Swami Nirmalatmananda
Completando 10 anos de Brasil, a Ordem Ramakrishna Vedanta tem como princípio a harmonia entre as religiões com uma perspectiva moderna e livre de fanatismos e sectarismos e como tarefa anunciar uma nova era na qual o ser humano alcançará a plenitude.
A seguir, conversamos com o presidente da Ordem Swami Nirmalatmananda que explica que só vivenciando a espiritualidade é possível conquistar segurança, harmonia e bem-estar
Pedaço da Vila:O que é a Ordem Ramakrishna Vedanta?
Swami Nirmalatmananda: A ordem Ramakrishna é principalmente uma ordem dedicada à idealização de Deus. Fazemos trabalhos sociais para o bem estar social de todas as pessoas, independente de religião ou crença. A Ordem é dedicada ao autoconhecimento, vida e crescimento espiritual e desenvolve várias atividades humanitárias. Sua criação foi inspirada por Ramakrishna (1836-1886), o profeta da era moderna.
P.daVila:Em que ano chegou ao Brasil?
S.N: Oficialmente foi em março de 1999. Antes esta casa era registrada como um centro privado. Em 1999, inauguramos esse centro oficialmente. Esse ano comemoramos 10 anos da Ordem no Brasil.
P.daVila: Quais tipos de trabalhos sociais a Ordem realiza pelo Mundo?
S.N: Na Índia, por exemplo, nós temos vários tipos de trabalho voltados à saúde, educação. Temos grandes hospitais, faculdades, escolas, escolas politécnicas, albergues, orfanatos, e muitos outros. Isso acontece em toda a Índia. Nossas atividades estão em todas as áreas da vida humana. Nós poderíamos sentar, meditar e ficar tranqüilos, mas Ramakrishna dizia que ‘um estômago vazio não está pronto para filosofia sem ter comida”. Então é preciso fazer o bem para depois poder ministrar filosofia. Vedanta é uma maneira de vida integral.
P.daVila: A Ordem tem sede em todo Brasil?
S.N: Aqui em São Paulo temos esse centro principal com três unidades e um retiro espiritual em Embu-guaçu, com uma casa para mulheres, monges e homens, de mais ou menos 12 mil metros quadrados. Na Vila Mariana fazemos várias atividades. Diariamente temos ioga, palestras e meditação. Na quarta-feira fazemos um grupo de estudos. Qualquer pessoa pode participar. Oferecemos também orientações espirituais. As pessoas podem ligar e marcar um horário. Eu viajo sempre pelo Brasil, temos subcentros oficiais no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Em todos os lugares temos casa, grupos e um comitê para conduzir as atividades. Mensalmente visito estes centros e acompanho o trabalho. Temos outros pequenos grupos em Salvador, Recife, entre outros.
P.daVila:Quais são os trabalhos sociais realizado pela Ordem no Brasil?
S.N: Aqui tem muita oportunidade para trabalhos sociais. Nos Estados Unidos, onde nós temos mais de vinte centros, não temos muito trabalho social. Na Europa também não.Eles não precisam muito disso e fazemos outros tipos de atividades. Aqui no Brasil o trabalho social é uma coisa mais essencial. Em 2003, quando comemoramos 150 anos de Santa Mãe Sarada Devi, nós recolhemos cesta básica. Todos os meses as pessoas doavam comida e nós repassávamos para pessoas carentes. Tentamos fazer também um trabalho de reforço escolar. Fizemos com o Projeto Quixote, durante dois anos, e agora queremos fazer em nosso espaço próprio. Estamos nos concentrando mais no trabalho social em Belo Horizonte. Lá eu não tinha idéia de como iniciá-lo. Um dia uma senhora chegou para mim e disse que tinha muita experiência em trabalho social com costureiras, fazendo artesanatos e reciclagens. Um casal se ofereceu para ajudar a construir um espaço próprio para a atividade. Compramos um terreno em 2007 e agora estamos quase acabando uma casa para realizar esse projeto. Quinze mulheres estão fazendo muitos trabalhos de costura. Quando a casa ficar pronta essa produção vai aumentar ainda mais e vai atender mais pessoas. Talvez no futuro, esse lugar em Belo Horizonte irá virar a sede de todo o trabalho social. O Brasil necessita muito deste tipo de trabalho Crianças, jovens e até idosos precisam aprender algum ofício. Estamos muito entusiasmados.
P.daVila:A humaninade anda muito insegura: é aquecimento global, crise econômica, atualmente a gripe suína …
S.N: As pessoas estão se sentindo inseguras porque elas não têm fé em si mesmas. Elas estão perdendo a confiança e não sabem o tamanho da potencialidade que elas têm. De acordo com Vedanta, cada um tem dentro de si uma fonte espiritual muito grande. As pessoas não sabem que esse potencial de energia não tem limites. Elas têm um tipo de fé, que dizem ser fé em Deus, mas não tem a fé em si mesmas. É tudo muito superficial. Por um lado, as pessoas têm sentimentos muito bons, querem compartilhar a amizade. Por outro, falta fé em si mesmo, falta honestidade, vontade de se dedicar a coisas verdadeiras. Falta também consideração por outras pessoas. Políticos, por exemplo, têm que entender que atrás de cada papel há uma família, uma história e um monte de pessoas. Os administradores precisam ter essa visão. Quando as pessoas têm um caráter verdadeiro, não há problemas. A fé em si mesmo tem que combinar com a fé em Deus. As pessoas que sabem ter esse tipo de vida tornam-se muito importantes para a sociedade.
P.daVila:Só ter fé em Deus não resolve?
S.N: O importante é uma combinação dos dois lados. Ficar culpando tudo e todos pelos problemas não vai resolver nada. Deve-se primeiro resolver o próprio interior. As pessoas têm que ter uma ideia bem clara do que está acontecendo dentro de si mesmas e parar para consertar. Depois tudo vai ficar bem claro. Se você não tem uma um objetivo bem claro na vida, acaba ficando perdido. e não terá grande força interior. Não adianta pedir a Deus e ficar esperando. Uma pessoa que quer comprar um carro ou apartamento, por exemplo, precisa ter fé em si mesma e trabalhar. Nada vai cair do céu. Com trabalho duro e fé, as coisas acontecem. Eu conheço pessoas que seguindo essa filosofia tornaram a vida completamente diferente. É necessário primeiro se esclarecer para depois esclarecer as outras coisas na vida.
P.daVila:E qual o caminho para conquistar força espiritual?
S.N: Oração, meditação, companhia dos Santos, práticas espirituais e leituras.
P.daVila: Todos podem alcançá-la?
S.N: Mas não são todos que estão prontos para segui-la. Primeiro deve-se aceitar todos os pontos positivos e negativos da vida, juntos. Segundo, se você não tem uma ideia clara da vida, dos objetivos, de por que nós estamos aqui, não adianta. Depois de fazer essas reflexões você pode dar um novo rumo para a sua vida espiritual. O importante é saber por que você está aqui: se é só para lutar a vida toda e um dia morrer ou se tem alguma coisa a mais. Escrituras dizem que a vida humana é muito rara. Uma pessoa adquire o corpo humano depois de muitas vidas. As pessoas já fizeram muito em vidas anteriores para nessa terem ganhado o corpo humano. Então, não podemos desperdiçar isso. Temos que evoluir. Cada vez que você evolui, tem mais paz, mais conhecimento, mais força interior. Corpo e mente são um só instrumento. A oração de São Francisco mostra exatamente isso: “Senhor, faz de mim um instrumento de vossa paz” . Então, as pessoas devem orientar sua vida espiritual e assim terão mais paz e vida interior no dia a dia. E quando você se transforma, as pessoas ao seu redor percebem. Se você está feliz dentro de si, vai achar o mundo feliz. Então essa mudança começa primeiro no interior, para depois transformar as demais coisas. O corpo é material. As leis físicas falam sobre isso. Em geral, quando você tem uma doença no corpo, ela também afeta a mente. Então deve haver um tratamento em dois níveis, não se pode separar um do outro. Entre os dois, a doença mental é mais forte que a corporal. Há pessoas que um dia estão muito felizes e no outro dia, muito tristes. Que um dia dormem muito e no outro, pouco. Um dia comem muito e no outro, não comem. Não pode ser assim, tem que ter um equilíbrio em tudo. O equilíbrio está refletido em nossa vida diária. A medicina Ayurvedica, que chamamos de Ciência da Vida, não trata doenças, mas sim da construção do corpo. Não trata um problema só, mas a pessoa como um todo.
P.da Vila: O senhor cursou Física, Química e Matemática. Em algum momento houve um choque entre sua espiritualidade e formação?
S.N: Não há choque. Só me sinto chocado ao ver pessoas sofrerem tanto sem razão. Você tem tantas coisas que podem ajudar a superar os problemas. Quando a pessoa tem falta de espiritualidade acaba ficando “cega”, sem achar o caminho para se ajudar. Ela está na frente do rio e tem sede.
P.daVila: É simples para uma pessoa que vive nos grandes centros urbanos seguir uma vida espiritual?
S.N: É fácil aprender a meditar. Inicialmente existe uma resistência porque a mente não está acostumada, tem sempre uma tendência para dispersar. Meditação é uma coisa calma, que analisa, observa, reflete. É um caminho lento, que precisa ser feito corretamente. As pessoas quando não fazem as coisas espirituais corretamente podem se tornar egoístas. Mas se faz a meditação corretamente fica mais compreensiva, amorosa, generosa.
P.daVila: Qual sua impressão sobre o Brasil?
S.N: Em 10 anos tenho percebido que a economia tem muitos altos e baixos, mas que de um tempo para cá se estabilizou e melhorou. Esse governo tem uma preocupação com os pobres. Eu já observei que o país é muito grande, tem muitos recursos, mesmo depois de tudo o que já tiraram daqui. Tem tanta terra que pode fazer bem às pessoas. O governo podia tentar levar as pessoas mais para o interior, utilizar os recursos que existem lá. Está tudo concentrado em grandes cidades e no litoral. Na minha visão o Brasil é um país mais rico do que qualquer outro no mundo. Não tem falta de água, luz e energia. Outra coisa importante é a educação para todos. Vejo também que falta aqui um sentimento forte de nacionalismo. Quase metade das pessoas que vivem aqui é descendente de outros países. Outra coisa que percebo é que muitas cidades do Norte e Nordeste são controladas por uma só família, os coronéis. Assim o povo não tem muito o que fazer, porque de uma maneira ou de outra essas famílias estão sempre no poder. Na Índia existiam os marajás, mas um dia acabaram com isso. O governo do Brasil podia fazer o mesmo.
P.daVila: Qual orientação o sr. daria aos nossos leitores?
S.N: Se as pessoas começarem a ter um pouco de espiritualidade na sua vida diária, certamente a vida vai melhorar. Terão mais paz, harmonia, força interior e bem estar. Primeiro espiritualizar a própria vida, depois trabalhar para chegar aos objetivos e também ajudar aos outros, fazer o bem com vontade, com alegria. A caridade, que na verdade é o serviço de Deus refletido em cada um, é conseqüência da espiritualidade. Tem que ter unidade e diversidade. Diversidade nós conhecemos, mas unidade não. A ideia da meditação é chegar à unidade. Quanto mais você se aproxima dessa unidade, mais terá amor e valores verdadeiros. Outra coisa importante é o valor familiar. As pessoas estão muito sozinhas. Temos que juntar pai, mãe e irmãos e constituir famílias felizes.
Para saber mais: www.vedanta.org.br
Edição 86 – Ago/2009
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