RAQUEL DIMENSTEIN

Nascida na Venezuela, ela saiu de seu país, em 1984, para morar em Israel e se graduar em Psicopedagogia, Ciências Políticas e fazer magistrado em Economia e Sociologia. Foi lá que conheceu o marido, pernambucano, casaram-se, tiveram dois filhos e vieram para o Brasil. Especializada em gerontologia, Raquel trabalha os processos cognitivos e, hoje, ministra oficinas de estimulação cognitiva, memória e reminiscência para a terceira idade em projetos desenvolvidos pela prefeitura, além de ensinar técnicas de memória e exercícios de estimulação cognitiva em domicílio. Desde 2008 morando no pedaço, ela destaca que o mundo está envelhecendo e mostra como é possível viver bem independentemente da idade!

Pedaço da Vila: Por que resolveu se especializar em Gerontologia?

Raquel Dimenstein: Tive uma relação muito próxima com meus avós, eles foram centenários. Na velhice deles, foram surgindo demandas e questões que foram me aproximando de uma forma ou outra ao tema da Gerontologia. Quando minha avó tinha seus 90 anos, surgiram os primeiros sinais de Alzheimer, e, tratando-se de uma doença na qual o deterioramento é progressivo, tornou-se necessária a adaptação dos cuidadores e familiares. A doença é especialmente difícil para as pessoas que convivem com os doentes, pois eles têm condutas inadequadas ao meio e por muitas vezes nem percebem.

P.daVila: Como detectar o Alzheimer?

R.D.: Alzheimer é uma doença em que acontece uma destruição progressiva dos neurônios. A memória é a função cognitiva que primeiro fica comprometida. O diagnóstico é baseado no histórico do paciente; é essencialmente clínico, não existem exames de sangue ou imagem que possam detectar a doença. Ele é feito por meio de uma avaliação sobre situações da vida diária, e vão se descartando a possibilidade de outras doenças.

P.daVila: É possível retardá-lo?

R.D.: É importante entender que ainda não existe cura para a doença, mas existem medicamentos que podem desacelerar o avanço, contudo a progressão é inevitável. Entretanto, sabe-se que colocar a cabeça para funcionar é essencial para proteger nosso cérebro. Por meio de exercícios cognitivos, trabalhando e interagindo socialmente, aumentamos nossas chances de retardar o aparecimento da doença. Portanto, exercitar o cérebro é fundamental, estimulando nossas funções cognitivas.

P.daVila: O que é “treino para o cérebro”?

R.D.: Logicamente não está baseado em atividades físicas, mas em exercícios variados que desafiam o raciocínio, a memória, a imaginação, que objetivam desenvolver a atividade cognitiva mental. A habilidade cognitiva que permite às pessoas pensar, solucionar problemas, lembrar nomes, lembrar lugares, planejar as atividades diárias e também manter a concentração. O objetivo principal do treino é desenvolver essas habilidades e evitar a deterioração cognitiva. Pois o cérebro é um órgão que pode se desenvolver e aumentar o número de sinapses entre suas células nervosas, formando uma rede de transmissão de estímulos, cuja eficiência aumenta quanto mais for utilizada e desafiada. Dessa forma, o cérebro poderá trabalhar de forma mais satisfatória e por mais tempo.

P.daVila: Há diferenças cognitivas entre homens e mulheres?

R.D.: Existem diferenças fisiológicas entre o cérebro das mulheres e o dos homens. Os homens têm um cérebro maior e com maior número de neu-rônios, mas tamanho não é documento, o importante é o número e a qualidade das conexões (sinapses) entre os neurônios do cérebro. Sabemos que as mulheres vivem mais

por se cuidarem durante toda a vida. Também a forma de pensar é diferente, mas, em relação ao Alzheimer, não há evidências de que a doença atinja mais mulheres ou homens. Temos a sensação de que o número de portadores de Alzheimer cresce no mundo, porque a expectativa de vida aumentou muito nas últimas décadas – as pessoas não adoeciam simplesmente porque não viviam o suficiente. Os riscos da doença aumentam na medida em que envelhecemos mais, tanto faz ser homem ou mulher. Outro motivo é que os diagnósticos são mais precisos, se conhece mais sobre a doença, e o tempo todo surgem novas pesquisas sobre Alzheimer.

P.daVila: Até que ponto a perda de memória em razão da idade é normal?

R.D.: Os idosos confundem falta de memória com falta de atenção. Muitas vezes achamos que esquecemos, mas, na realidade, como não prestamos atenção não codificamos de forma efetiva o assunto, então não conseguimos lembrar dele. Pessoas idosas demoram mais tempo para se lembrar das coisas; as mudanças no cérebro afetam a velocidade do processamento da memória. Dando mais tempo à pessoa idosa, ela vai conseguir se lembrar. É importante destacar que a memória também depende do estado geral; cansaço, alteração emocional ou até fome.

P.daVila: Dá para envelhecer sem ficar velho?

R.D.: É bem conhecido o mote de que mente saudável vive melhor em um corpo saudável. De fato, a consciência dos benefícios da atividade corporal têm aumentado nos últimos anos, mas não podemos esquecer de treinar também o outro órgão, que é o cérebro. O envelhecimento com-promete certas capaci-dades cognitivas e, por-tanto, o treino cerebral seria destinado princi-palmente a pessoas já idosas ou que brevemente chegarão lá — apesar de isso ser  parcialmente verdade, porque se sabe que durante o envelhecimento ocorre uma diminuição do número de células. Entretanto é importante ressaltar que também pessoas mais jovens podem passar por alguma deterioração cognitiva devido a doenças corporais, problemas emocionais, pancadas na cabeça etc.

Além disso, o treino é recomendado para pessoas que não têm desafios cognitivos regularmente e não têm suficientes estímulos externos (encontros sociais, estudos.). O treino não se destina unicamente a quem já se encontra em situação comprometida ou já apresenta dificuldades. De fato, ele se destina a todos os indivíduos que querem desenvolver suas habilidades, manter seu nível de concentração elevado, aproveitar melhor todo o espaço de armazenamento mental – temos mais de 100 milhões de neurônios! –, quando somente utilizamos uma parte desse fantástico aparato no nosso dia a dia.

P.daVila: Como podemos aprimorar nossa habilidade cognitiva?

R.D.: Existem algumas atividades que podem ajudar a aprimorar essas habilidades. Parte pode ser realizada estando sozinho; outra parte vale a pena realizar em grupo. Leitura: sem dúvida alguma atividade mais simples. O que pode ser mais agradável do que ler um bom livro durante uma hora, sem ser incomodado? Assim podemos desenvolver a habilidade de concentração e aumentar a atividade mental na área relacionada às palavras, à compreensão e significação. Jogos de racioci-nio: sudoku, quebra-cabeças, bridge e xadrez são conhecidos como aqueles que requerem raciocínio, em razão da concentração exigida. Hoje há vários tipos de jogos de computador que possuem o mesmo objetivo. Também as palavras cruzadas colaboram para esse mesmo desenvolvimento. Alimentação: nutrição correta é fundamental e pode afetar também a capacidade cognitiva. É recomendável manter uma alimentação equilibrada em nutrientes diversos e vitaminas. Internet: parece estranho, mas também essa atividade cotidiana ajuda aprimorar a habilidade cognitiva, em especial nas pessoas idosas. Realizar buscas variadas de questões que desafiem vocês a chegar a conclusões. Grupos de treino cognitivo: na cidade de São Paulo estão surgindo vários grupos, especialmente nos núcleos de convivência de idosos. Essas oficinas propõem dinâmicas de orientação para desenvolver a memória, a imaginação, e jogos de raciocínio. A maior vantagem dessas oficinas é a possibilidade do trabalho em grupo, durante o qual se desen-volvem também importantes habilidades sociais e de convívio . Não podemos esquecer que o cérebro é um órgão que pode e deve ser desenvolvido, estimulado e utilizado de modo múltiplo e diverso. É preciso cuidar dele para evitar que, em razão do baixo uso, ele se deteriore, afetando nossa vida diária. As atividades para treinar e estimular o cérebro podem ser prazerosas e realizadas socialmente.