Sudtirol — Alto Adige

Escrever uma crônica de viagem é interessante, mas a minha viagem já dura 29 anos, e então a coisa fica mais complicada.

Há 29 anos cheguei ao Sudtirol e penso que estarão se perguntando: Onde fica esse lugar? Pois é, é uma região entre a Áustria e a Itália. Política e geograficamente é italiana, mas na verdade o Sudtirol pertence a ele mesmo!

Chegar aqui foi como um choque, pois eu não entendia uma palavra. Pela primeira vez na minha vida de viajante não conseguia um ponto de referência na cidade para me orientar. Parecia que eu estava sempre perdida, então sentava em um café, pedia um expresso e observava esse mundinho novo.

A capital é Bolzano, onde moro, e é a chamada Porta das Dolomitas; já ouviu falar delas? São montanhas dos Alpes, altas, e únicas no gênero pelo seu tipo de formação rochosa; foram “tombadas” pela UNESCO como patrimônio da humanidade. Essas montanhas, que são imponentes e rodeiam toda a cidade, me amedrontaram no início. Lembro-me da primeira vez em que fui passear no Rosengarten (jardim de rosas) e me senti bem minúscula diante de tanta beleza. Uma beleza dura, majestosa, que deve ser conquistada com esforço, subindo a pé, para lá em cima receber a recompensa de um panorama excepcional. Ok, se você for preguiçoso pode subir de teleférico, mas garanto que a satisfação não será a mesma.

Então cheguei nessa cidade, que hoje tem 300 mil habitantes; é linda, limpa, silenciosa, ordenada, sem violência e rodeada por montanhas. Para onde me virasse tinha um panorama de ficar com a boca aberta, sem contar o parque da cidade, cheio de flores, playgrounds, cafés e sossego; parecia um cartão-postal.

Aqui convivem três grupos linguísticos: o alemão, o italiano e o ladino; não vou entrar na história, mas essa era originalmente uma região austríaca, que no fim da primeira guerra mundial passou para a Itália.

É interessante passear pela cidade, o que se faz muito bem a pé ou de bicicleta, e ver o centro antigo, herança dos tempos austríacos; depois atravessar a Ponte Talvera e passar para a parte “nova”, com arquitetura marcadamente italiana dos anos 40. Tudo aqui mistura as duas culturas: culinária, arquitetura, jardins, vinhos, tradições. Pode-se ver os desfiles tradicionais, com bandas musicais e roupas tirolesas — sim, aquelas calças de couro curtas com suspensórios e meias três quartos para os homens e o dirndl para as mulheres, com direito a chapéu com enfeite de penas e tudo — ou ir para as festas de rua italianas, com muita comida e barulho. Teoricamente todo mundo é bilíngue; usam-se indistintamente o alemão e o italiano no cotidiano.

Bom, esse deveria ser um roteiro de viagem, então vamos lá: chegar a Bolzano é sempre agradável, caminhar pelo Parque Talvera tomando um sorvete italiano, no verão, ou tomar vinho quente no Mercadinho de Natal e se deliciar com a atmosfera natalina, os aromas de canela e castanha assada. Em Bolzano tem sempre algo para nos deliciar, seja no verão ou no inverno. Durante a primavera há a florada das macieiras, no outono os bosques coloridos em vários tons.

De Bolzano, sem usar o carro, pode-se chegar a vários pontos turísticos da região, com os teleféricos, trens ou ônibus se chega às montanhas, aos lagos ou cidades vizinhas em menos de uma hora. Ah, sim, tinha esquecido de citar os lagos: são frios, lindos e balneáveis, no verão uma delícia para se refrescar e no inverno para patinar. Depois de 15 minutos de viagem você já mergulha na natureza alpina, pode fazer longas caminhadas no verão, esquiar no inverno, simplesmente sentar e se maravilhar com o panorama ou babar com os pratos típicos das tradicionais malgas ou baitas de montanha.

Já ouviu falar de Knodel ou Schlutzkrapfen? Não; afinal no Brasil se conhece apenas a Strudel ou o Chucrute, mas a cozinha tirolesa oferece muitas outras delícias ao paladar; se quiser variar, é só ir para os restaurantes de comida italiana.

As montanhas são um universo a se descobrir: a flora, a fauna, o ar rarefeito, as rochas, o desafio às próprias forças e determinação. Com um bom par de sapatos e uma mochila se pode caminhar o dia todo, surpreendendo-se a cada curva, com um novo panorama, sem mencionar que faz bem à saúde. No inverno,  esquiar na neve branquinha, com o sol no rosto, é uma delícia. Mas se você não esquia, não tem problema: uma caminhada na neve pode ser estimulante e cheia de surpresas. Aqui não existe tempo ruim para passear, o que existe é a roupa errada, pois para cada estação existem roupas, sapatos e equipamentos que nos permitem passear sempre confortavelmente protegidos.

Eu poderia continuar escrevendo por muitas páginas ainda, mas quero finalizar dizendo que aqui você pode fazer uma pausa da viagem corrida e extenuante pelas grandes cidades europeias e simplesmente sentar em um café, no parque ou na praça da cidade, tomar um expresso italiano ou um vinho branco tirolês e observar o estranho e rico mundo de duas culturas à sua volta. E, atenção, você corre o risco de ficar, como eu, pelos próximos 30 anos.

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