar mais a sério esse meu lado, pois o Antunes exigia que os próprios atores escrevessem suas cenas, as dirigissem e apresen-tassem. Assim, comecei a perceber que eu poderia dominar outras áreas além da atuação, e que escrevendo e dirigindo minhas próprias cenas também poderia ter um controle maior da história que eu pretendia contar, e isso me abriu novos horizontes, pois eu não precisava mais esperar que as oportunidades viessem até mim, eu as criava. Éramos instigados a fazer teatro com quase nenhum recurso, como figurino ou cenário. Ali, percebi que era possível fazer teatro com nada mais do que o ser humano no palco. Isso me deu muita segurança, pois sei que se eu não tiver patrocínio para meus espetáculos, isso não impedirá que eu os faça.

P.daVila: Você costuma afirmar que escreve o que gostaria de interpretar ou de assistir. Como se dá esse processo?

Primot: Isso tem um pouco a ver com a vaidade de fazer personagens que não foram designados para mim, e principalmente pelo desafio de querer fazer coisas não tão óbvias. Nesse processo de criar eu descobri que era possível me dar oportunidades para mostrar, também, outros lados meus como ator. Dentro disso, eu encontrei prazer em contar histórias por olhares bem diferentes.

P.daVila: Você se expressa em diferentes meios: televisão, teatro e cinema. Como é sua relação com cada um deles?

Primot: São bem diferentes. A televisão é bem imediatista e requer que você resolva as cenas de maneira muito rápida, é  você  quem se dirige; diferentemente do teatro e do cinema, que proporcionam mais tempo. O texto televisivo é decorado rapidamente, no entanto, no dia seguinte você não se recorda de quase nada que disse; já no teatro e no cinema isso não ocorre: apesar de você decorar de maneira mais lenta, o texto o acompanha por mais tempo. Enquanto a televisão faz um produto descartável, veiculado apenas naquele dia, o teatro e o cinema têm mais tempo de vida, perduram mais. Em todos os meios em que trabalho eu sempre procuro humanizar o personagem.

P.daVila: Após conquistar o reconhecimento nos palcos, você estreou na direção de longa-metragem com o filme Gata Velha Ainda Mia. Sobre o que é o filme?

Primot: Ele começa como um drama feminino com duas mulheres conversando sobre relacionamentos e a questão de envelhecer, mas depois ele dá uma virada e começa a ficar um thriller psicológico. Trata-se da história de uma escritora, Glória Polk, interpretada pela Regina Duarte, que está tentando terminar um livro e já faz 17 anos que não publica nada. Por isso, ela acaba entrando em uma loucura nessa busca por terminar o último capítulo da obra. Ao mesmo tempo em que é uma história, há também uma brincadeira com relação ao ato da personagem de escrever o livro, como se ela estivesse escrevendo o próprio filme.

P.daVila: Como você avalia essa sua primeira incursão como cineasta?

Primot: Foi tranquilo, mesmo sendo muito intenso. Filmamos em torno de doze horas por dia. Claro que houve muitas coisas que não saíram como o planejado, mas o filme nasceu e a história está contada. Talvez não tenha ficado da maneira sonhada, mas todo filme é assim, sempre existem imprevistos, e precisamos saber lidar com isso.

P.daVila: O filme foi quase todo rodado dentro de uma residência. Foi para dar um aspecto teatral?

Primot: Há pequenas mudanças, como área exterior, quintal, mas foi basicamente rodado no interior da casa. Como a história toda acontecia em um único lugar, eu tive que fazer escolhas que ajudassem a contar a história sem que ficasse monótona. Para evitar isso, tive que intercalar coisas e movimentos, filmando em primeiro plano. O filme é muito contado por meio do que as próprias atrizes propõem, e isso é, sem dúvida, um dos elementos centrais da história.

P.daVila: Encontrou alguma dificuldade em dirigir Bárbara Paz e Regina Duarte?

Primot: Eu nunca faço com o outro aquilo que não gostaria que fizesse comigo, sempre tento me colocar no lugar do outro; assim posso delimitar até onde eu posso e não posso ir. Foi muito bom dirigi-las, mas também foi muito caótico,pois havia pessoas bem diferentes criando juntas, embora todos tenham sido muito generosos uns com os outros. Elas confiaram em mim, foram muito respeitosas. A Regina ria muito, mesmo com o personagem dela  muito amargo. Tive apenas que pedir para que ela não risse em determinado momento. Por termos poucos recursos financeiros, tudo foi feito de maneira muito cooperativa.

P.daVila: Você reside no bairro há pouco tempo. Já deu para estreitar a relação com o pedaço?

Primot: Estou morando aqui, no bairro, há pouco mais de um ano. Notei que é um bairro que tem vida própria, é um lugar muito gostoso, e estou adorando morar aqui. Gosto de caminhar pelas ruas, conhecer histórias de pessoas. O fato de fazer várias coisas ao mesmo tempo acaba me impossibilitando de aproveitar mais o bairro, de conhecer novos lugares, mas quero fazer isso no ano que vem. Pretendo colocar um pouco o pé no freio para vivenciar a Vila Mariana!