Estrada da História

No Natal de 1553, desembarcaram treze jesuítas no porto de São Vicente. Seu líder, o padre Manoel da Nóbrega, orientou Manuel de Paiva e José de Anchieta a subirem com os demais a Serra de Paranapiacaba até o Planalto de Piratininga. Lá fundaram, em 25 de janeiro, o colégio de São Paulo dos Campos de Piratininga, que ficava em uma colina próxima ao encontro do córrego Anhangabaú com o Tamanduateí, em plena aldeia do índio Tibiriçá. A vila, que deu origem a cidade de São Paulo, ligava-se a São Vicente pela Trilha do Tupiniquim (ou dos Goianases), que atravessava os territórios dos perigosos índios tamoios, inimigos dos tupiniquins e dos portugueses.

Em 1766, o governador da Capitania, Morgado de Matheus, constatou as dificuldades da manutenção do percurso do litoral à Piratininga, mas foi só em 1792, que o governador da Capitania, Bernardo José de Lorena, inaugurou a Calçada do Lorena, a primeira estrada brasileira precedida de estudos topográficos e hidrográficos, e pavimentada com pedras, em forma de zig-zag, na margem esquerda do Rio das Pedras. A partir de então, tropas com até 300 mulas faziam o percurso da serra. Foi por essa estrada que D. Pedro I subiu, montado em uma égua baia, dirigindo-se a São Paulo com sua comitiva, no dia 7 de setembro de 1822.

Nicolau Pereira de Campos Vergueiro

Em 1803, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, cidadão português formado em Direito pela Universidade de Coimbra, resolveu tentar a sorte no Brasil, aos 25 anos, e usou esse trajeto para chegar em São Paulo. “O único bem que trouxe na bagagem foi o seu diploma universitário, pois, ele era muito pobre”, afirma o jornalista e genealogista Cláudio Fortes, diretor do site JB Cultura. “A sua competência para lidar com as leis era notável, e rapidamente se tornou um dos poucos especialistas jurídicos da cidade”, completa.

Desde cedo o então advogado passou a acumular funções políticas e fez fortuna. “Em 1807, recebeu uma sesmaria na região do Rio Piracicaba, onde construiu o Engenho Limoeiro e se apaixonou pelas atividades agrícolas, tornando-se também fazendeiro”, conta Fortes.

Nicolau Vergueiro era muito próximo do fazendeiro Nicolau de Sousa Queirós e do banqueiro Brigadeiro Luiz Antônio de Sousa, que se tornou seu sócio na criação de fazendas, como a Ibicaba, e na empresa Vergueiro & Sousa, que, com a morte do Brigadeiro, passou a se chamar Vergueiro & Cia.

Político consolidado, títulos não faltavam ao excelentíssimo Vergueiro. “Em São Paulo foi Deputado Provincial e Presidente da Assembleia, além de diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco”, conta Fortes. O seu prestígio político e econômico era tamanho, que tornou-se senador e passou a conviver com o Imperador D. Pedro I, colaborando para a independência do Brasil e posteriormente para a abolição da escravidão.

Após a abdicação de D. Pedro I em prol de seu filho, em 1831, o então senador integrou a regência trina que governou o Brasil enquanto o herdeiro do trono era criança, portanto incapaz de assumir o império.

“A política da corte, porém, não o afastou de São Paulo, onde ele mantinha e expandia os seus empreendimentos”, explica o historiador e bisneto Djalma Ferraz, “Nicolau Pereira de Campos Vergueiro era um homem muito convicto e lutou pelos direitos individuais e pela liberdade de imprensa, assuntos pouco discutidos na época”, complementa.

Vinte e quatro anos depois da Independência do Brasil, o filho de D. Pedro I, o imperador D. Pedro II, inaugurou a nova ligação do planalto com o litoral: a Estrada da Maioridade, uma referência à emancipação do monarca aos 14 anos. Essa mesma estrada seria sucessivamente melhorada e renomeada com o passar do tempo.

Em meados do século XIX, o café passou a ser o principal produto brasileiro de exportação, enquanto o país era pressionado pelo fim da escravidão. “Como o senador era abolicionista e precisava de mão de obra para as suas lavouras de café, desenvolveu em sua fazenda de Ibicaba, na região de Limeira, um método conhecido como ’sistema de parcerias’, com a finalidade de atrair trabalhadores imigrantes”.

Com isso, por meio da empresa Vergueiro e Cia, que atuava na Europa, trouxe para o Brasil 80 famílias, de suíços e alemães, com a promessa de um trabalho baseado no regime de parceria: os imigrantes entravam com a mão de obra, e o proprietário rural com os recursos. “O sistema adotado por Vergueiro se propagou, e outras fazendas também aderiram ao modelo”, conta o jornalista.

Entretanto, a insatisfação de um grupo de imigrantes suíços descontentes com a falta de cumprimento dos acordos estabelecidos com os patrões promoveu uma rebelião dos colonos. Alegavam tratamento semelhante ao regime de escravidão, de serem vítimas de propaganda enganosa e, em 1856, na Fazenda Ibicaba aconteceu um fato histórico, conhecido como a “Revolta dos Parceiros”.

“A notícia rapidamente se espalhou pela Europa. Alguns países europeus proibiram a emigração para o Brasil, e o sistema caiu em desuso”, explica. No tempo do senador Vergueiro, a fazenda de Ibicaba, ganhou projeção nacional por utilizar uma tecnologia considerada avançada para a época. “Ele fez a primeira tentativa de inserir mão-de-obra livre assalariada no Brasil, contribuindo para que emigrantes e brasileiros adquirissem pequenas propriedades, o que incentivou o desenvolvimento do Estado de São Paulo”. A Fazenda Ibicaba ainda existe, sendo atualmente um ponto turístico no município de Cordeirópolis.

O Senador Nicolau Vergueiro faleceu em 1859, deixando a empresa Vergueiro & Cia para seus herdeiros. “O filho que mais se aproximava do seu jeito empreendedor era o Comendador José Vergueiro, conhecido por ser seu braço direito”, conta Fortes.

Para o transporte do café, principal produto de exportação brasileiro na época, era necessária uma estrada de rodagem em bom estado. Para que a empresa e os negócios da família continuassem prosperando, José Vergueiro, com o amigo Arthur Rudge Ramos, encarregou-se do financiamento para a reforma do trajeto conhecido como Estrada da Maioridade ou Caminho do Mar, que posteriormente foi renomeado em homenagem ao comendador. “A restauração da Estrada do Vergueiro serviu para beneficiar a exportação do café, escoando-o até o Porto de Santos”, observa Fortes.

Além de melhoramentos em pontes, cortes e aterros, a reforma efetuada pelo empresário José Vergueiro, em 1864, fez uma alteração na rota de chegada a São Paulo ao subir pelo espigão da Vila Mariana, evitando então as frequentes cheias do Tamanduateí. A estrada do Vergueiro passou de via comum à estrada de rodagem, no sentido técnico e moderno da expressão. O percurso originalmente começava na época no Largo da Pólvora, passando pelos bairros da Vila Mariana e do Ipiranga, até Santos. Linearmente, a Estrada do Vergueiro e a Rua Vergueiro, que eram a mesma até meados dos anos 50, é uma das maiores ruas da cidade, pois liga o Alto da Serra do Mar, na região do Riacho Grande, em São Bernardo do Campo ao hoje bairro da Liberdade.

Embora o traçado atual da Rua Vergueiro seja similar ao construído na época, apenas o trecho que vai da Liberdade até a rua Conde de Irajá ainda mantém o mesmo nome.

A memória imaterial da então estrada é parte da História do Brasil e da Vila Mariana. No antigo Caminho do Mar passaram a família real, os tropeiros, escravos e imigrantes, que desembarcaram em Santos e fizeram o estado mais rico do Brasil. Alguns séculos separam o senador Nicolau e seu filho comendador José Vergueiro aos dias de hoje, mas a via que passa pelo espigão da Vila Mariana é tão importante quanto antigamente (o próprio Metrô acompanhou o trajeto original). Atualmente, edifícios cada vez mais modernos estão sendo construídos e a força do sobrenome Vergueiro permanece no cotidiano da cidade que os dois ajudaram a construir.