Rafael Ribas
Foi na Start Anima, na Rua França Pinto, que Rafael Ribas aprendeu com seu pai, o mago da animação no Brasil, Walbercy Ribas, criador de comerciais inesquecíveis como a do homenzinho azul do cotonete e da baratinha da Rodox, além dos filmes Grilo Feliz 1 e 2, a arte da animação. Formado em Artes Plásticas na Belas Artes e trabalhando na área desde a adolescência, ele acaba de lançar seu primeiro longa-metragem: Lino – uma aventura de sete vidas. A seguir, ele fala sobre a criação do filme, o desafio de produzir um longa de animação no Brasil, sobre o mercado externo e o prazer de ver a sua criação na telona
Pedaço da Vila: Você acompanhou o seu pai na produção do Grilo 1 e 2, o segundo já todo realizado no computador. Como foi a entrada dos dois na animação digital?
Rafael Ribas: Meu pai comprou um computador com software para animação em 1993. Ele foi um dos pioneiros, era coisa rara no Brasil. Nenhum dos dois sabia mexer nele. Como ninguém conhecia o software, eu peguei o manual e comecei a aprender sozinho. O Grilo Feliz 2 foi desenhado à mão e colorido no computador. Na época do primeiro filme do meu pai, em 2001, dizia-se muito que o computador iria substituir o desenho e isso não aconteceu. Pelo contrário, só ajudou.
Pedaço da Vila: Quais foram os seus primeiros trabalhos profissionais de animação?
Rafael Ribas: A minha carreira teve início na publicidade. Aos 15 anos, fiz o meu primeiro comercial e um curta para a Colgate. Mas eu não gostava… Na publicidade, me sentia travado na criação. Era uma coisa muito limitada e cheia de prazos apertados. A minha vontade sempre foi criar, inventar histórias!
Pedaço da Vila: No Grilo Feliz 2 (2009), você já dividiu a direção com o seu pai. Como foi essa parceria?
Rafael Ribas: Ajudei meu pai nos dois filmes do Grilo Feliz. O segundo foi feito todo por computação gráfica. O meu pai é um desenhista, mas não é técnico de software de computador. Como eu não queria ser apenas mais um funcionário, e ele precisava de ajuda nessa área, assumi algumas partes do projeto como realização de imagens e a animação. No final, acabamos dirigindo juntos. Sou igual ao meu pai, gosto de acompanhar todo o processo. Trabalhar ao lado dele me deu a base para eu fazer o Lino – uma aventura de sete vidas.
Pedaço da Vila: Quando você decidiu fazer o seu filme de animação?
Rafael Ribas: Ao término dessa jornada dos Grilos, senti que estava pronto para fazer o meu filme, roteirizar e dirigir. Eu fiz uma análise das animações norte-americanas e percebi que há uma espécie de fórmula que define essas produções, como autores famosos que dão voz aos personagens e uma história simples que agradam também os adultos. No meu filme, eu queria uma história que fugisse dessa pegada de turminha que fala apenas para as crianças. Aí escrevi o roteiro e mandei para a Fox. Eles gostaram, mas pediram para eu fazer alguns ajustes. Ficamos nesse processo durante um ano. Nesse vai e vem, chamei a roteirista Stella Renner para me ajudar. O roteiro foi aprovado e a Fox tornou-se a co-produtora!
Pedaço da Vila: O filme foi financiado de que modo?
Rafael Ribas: Com recursos da Fox e por meio de editais, do Fundo Setorial, da prefeitura e da Lei Rouanet. Captar recursos é sempre muito difícil, principalmente neste momento de crise no país. Ao todo foram 6,6 milhões de reais usados para fazer o filme, um valor ínfimo para um longa-metragem de animação. Para se ter uma ideia, os filmes da Pixar já chegaram a 200 milhões. O Lino foi realizado com uma equipe bem enxuta — no máximo 40 pessoas. Todos precisaram fazer mais de uma função e todos se ajudaram muito. Eu escolhi alguns alunos da Belas Artes, sem vícios de trabalho, para que eu pudesse moldá-los de acordo com as minhas necessidades. A maior sorte que eu tive foi contar com uma equipe muito talentosa e comprometida. Todos são pessoas do bem e fazem o trabalho com muito amor. Essa equipe me ensinou demais.
Pedaço da Vila: A dublagem foi feita por três atores consagrados: Paolla Oliveira, Dira Paes e Selton Melo. Qual foi o critério da escolha e como foi dirigi-los?
Rafael Ribas: Quando a gente escolhe um ator, não é apenas por ele ser famoso e ajudar na hora da divulgação. Meu principal critério foi a qualidade da atuação. Há muito tempo eu queria trabalhar com o Selton Mello, que considero o melhor ator que temos no Brasil. Eu mostrei o roteiro e ele gostou. O filme teve início pelo Selton, que deu vida ao Lino. A animação é criada em cima da voz do ator. Se o ator não for bom, compromete o trabalho e a criação da identidade do personagem. Para minha surpresa, o Selton gravou o filme todo em um dia; eu imaginava que precisaríamos de uns três dias de estúdio. Como a primeira coisa que a gente faz, depois de escrever o roteiro, é gravar a voz — filme ainda não existe — eu que descrevi as cenas e a emoção da voz para os atores no estúdio. O Selton começou a carreira fazendo dublagem; ele entrou no estúdio e nos deu uma aula! Já a Paolla Oliveira e a Dira Paes nunca tinham feito voz para animação. No caso delas, eu precisei estar mais próximo, orientando. Eles foram fáceis de dirigir, estavam comprometidos.
Pedaço da Vila: Conte um pouco da história de Lino – uma aventura de sete vidas.
Rafael Ribas: Ele é uma pessoa azarada e de mal com a vida, que faz tudo com desânimo. Lino arruma um bico como animador de festa infantil e a fantasia que ele usa é a de um gato. Isso faz com que ele entre numa grande encrenca. Um dia, buscando ajuda mística para melhorar de vida, algo dá errado e ele se transforma na própria fantasia, no gato. Para piorar a situação, no dia anterior dessa transformação, um menino rouba a fantasia de gato para cometer alguns crimes. E Lino vira um gato procurado pela polícia, acusado de até sequestrar uma criança. Nessa jornada, ele aprende muito sobre a vida e sobre a importância de fazer as coisas com amor. Um pouco da mensagem do filme é essa: se fazemos com amor, tudo dá certo!
Pedaço da Vila: Desta vez seu pai participou do seu filme de animação?
Rafael Ribas: Ele sempre foi um conselheiro e sempre me ajudou muito. A sua experiência em direção foi fundamental para fazer o filme. Meu pai entende muito de todo processo, principalmente do design das coisas. Foi ele quem criou o cenário: a casa do Lino, as ruas, os prédios, as florestas. Ficou lindo.
Pedaço da Vila: Qual o seu olhar sobre o atual mercado brasileiro de animação?
Rafael Ribas: Eu acho que está bom para a produção de séries de TV. Tem muita coisa sendo feita. Para um longa-metragem, o Brasil ainda é muito fraco. Poucas pessoas tem a coragem de fazer um longa de animação: financeiramente não vale a pena. O maior de todos os problemas são os tetos para captação de recursos. A animação é diferente de um filme normal, que você consegue fazer com uma boa ideia e uma boa câmera. No caso da animação, não dá. Vai muita energia e dinheiro para o filme ficar bom. Aqui no Brasil as leis de incentivo têm o limite de sete milhões. Não sei o futuro da animação de cinema no Brasil; a produção é muito difícil.
Pedaço da Vila: Como vai a trajetória do filme?
Rafael Ribas: O circuito agora está nas salas das cidades do interior. Um filme nacional, hoje em dia, fica em cartaz três semanas. No exterior, um agente da Fox que está vendendo o Lino; já tem quatro vendas certas. Isso é muito bom, pois aqui a gente acaba gastando muito com o lançamento e a divulgação e depois nem vê a cor do dinheiro. Você não ganha muito, porque metade do lucro fica para o cinema e a produtora, que gasta milhões para lançá-lo. O que entra é para cobrir os gastos. A esperança é o mercado internacional. Mas, para mim, só o fato de criar uma história e depois sentar no cinema para assistir e saber que quase 300 mil pessoas também assistiram, é muito gratificante.
Pedaço da Vila: Há outros projetos em andamento?
Rafael Ribas: No momento, estou trabalhando num seriado infantil para a TV Geokids, da Net, que irá estrear em toda a América-Latina em dezembro. O nome do desenho é Buzzu na Escola Intergaláctica. É uma escola que reúne os maiores gênios do universo. A série, voltada para crianças de cinco a nove anos, é divertida, maluca e bem escrachada.
Pedaço da Vila: E continuação do Lino já está na cabeça?
Rafael Ribas: Eu gostaria. Quero conversar com a Fox sobre essa possibilidade, mas agora estamos acompanhando esse primeiro filme. Vou esperar um pouco. Como a captação de recursos é um processo demorado, já deve-ríamos pensar nisso agora para não perder o público do primeiro filme. Eu tenho a ideia de como seria essa continuação, mas não tive a oportunidade de conversar a respeito disso com ninguém. O Lino, no final de novembro, será exibido pelo canal Now e Google Play.
Pedaço da Vila: A Vila Mariana inspirou você em alguma coisa para criar o filme?
Rafael Ribas: Eu moro no bairro desde os 3 anos de idade. Estudei no Cristo Rei, na Belas Artes. Faço tudo a pé. Como eu vivi a vida inteira aqui, o bairro me influencia muito. No filme eu quis passar um pouco essas referências. A rua onde o Lino mora é repleta de casas geminadas, algo que temos muito na vila. O filme se passa num bairro em que todos se conhecem, como acontece, aqui, com a gente. Há muitos personagens no pedaço; quem não conhece o Seu Chiquinho?