RUBEM ALVES

Rubem Alves nasceu na cidade de Boa Esperança, em Minas Gerais. Aos 78 anos de vida, ostenta títulos de Bacharel em Teologia, doutor em Filosofia (Ph.D.) pelo Seminário Teológico de Princeton (EUA), psicanalista e professor emérito da Unicamp. Entre crônicas, ensaios e contos, possui mais de 80 livros publicados, dedicados a adultos e crianças – além de ser ele próprio o tema de diversas teses, monografias e dissertações. De passagem pela Vila Mariana para o lançamento, no SESC VM, do livro “Variações sobre o prazer”, no qual propõe ao leitor sentir o prazer como objeto da vida em todas suas variações, citando personagens reais ou fictícios que se maravilharam com a vida, como Santo Agostinho, Marx, Nietzsche e até da cozinheira Babette, o psicanalista, escritor, pedagogo, filósofo, teólogo e poeta concedeu ao Pedaço da Vila uma entrevista exclusiva, em que volta a criticar o sistema de ensino brasileiro, fala sobre fé, religião e espiritualidade e induz a uma reflexão sobre os últimos acontecimentos no Japão

Pedaço da Vila: Para o sr. o que é Educação?

Rubem Alves: Os animais nascem perfeitos. Eles não precisam de nada além do próprio corpo para sobreviver. Com o homem não é assim, nossa inteligência se desenvolveu para compensar nossa incompetência corporal. O sujeito da educação é o corpo, que dá as ordens. A inteligência é um instrumento do corpo cuja função é ajudá-lo a viver. Eu pergunto o que as crianças japonesas aprenderam na escola que as ajudou na situação em que se encontraram depois da tragédia do tsunami.

Pedaço da Vila: Qual é a metodologia de ensino mais eficaz?

Rubem Alves: Perguntar, provocar a criança.  Não é para ensinar nada, mas para apontar, indicar, dizer; para a criança aprender a se maravilhar. Pois é através desse maravilhar-se que você começa a pensar.

Pedaço da Vila: Como transformar a Educação?

Rubem Alves: Começando pela ¨grade¨ escolar, palavra infeliz por simbolizar algo fechado. O ensino precisa ser aberto, pois o mundo está em constante transformação, e muito do que faz sentido hoje, pode perder todo o signifcado amanhã . O currículo educacional deveria ser baseado no entorno do educando, pois o que for apreendido deve ser prático e fazer sentido no cotidiano, afinal a gente aprende é para viver.

Pedaço da Vila: O que fazer para a criança se interessar pela escola?

Rubem Alves: Os gregos tinham um verbo para isso: thaumatourgós. O taumaturgo é alguém que faz maravilhas. Então, você olha a matéria e fica maravilhado. Como é isso!? O segredo da educação não é nem escola nem metodologia, nem coisa nenhuma. Do meu ponto de vista, o segredo está numa entidade chamada professor. Se você ama as crianças, se você quer ensinar as crianças, você descobre os jeitos. Por isso, a transformação da Educação, em qualquer lugar, não só no Brasil, não será feita por meio de leis, determinando currículos — muito embora os currículos sejam extremamente importantes —, mas tudo tem a ver com essa figura extraordinária que é o professor. Eu gostaria que nas escolas se falasse sobre a figura deles. Há mestres extraordinários. Quando eu era pequeno, gostava de biografias das grandes personalidades, porque essa relação com a pessoa, de aproximação, tem muito a ver com o desejo de aprender. Admirar!

Pedaço da Vila: É possível aprender a espiritualidade por meio da filosofia?

Rubem Alves: A tendência da filosofia moderna é se restringir à linguagem. Com relação à espiritualidade, depende das orientações. Há filósofos maravilhosos que escrevem sobre isso. Edith Stein, por exemplo, tinha uma posição de espanto diante da vida; ele era um místico. Mas precisamente isso não pode ser filosófico, pois não pode ser ensinado. Edith Stein diz: “aquilo que não pode falar, deve-se calar”. Então, há um espaço muito grande que ele deixa para esse silêncio. Eu poderia dizer que, talvez, deveria haver um aprendizado de silêncio, mas isso não seria classificado como filosofia, porque filosofia, pelo menos na nossa tradição ocidental, é feita através da linguagem. Os zen budistas, por exemplo, falam sobre o Satori, que é abrir os olhos. Mas isso é uma coisa inefável, isso não pertence à filosofia. Isso é o espanto da vida!

Pedaço da Vila: Qual a diferença entre conhecimento e sabedoria?

Rubem Alves: Você pode conhecer muita coisa sem ser sábio. Conhecimentos são informações sobre como as coisas acontecem. Sabedoria é a arte de degustar a vida. A palavra sapio quer dizer, “eu degusto”. Isso não é uma coisa ensinada nas escolas: aprender a degustar a vida. As pessoas aprendem tanta coisa sobre economia, física, química, mas não aprendem a arte da vida. Não estou dizendo que eu conheço a arte de viver… Aliás, um dos meus sofrimentos é que eu sou uma contradição. Por exemplo, parte dessa teoria sobre a arte de viver é aprender a arte da vagabundagem. Por quê? Eu sou vidrado em caleidoscópio. Tenho caleidoscópios caríssimos que comprei no exterior, são absolutamente mara-vilhosos. O cara que inventou um caleidoscópio só conseguiu isso porque era um vagabundo. Se ele tivesse que fazer coisas mais importantes, ele não o teria inventado.

Pedaço da Vila: Os dogmas das igrejas afastaram o homem de Deus?

Rubem Alves: Acho que afastou o homem das igrejas, inclusive da igreja católica. E contribuiu para elevar os homens mais perto de Deus. Eu faço a brincadeira dizendo assim: Deus nos deu asas, a igreja criou gaiolas. Os dogmas da igreja católica — e de qualquer igreja — são contra o pensamento. Até escrevi um texto com o título “Petrus”, a propósito dessa presunção arrogante de ser o detentor da verdade. Petrus é Pedro, e pedra é dura, né? Então, as pessoas que pensam começam a se afastar, porque dogmas não têm lógica, não têm inteligência.

Pedaço da Vila: O que é a fé para o senhor?

Rubem Alves: Fé não é acreditar em nada. Os católicos têm que acreditar que Maria era virgem, que existe o purgatório… Têm que acreditar em coisas invisíveis. Para minha tradição presbiteriana, fé não é isso. Fé é alguma coisa que se parece com esta imagem: o cara está de asa delta lá na montanha; ele tem a asa delta e o abismo para ele voar; ele tem que vir correndo e, de repente, saltar no abismo, confiando que ele vai ser seguro. Fé é isso, você confiar na vida, lançar-se.

Pedaço da Vila: Então fé e religião não andam juntas?

Rubem Alves: Se pensarmos em religião como uma série de verdades em que você tem que acreditar, não. Isso não tem nada a ver com fé.

Pedaço da Vila: E é pela fé que o homem evolui?

Rubem Alves: Eu não sei o que é evolução. Sei o que é evolução do ponto de vista biológico. Tem muitas coisas que não podem evoluir: a Nona Sinfonia de Beethoven não pode evoluir, uma rosa não pode evoluir… Elas são perfeitas! Então, não quero evoluir, não.

Pedaço da Vila: Como o senhor vê a situação da usina nuclear no Japão?

Rubem Alves: Acho que eles sempre tiveram um controle muito rígido sobre a radioatividade; mas há um aforismo que diz: se a coisa pode dar errado, mais cedo ou mais tarde, ela dará errado. Todo mundo quer crescimento econômico, mas ele exige maior uso de energia. É esse ideal de crescimento econômico e vida boa que força a necessidade da energia nuclear. Acho que nós caminharemos até o fim nesta estupidez. Para você resolver esse problema, tem que gastar menos energia. Essa meta já era perseguida desde 1965, pelo Clube de Roma*, que fez um famoso relatório chamado “Os limites do crescimento”. É só ver o tráfego em São Paulo, onde você vende carro e não tem rua para andar. Um grande amigo, o cartunista Cláudio Secco, fez, anos atrás, um cartoon chamado: o engarrafamento final. Ele mostrava a cidade de São Paulo com as ruas todas engarrafadas, sem jeito de sair.

Pedaço da Vila: Existe uma explicação para o mundo de hoje?

Rubem Alves: Não tenho explicação para o mundo, ele é muito complicado para a minha cabeça. Eu também estou perdido.