BANG!

Quando o assunto é arte e cultura, a Vila Mariana ocupa um lugar de destaque. Aqui se encontram alguns dos principais centros culturais da cidade, o maior patrimônio de preservação e difusão do cinema produzido no país, a Cinemateca Brasileira; sem citar os inúmeros museus, como Museu Lasar Segall, o MAM, o MAC e o Museu Afro Brasil, além das diversas galerias de arte, o Sesc, a Casa Modernista….

Nesses últimos três anos, uma arte menos badalada e distante do grande público, também tem se firmado no rico cenário cultural do pedaço, o quadrinho. À margem dos holofotes e correndo pelas beiradas do mercado brasileiro, tem conquistado, cada vez mais, seu espaço entre os leitores no país, mesmo sem um museu dedicado a preservação de sua história.

A primeira história em quadrinhos brasileira é datade de1868, criada pelo desenhista Ângelo Agostini e publicada na revista Vida Fluminense. Mas o gênero começou a ganhar visibilidade nas primeiras décadas do século 20, quando desembarcaram no país alguns dos maiores sucessos do gênero, como Batman, Super-Homem, The Spirit, Michey Mouse, Tintin, Capitão America, Hulk, Thor, Homem de Ferro, dentre tantos que se tornaram um fenômeno de mercado na época, pois, assim como o videogame é hoje, foi uma das principais formas de entretenimento das crianças. Isso impulsionou o mercado nacional e o nascimento de importantes personagens do gênero, como O Menino Maluquinho, de Ziraldo; Turma de Mônica, de Maurício de Souza, entre tantos outros que foram sucessos de venda no país. Vemos atualmente muitos personagens dos quadrinhos invadirem as telas dos cinemas em superproduções.

Conhecida por seus patrimônios dedicados a grandes artistas, a Vila Mariana começa, também, a receber com frequência exposições e encontros com autores emergentes no cenário artístico brasileiro com trabalhos independentes e autorais. Isso vem ocorrendo graças aos hostels, que nos últimos anos encontraram no pedaço o lugar ideal para se instalarem e promover a arte e cultura. Um deles é o Telstar Hostel, localizado na rua Capitão Cavalcanti, que promove a exposição de quadrinhos, Bang!. Sob a curadoria do quadrinista Mário César, a mostra congregou obras de 15 autores centrais da atual produção paulista do gênero que possibilitam ter um panorama dos novos rumos trilhados pelos quadrinhos no país. “Bang! preza pela diversidade, unindo artistas veteranos como Mutarelli, Gonsales e Spacca e uma nova geração representada por Mario Cau, Daniel Estevez e Dalton Soares”, explica o quadrinista e curador da exposição, Mário César.

A exposição aposta na diversidade para apresentar um panorama da atual produção brasileira no gênero e um dos representantes dessa nova geração de quadrinista no país é Davi Calil, que ressalta a qualidade dos jovens criadores. “É muito bom ver essa diversidade, tanto em estilo quanto em histórias. Por mais que ainda esteja começando a publicar quadrinhos, sinto que cada vez mais tem gente levando a coisa a sério e produzindo obras de qualidade.”

O quadrinho tem encontrado nessas mostras paralelas e pequenos encontros o lugar ideal para aproximar autor e público. “É essencial divulgar o trabalho dos quadrinistas, especialmente os que não estão associados a uma grande editora, e a exposição Bang! cumpre esse papel”, observa Calil.

Segundo  Lourenço Mutarelli, um dos artistas da Bang!, estamos em um momento marcado pela extinção das tradicionais revistinhas dedicadas ao gênero, o que faz com que os quadrinhos passe por profundas mudanças; uma delas é adaptar para os desenhos algumas das principais obras da literatura. “Isso se tornou a grande tendência no mercado de HQ brasileiro. Mas na maioria das vezes, não é pelo potencial dramático, é pela história, pelo desafio de recriar uma obra de peso com a qual o autor se identifica e, quase sempre, é feita como parte de coleções, o que torna impossível uma borá adaptação”, diz o quadrinista Mario Cau, que publicou, neste ano, a adaptação para os quadrinhos da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis.

Autor da adaptação para os quadrinhos das obras Jubiabá, de Jorge Amado e As Barbas do Imperador, de Lilian Moritz Schwarcz ( que será lançado no segundo semestre deste ano), João Spacca destaca os desafios para publicar no Brasil. “Cada lançamento exige novos esforços da editora para divulgar, distribuir e manter na memória do público os lançamentos passados. E, da minha parte, não posso parar de aprender, praticar e me aperfeiçoar. Essas adaptações literárias têm sido mais um resultado do interesse de educadores e estudiosos de HQ, do que dos leitores. É preciso compreender que a HQ é uma irmã mais nova das artes narrativas”, enfatiza.

Ganhador de três troféus HQ Mix de melhor roteirista, e autor da graphic novel Morro da Favela, o quadrinista André Diniz (autor de nossa capa) acredita que o quadrinho brasileiro está bem encaminhado e já superou os fantasmas que o assombram. “Estamos em uma fase muito rica de produção, estilos e ideias, e essa explosão de criatividade e talento refletem no interesse cada vez maior dos leitores. Não adianta cobrar nacionalismo do público ou reclamar que há preconceito contra os quadrinhos brasileiros. Demos a volta por cima crescendo com bons autores, e os leitores perceberam isso. Hoje, a qualidade do quadrinho brasileiro vem chamando a atenção mesmo em países com o mercado mais consolidado do que o nosso”, informa.

Mario Cau assegura: “O espaço tem sido conquistado na grande mídia, principalmente. Essa coisa de ver quadrinhos como entretenimento descartável, barato e superficial já é obsoleta há décadas, mas ainda existe muita gente que vê dessa forma. O mercado, porém, a meu ver, está longe de ser ideal para autores, mas está muito bom para os leitores. A variedade é imensa, tanto nas livrarias quanto independentes e webcomics. Ainda acho que o ideal seria produzir quadrinhos e derivados e poder sobreviver disso, e nesse caso, ainda estamos um pouco longe.”

Para Fernando Gonsales, criador das tirinhas do rato azul, Níquel Náusea, publicadas há 30 anos no Jornal Folha de S. Paulo, morador da Vila Mariana e um dos nomes centrais do gênero no país, o quadrinho ainda carece de mais atenção. “Apesar de ter conquistado mais espaço, em especial com o público adulto, ainda goza de algum preconceito”, afirma.

Consagrado no universo dos quadrinhos com obras como Transubstanciação e Diomedes, o vizinho Lourenço Mutarelli,  participou de um bate-papo com público no dia 27 de abril, e destacou os percalços na carreira de um quadrinista e a dificuldade para se manter apenas com a arte. “Sobreviver de quadrinhos no Brasil é muito complicado, não tem espaço e não dá dinheiro. Cada vez mais tenho alimentado o desejo de publicar fanzines, como fazia no início da minha carreira”, revela.

Mesmo com tantos desafios pela frente, os quadrinhos brasileiros têm buscado seu espaço com uma produção diversificada de temas e histórias, em um momento marcado pelo surgimento de uma geração de artistas comprometida com a arte, seja em publicações em formato de livro ou em sites dedicados ao gênero. E, no que depender da Vila Mariana, essa arte sempre será bem vinda! “A Vila Mariana é um bairro que está antenado com os acontecimentos da cidade. Não é por acaso que agora abriu esse espaço para os quadrinhos, a exposição BANG!”, conclui Fernando Gonsales.