João Malagueta

Seja quadrada, redonda, em metro ou fatia, a pizza já faz parte do cotidiano brasileiro. Só na cidade de São Paulo, mais de um milhão de unidades são consumidas por dia. Em 1985, o então secretário de Turismo, Caio Luís de Carvalho, reconheceu tamanho apreço dos paulistanos pelo prato, intitulando o dia 10 de julho como o “Dia da Pizza”. Para comemorar esta data em grande estilo, entrevistamos o dono da Pizzaria Venite,
há 52 anos no bairro. Aqui ele conta com exclusividade o segredo da massa fina que deixa os clientes com água na boca, os famosos
que já passaram pelas suas mesas e a honra de ter a sua pizza como a melhor de São Paulo, segundo o badalado chefe Alex Atala.
O pizzaiolo revela também o gosto pela literatura, fala sobre o seu livro – “Os Três Sertanejos”, seus sonetos em homenagem à Vila Mariana e a participação em outras seis coletâneas
Pedaço da Vila: Conte sobre sua história até chegar à Vila Mariana.
João Malagueta: Eu nasci no dia 25 de setembro de 1925 em um lugar chamado Recreio, um vilarejo entre Piracicaba e São Pedro que pertencia à Piracicaba e que hoje é município de Charqueada. Foi em Recreio que fiquei órfão com 11 anos e meio. Meu pai casou novamente depois de 6 meses, foi para São Pedro ajudar a construir o Grande Hotel da Termas, que hoje é o Senac. Sozinho, fui trabalhar em uma pequena padaria onde aprendi a fazer pães. Lá tinha uma égua chamada Severa que servia como transporte para entregar pão à freguesia. Junto ia um cachorro chamado Coti, que acompanha a gente na entrega. Fiquei três anos e meio nesse lugar e depois me mudei para São Pedro, onde meu pai morava. Isso era junho de 1940. Eu arrumei emprego em outra padaria, chamada Padaria Paulista, tinha 15 anos. Depois fui para a Padaria Central, e em maio de 1945, fui para Piracicaba trabalhar na Padaria Santa Cruz. No dia 9 de setembro de 1945 vim para São Paulo e aqui trabalhei em diversas padarias e pizzarias. Inclusive inaugurei a Padaria Salazar, na Avenida Pompéia, em frente à Igreja São Camilo e a Marialva, na Joaquim Floriano, e muitas outras pela cidade.
P.daVila: Nesta época o senhor já escrevia?
J.M.: Eu comecei a escrever desde o quarto ano do primário. Eu era campeão de redação desde essa época. A professora mandava fazer uma dissertação sobre algum assunto e quando trazia corrigida, falava que eu era o campeão. Mas eram redações bem simples. Eu comecei realmente a escrever poesia quando trabalhava na Padaria União Paulista, no largo das Perdizes. Foi lá, também que comecei a fazer pizza. Quem me ensinou foi um pizzaiolo que aprendeu com o mestre Valentino Brás.
P.daVila: Como era naquela época a produção de pizzas em São Paulo?
J.M.: As pizzas eram servidas somente em padarias. Tem essas cantinas que dizem que fazem pizza há 120 anos, mas isso não é verdade! Só pizzaria, até então, não existia, era tudo no balcão! Eu trabalhei em muitos lugares e nenhum deles era só pizzaria. A “Uei, Paisano”, de Anibal Zirpoli, na rua Abílio Soares, foi a primeira casa a trabalhar somente com pizza em São Paulo. Ele me contratou para trabalhar na “Uei, Paisano”. De segunda à sexta eu era pizzaiolo e garçom. Eu fazia a pizza e levava à mesa de gravata borboleta e tudo. Foi nesse período que eu percebi que as pessoas gostavam mais de massa fina do que de massa grossa. Aí começamos a tirar a massa fininha. Eu fiquei nessa pizzaria até 1956 e durante esse tempo morei também na Abílio Soares, no mesmo prédio da pizzaria. Um quartinho dividido com um guarda roupa em que eu morava com a minha mulher.
P.daVila: Quando o Sr. resolveu abrir a Venite?
J.M.: Tinha duas garçonetes que trabalhavam no final de semana na “Uei, Paisano”. A Ida e a Iris. A Iris foi quem me deu a idéia de montar essa pizzaria com o Ferreira, que era um outro rapaz que tinha uma tinturaria. Aí, bem caladinhos, começamos a projetar a Venite. Saímos para procurar casa. Gostamos do casarão na frente do Instituto Biológico. E aí fomos comprar mesas, cadeiras e o forno, do mesmo fabricante da “Uei, Paisano”. Montamos tudo, mas não podíamos inaugurar porque não tinha autorização. Ficamos 3 meses tentando arrumar uma licença de funcionamento e como estava muito difícil, acabei abrindo sem autorização mesmo. No primeiro dia, que era um sábado, fiz 18 pizzas. O nome é homenagem a uma música do Nicola Paone.
P.daVila: Como elaborou o cardápio?
J.M.: Na realidade eu que criei os sabores na “Uei, Paisano”. Cheguei a fazer 319 pizzas em uma noite quando trabalhava lá. Fiquei até quatro horas da manhã abrindo massa na mão. Sempre fiz de olho, sem usar receita. Enchia a mesa de farinha, colocava os ingredientes e fazia a massa. Já na Venite era só eu e o Ferreira. Ele entrou com 70 mangos e eu entrei com 50, um irmão meu me ajudou com o dinheiro. Tivemos que reformar a cozinha para ficar de acordo com a vigilância. As pizzas basicamente eram quase as mesmas, mas eu sempre procurei inovar nos sabores.
P.daVila: Desde quando a Venite faz tanto sucesso?
J.M.: Logo que inaugu-ramos, muita gente do bairro começou a freqüentar a Venite. Mas, a pizzaria estourou mesmo quando saiu na Revista Veja, em 1995. Foram três repórteres me entrevistar. Fizeram uma foto bem legal da minha pizza. Eu não quis sair na capa da revista porque tinha medo de seqüestro. Depois disso formavam-se filas para comer na Venite. Eu abria a casa às 18h e formava fila lá na esquina da Morgado de Mateus. Era uma estripulia. Um legião de famosos começou a freqüentar. De Rita Lee a Paula Toller, do Marcelo Tas aos Titãs.
P.daVila: Alex Atala, chef do 24º restaurante do mundo de acordo com a revista britânica “Restaurant”, já disse em entrevistas que a sua pizza é a melhor de São Paulo. Qual o segredo da receita?
J.M.: Se é segredo como você quer que eu conte? Na verdade a minha massa é a mesma que eu fazia quando morava em São Pedro, época em que ainda nem existia pizza. Era uma massa de pãozinho que fazia na assadeira e colocava um pouco de banha. Esse é o único segredo. Eu adaptei esta massa para fazer a pizza e uso até hoje. Não existe igual. Eu uso forno a gás e nem por isso minha pizza fica pior. Não existe essa coisa que pizza para ser boa precisa ser feita no forno a lenha. Uma vez o P.A, que era um baterista do RPM, levou algumas pessoas para comer na Venite. Um dos convidados não queria comer porque o forno era elétrico. Aí o P.A o convenceu a comer e no final o rapaz tinha se arrependido de ter falado aquilo. Eu já trabalhei com forno a lenha e forno a gás. Todos dão pizza boa, é só saber fazer.
P.daVila: Mesmo com sua pizza sendo considera uma das melhores da cidade, o Sr. nunca deixou de escrever e até ganhou prêmios com sua poesia…
J.M.: Eu sempre gostei de escrever. Eu escrevia poemas sobre tudo, sobre vários assuntos. Já escrevi mais de trezentos! Geralmente referem-se a assuntos sertanejos. Já fiz algumas músicas também, mas nenhuma foi gravada. Eu canto só de brincadeira, em roda de viola. No tempo do Adoniran Barbosa, eu encasquetei que só ele escrevia música sobre São Paulo e então resolvi escrever. Tem umas quinze ou vinte. Tem uma sobre a Vila Mariana inclusive (veja no site wwpedacodavila.com.br). Eu nunca estudei formas, nem rimas, nem métricas. Fui captando e aprendendo por conta própria. Já participei de seis livros e publiquei um só meu. Chama “Os Três Sertanejos” e tem 111 poemas. Escrevi um poema com 218 rimas, acho que é um dos maiores que existe até hoje. A minha última participação foi em um livro em homenagem ao Machado de Assis. Mas depois que a minha mulher faleceu, no ano passado, eu comecei a escrever menos.
P.daVila: Mas na pizzaria o senhor continua firme e forte, certo?
J.M.: Antes era eu e a minha mulher que fazíamos tudo e hoje é meu filho que está tocando a pizzaria comigo. Estou morando com ele. Continuamos com a pizza e com a massa fininha que a clientela sempre gostou. Implementamos o delivery também, que é fundamental hoje em dia. Sempre adorei o bairro e não tenho intenção de sair daqui.
Edição 85 – Jul/2009
moro no bairro recreio meu sogro já falecido mario malagueta ,irmãos, armando,oscar,irmã tem 4 ainda vivas.