Meus tempos em Luanda

Luanda, Capital de Angola, na África ocidental, foi elevada à categoria de capital do país em 1605. Mantém até hoje vestígios históricos das guerras que ao longo dos séculos se travaram pela sua conquista. Desde a rainha Jinga até à época contemporânea, mais de três séculos se passaram e Luanda se embelezou, tornou-se cosmopolita, rasgou avenidas e virou a menina bonita do país.

Lembro-me da cidade dos tempos da minha juventude, lá pelos anos de 1970 quando ainda era colônia portuguesa.

Como capital, faz jus ao seu status. A sua imponente marginal em curva, que lembra muito a praia de Copacabana no Rio de Janeiro, é o cartão – postal da cidade. A sua graciosa curva de areia e coqueiros sob os quais os banhistas se refestelavam, era maravilhosa. A “Ilha” era o espaço preferido dos jovens nos dias ensolarados de verão. Ligada ao continente por uma pequena ponte, fervilhava de belas moças nas manhãs de domingo.

Os cinemas nas esplanadas, eram outra característica típica da cidade de Luanda. Primeiro o Miramar, lá para os lados do bairro de São Paulo, sobranceiro ao mar, depois outro, no Bairro do Café.

A partir de 1960 a cidade cresceu estrondosamente e bairros inteiros se formaram. Luanda não era mais uma cidade pacata e provinciana, tomava ares cosmopolitas e o próprio aeroporto começou a cercar-se de construções, apertado-o num cinturão de cimento.

De um lado a cidade que se estende até à Vila Alice, do outro as belíssimas praias que se vêem até onde a vista alcança. Na parte baixa da cidade fica a região central, sendo o largo da Mutamba o principal ponto de referência.

Numa travessa que saía do largo, atrás do edifício da Fazenda, havia em outros tempos uma pequena taberna, cujo nome já não me ocorre, onde se juntavam os militares do grupo de Dragões, especialmente nos dias de recebimento do “pré” (soldo). Ali corria solto o vinho tinto, com sardinha assada em regime de self service e salada de tomate. O freguês ia até à grelha gigante, retirava mais duas sardinhas e gritava para o garçom: “Ó Domingos, anota aí mais duas”.

Quase junto à orla da praia, a esplanada do Baleizão era outro ponto de encontro de amigos, onde a cerveja era servida em “patas ” (canecas de um litro, com duas asas).

O tira-gosto era servido em tiras de presunto defumado acompanhado de pão caseiro. No interior do estabelecimento, bem lá no fundão, uma mesa enorme, do tipo das que serviam os cavaleiros da Távola Redonda nas estalagens medievais. Cada freguês que ia chegando ia sentando, conhecido ou não, a conversa rolava solta e, como não podia deixar de ser, o assunto era mulher.

Mas quem gostasse de uma boa mariscada, era só viajar poucos quilômetros até ao Cacuaco. Desde camarão para tira-gosto até à lagosta, havia fartura de tudo.

Saindo do centro da cidade pela orla da praia e andando um pouco mais para o Sul, encontramos a praia da semba, a praia do Bispo, e o cais de embarque para a ilha do Mussulo, verdadeiro paraíso, onde nem bicicletas transitavam. Essa estrada circunda a fortaleza, reduto de militares em épocas das invasões, especialmente as holandesas e também as de piratas. Sobressai lá do alto, altaneira e imponente, abarcando-se das suas ameias todo um panorama de deslumbramento.

Nos botequins da vida, os arranjos de músicas e letras dedicadas a Luanda: “Luanda velhinha, és nova / Tão diferente da que eras outrora. / Arranha céus agora / Erguem-se altivos / Virados p’ro céu.”

À noite, no bairro São Paulo, os fins de semana eram agitados. Primeiro o aconchego de um carinho feminino, depois o jantar com os amigos regado a cerveja ou vinho. Lá para as tantas, depois de mais algumas garrafas, as bravatas corriam soltas, desde as escaramuças de periferia, até às confidências amorosas de “conquistas” e namoros, todos eles correspondidos. Claro, ninguém deixava por menos, terminando com relatos de intimidades… Poucos para parecerem verdadeiros, que os tempos eram outros. Uns beijinhos e uns amassos já eram façanha. Então a noitada acabava invariavelmente numa rebita de muceque (baile de periferia). Na madrugada quente e misteriosa, ouvia-se o som da vitrola que se elevava do clube de dança: “Como eu, a noite nasceu mulata / Na escuridão da cubata/ Foi pecado de subúrbio / Mulata, é estrela de bairro pobre / É barro que emita o cobre”.

Luanda é uma cidade bonita, apaixonante, airosa e sensual como suas mulatas.

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