VÂNIA B. SOUZA E MAGDA TARTAROTTI

A psicopedagoga e a psicóloga apresentam a GMFAM, uma organização criada para mediar conflitos e transformar impasses em relações mais saudáveis através do diálogo. O Centro, localizado na Vila Mariana, conta com mediadores que pretendem servir à vizinhança em áreas em que houver conflitos e/ou batalhas judiciais

Pedaço da Vila: O que é o GMFAM?

Vânia Bueno de Souza: Somos um grupo de mediadores chamado Grupo de Mediação Familiar. Fundamos uma associação e uma parte dela atende famílias na região da Vila Mariana. Atuamos em vários setores: educacional, empresarial, familiar, comunitário, judiciário, atendendo as demandas, geralmente por recomendação de médicos, advogados, professores, assistentes sociais, psicólogos ou por famílias que já se beneficiaram do processo de mediação.

P.daVila: Como é aplicada a Mediação transformativa?

Magda Tartarotti: É comum ouvirmos que a resolução de um conflito entre as pessoas precisa ser resolvida com diálogo. Porém, é muito comum observarmos que este “diálogo” culmina em monólogos ou disputas de poder, que, por sua vez, ressaltam as diferenças e dificultam as soluções. Há  situações corriqueiras entre famílias, como por exemplo, brigas e discussões que ativam mágoas e ressentime-ntos, enraizando o conflito. Quando o diálogo é precário, as pessoas costumam recorrer ao Poder Judiciário, inviabilizado às soluções ou tornando-se até violentas.Todos sofrem, pois julgam que a razão está sempre ao seu lado, vendo o outro como “inimigo” e não como parceiro para a solução do problema. Acreditamos que o mesmo diálogo causador do conflito também pode solucioná-lo. A mediação, na abordagem transformativa, reconhece o valor do diálogo e da reflexão. O processo esclarece o “eu” + o “outro” + o “nós”,  além de desenvolver relações futuras mais sadias, criando espaços sociais nos quais o diálogo é a ferramenta que substituirá a selvageria. Isso possibilita um amadurecimento para o convívio social e promove a cultura de paz. A mediação facilita a comunicação e auxilia as pessoas a ouvirem e serem ouvidas.

P.daVila: De que forma é feito o atendimento?

V.B.S: Cada família é atendida por dois ou mais profissionais, caso seja possível.. Tais atendimentos acontecem semanalmente por sete encontros, em média, com valores que variam desde a gratuidade até o remunerado.

P.daVila: Quem a mediação pode beneficiar?

M.T.: Qualquer pessoa ou grupo que tenha boa vontade, que tenha intenção de resolver seus problemas, tomar decisões e e assumir responsabilidades para a solução de impasses. A mediação é realizada entre marido e mulher para acordos de convivência familiar, guarda e visitação de filhos, pensão alimentícia, violência, adoção. É aplicada entre funcionários de uma empresa ou instituição, professores e alunos,  pais e filhos,  Conselho Tutelar e escola, comunidade e escola, vizinhos, conflitos condominiais, amigos… Enfim, onde houver relação entre duas ou mais pessoas.

P.daVila: Os conflitos, então, são eliminados?

V.B.S.: Tradicionalmente, os conflitos não auxiliam as pessoas no encontro de sua solução. No entanto, quando acordos são construídos, normalmente as pessoas se responsabilizam por eles.

O processo de mediação não tem a pretensão de eliminar os conflitos, apenas oferece ferramentas para o encontro de soluções construtivas e criativas, nascidas em um contexto de diálogo e reflexão. Assim, o processo se constitui como um fenôme- no de amadurecimento da sociedade. O conflito se revela como uma dificuldade que emperra o curso sadio das relações.

M.T.: Embora o conflito seja  considerado uma enfermidade social, há quem o considere indispensável à evolução humana. A questão é transformar o conflito em oportunidade de crescimento pessoal, fortalecendo vínculos e reduzindo tensões. Talvez o leitor pense numa situação vivida e ache impossível este processo, mas posso afirmar que o conflito quando manifestado pode gerar conhecimento de si e do seu papel no processo, funcionando como um portal de novas e impensadas possibilidades. Um conflito marca histórias de separações entre as pessoas, trava batalhas judiciais dispendiosas. A mediação auxilia as pessoas a se fortalecerem em suas decisões, possui impacto positivo, evita acusações mútuas, ajuda a promover o espírito conciliatório, auxilia na comunicação, gera cooperação e diálogo, cuida da igualdade, protege as demais pessoas envolvidas em situações constrangedoras e chantagistas. Enfim, humaniza pessoas em relação às outras, tornando-as perceptivas e participativas em relação às próprias necessidades e a dos outros.

P.daVila: Qual o papel do mediador e em quais áreas eles atuam?

M.T.: O mediador é o terceiro em uma situação de conflito, sujeito à vontade das partes e sem poder de decisão. Ele facilita o processo vislumbrando pontos em comum para se chegar ao entendimento, sem exercer coerção e guardando sigilo absoluto. Sua função é auxiliar o exercício do diálogo e a busca da co-construção de uma história alternativa que possa conter um novo tipo de relação. O profissional tem um compromisso com o andamento do processo, trabalha na direção de deixar o passado e começar o futuro, substituindo a ameaça e coerção por uma ação efetiva de atendimento dos interesses comuns. O princípio fundamental do mediador é respeitar a autonomia da decisão dos envolvidos, de modo que possam administrar os próprios problemas e deliberar sobre a situação, participando ativamente na busca de soluções possíveis. Por tudo isso, dizemos que o mediador é o guardião do processo, um agente de realidade e um construtor de cenários para acordos.

V.B.S.: É importante ressaltar que a prática da mediação requer conheci-mento e treinamento específicos, técnicas próprias. O mediador qualificado nunca deixa de se aperfeiçoar, melhorando continuamente suas atitudes e consequentemente suas habilidades profissionais. A ética e a credibilidade são elementos básicos da GMFAM.

P.daVila? Como é realizado o atendimento?

V.B.S.:Ele se inicia com a voluntariedade ou seja a boa vontade de estar de um outro modo na situação. O mediador pode construir com as partes este lugar de pertinência, explicando os princípios da mediação e ouvindo as necessidades de cada um para cuidar do que chamamos de “equilíbrio de poder” A grande ferramenta da abordagem transformativa são as perguntas, pois através delas as pessoas podem identificar o seu protagonismo.

M.T.: O objetivo das perguntas é gerar diferenças, trazer informações, desconstruindo posições cristalizadas e, assim, possibilitando novas organizações. Neste caso, as perguntas podem ser circulares e reflexivas, auxiliando os participantes a se responsabilizarem pelas ações e não ações. Esta responsabilidade é entendida como reconhecimento da sua própria participação nos problemas.Como disse o psiquiatra norueguês Tom Andersem ” é um exercício de pensar, depois de ouvir e antes de responder”.

P.daVila: O processo de mediação objetiva a resolução do problema?

V.B.S.:Visa abrir possibilidades de transformação da relação e não a obrigatoriedade de acordos – que pode ser uma possibilidade e não uma finalidade. Possui baixo custo em vista de um processo judicial que poderá se estender ao litígio ou outros comprometimentos, dependendo do caso. Deixo claro que o atendimento não exclui e nem inclui um processo judicial. O processo propõe transformar um contexto adversarial em colaborativo.

M.T.: A violência nasce da falta de comunicação. Nasce quando não ouvimos e não sabemos ouvir, quando não “trocamos de sapato com o outro”. Ao apontarmos os defeitos do outro, começamos a construir um grande distanciamento. Quando culpo alguém, mostro que sou superior e que detenho a totalidade da razão. Vejo o outro como alguém cheio de defeitos e que está sob meu julgamento.Ele precisa ser corrigido e/ou punido, e eu permaneço poderoso e senhor da verdade. Pronto, está criada uma hostilidade! A raiva nasce, cresce e se desenvolve em ressentimento e então o que era apenas uma divergência, vira violência. Nem sempre para eu ganhar o outro tem que perder. Só que nesta relação todos perdem. O processo auxilia encontrar elementos que esclareçam que não há um culpado e sim um padrão específico de nos relacionarmos.

P.daVila: Mas ao chegar a este ponto, o problema normalmente atinge mais de uma pessoa…

V.B.S.: Quando digo que atendemos famílias, quero explicar que cuidamos de todos os seus membros, inclusive das crianças. Tem sido comum o atendimento entre pais e filhos, de modo a cuidarem da relação. Existem também casos mais complexos e delicados, por exemplo, violência familiar – quando movemos equipes específicas de atendimento.

P.daVila: Como é divulgado este trabalho?

M.T.: A princípio procuramos o jornal para anunciar nosso Centro de Atendimento de Mediação e a conversa na redação alastrou-se para esta entrevista. Então, gostaria que as pessoas interessadas, façam contato pelo telefone 5579-3484, e deixe seu recado, pois não possuímos recepcionista. Gostaríamos, também, de agradecer este espaço por divulgar um trabalho sério e que tem tido efeitos sinestésicos.