Inverno Vermelho
A perspectiva de quem emite opiniões sobre um país ou civilização, a partir do vasto cabedal de conhecimento acumulado em uma semana, não pode ser levada a sério. Como meu objetivo não é o de mudar a opinião de leitores, mas bem o de alimentar o gosto de quem aprecia a ironia e o humor, acho que estou gabaritado para falar sobre a minha viagem à Rússia, sem abusar muito da paciência alheia.
A Rússia é um país de verdade. O que isso quer dizer? Simples: ao contrário de países como a Argentina, que é uma civilização de casquinha, do tipo raspou a tinta não fica nada (e olhem que eu amo a Argentina), a Rússia vai muito além do glacê. Tem recheio por baixo.
Não vou perder tempo a listar os nomes do panteão cultural russo para justificar a densidade daquele universo. Todo mundo sabe o que eles fizeram em literatura, em música, em artes plásticas, em ciências etc. Mais importante do que toda essa herança civilizacional, pelo menos para observadores apressados como eu, é a constatação vital de que as mulheres russas são maravilhosas. Beleza feminina também é cultura!
Fiz uma visita à Universidade de Moscou. O prédio é um dos 7 arranha-céus da cidade, todos construídos por Stalin. (Que poder extraordinário teve esse homem: era um verdadeiro Tzar). Decretou que nenhum prédio em Moscou poderia fazer sombra a seus arranha-céus. Logo, toda a cidade ficou limitada a mais ou menos 6 andares, o que leva uma homogeneidade exemplar.
O trânsito, porém, é ruim. Lembra São Paulo. Poucas avenidas de porte, embora tenha um anel rodoviário gigantesco em torno da cidade. É interessante constatar que 90% dos carros que vi circulando em Moscou eram estrangeiros
Quando você desembarca no inverno no Aeroporto de Moscou, se dá conta de que está num lugar diferente. Primeiro porque não vê a pista: tudo é branco contínuo. Segundo, porque tem umas máquinas esquisitíssimas rodando para cima e para baixo, limpando os aviões da neve. Fazendo o seu “de-icing” para usar a expressão técnica . Ao sair da área do aeroporto, em poucos quilômetros já se vê o Kremlin. Pois bem, ali está um monumento de aço que mostra até onde Hitler chegou, em sua aventura russa. A menos de 10 km do centro de Moscou.
Você acaba admirando o Hitler ou o Napoleão. Como esses caras tiveram coragem para chegar tão longe. Ao mesmo tempo, como eram ingênuos. Será que realmente acreditaram que era possível ocupar a Rússia em pleno inverno? Tolstoi fala sobre isso várias vezes no Guerra e Paz.
Fiquei sabendo que ninguém tem aquecimento de água em casa. Toda a água quente provém de centrais de aquecimento e é distribuída por dutos térmicos, a preços altamente subsidiados.
Sergey , um morador de Moscou, acompanhou-me em uma visita ao Kremlin (fora e dentro), no domingo de minha chegada. Conhecia bem o lado de fora das muralhas. Aquela presepada da múmia do Lênin, da troca de guarda a menos 30º centígrados etc. Mas nunca tinha estado dentro das muralhas. Paguei a entrada que é cara para um local, cerca de US$ 20. Ele estava nitidamente emocionado. Entramos em 5 igrejas ortodoxas, cada uma mais impactante do que a outra, embora tivessem pequenas dimensões. A mais bonita é a Igreja do Arcanjo Miguel. Construída em 1300 e “reformada” em 1506. Seis anos após a descoberta do Brasil…
O que ficou da herança dos Tzares e Ditadores é o medo. É incrível como as pessoas têm medo de criticar, a menos que tenham confiança de que estão falando com alguém que não vai trair. O comunismo alimentava a traição com uma veemência cruel. Todos delatando todos. O Sergey me confessou que o final do regime foi fruto do cansaço com a repressão, além de sua falta de eficiência e que hoje há muita gente saudosa do comunismo, por causa do desemprego. Grupos de rock de jovens russos cantando baladas elogiando os tempos do grande império soviético.
A maior preocupação dos russos é o ódio das ex-repúblicas. Perguntei a ele se a Rússia torceu pela Ucrânia na Copa do Mundo. Ele me disse que sim, torceu contra. Lembrei-me de Brasil e Argentina… Nota-se um claro tom de desprezo ao se tratar daquelas repúblicas todas terminadas em “…ão” (Turcomenistão, Azerbaijão, Kazaquistão etc.). “Eles foram civilizados a nossas custas e agora nos odeiam”, disse o Sergey.
Infelizmente, não pude ir a São Petersburgo, o testemunho mais gritante de que a Rússia é de fato uma civilização. Um amigo, que já esteve lá várias vezes, diz que Petersburgo é mais impactante do que Paris ou Veneza. O “Hermitage” é tão grande que são precisos 3 anos pelo menos para visitar todas as suas salas com obras de arte… Não por acaso a maior estátua de Moscou é dedicada a Pedro, o Grande – a ironia do presente é ver que ao fundo da paisagem que circunda a estátua de Peter, the Great, se vê um grande luminoso do McDonald’s… O capitalismo não tem respeito por nada…) Gagarin também tem uma estátua enorme, toda dourada. Super-kitsch, por isso legal…
Enfim é isso. Tenho que terminar esse já longuíssimo relato sem contar um monte de pequenas anedotas. Fica para próxima…