Paulo Vanzolini
Sua composição musical é considerada patrimônio da cidade, embora afirme que sua profissão é zoólogo. Cientista de carreira, com passagem pelo Instituto Biológico, e compositor por hobby, aos 84 anos, fala da carreira nas duas profissões, do bairro, expressa saudades da boemia paulista, aponta os principais escritores musicais da atualidade e ainda evita polêmica sobre composição de sucesso da sua autoria que foi parar nas mãos e voz de Caetano Veloso. Com vocês, o sambista mais representativo do samba paulista, autor, entre outras, de Ronda e Volta por Cima
Pedaço da Vila: Quando sua paixão por zoologia foi despertada?
Paulo Vanzolini: Foi quando eu tinha 10 anos de idade. Fui com meu pai ao Instituto Butantã e, a partir de então, me apaixonei pelos bichos, sobretudo os répteis, e já sabia que queria seguir nessa fascinante área profissional.
P.daVila: Conte um pouco de sua história no Instituto Biológico.
P.V.: Fiz estágio no Instituto Biológico alguns poucos anos, de 1938 a 1943. Sua sede já ficava no mesmo lugar de hoje, no início da avenida Conselheiro Rodrigues Alves. Saí do instituto quando ingressei na faculdade de zoologia da USP. Mas tenho boas recordações, pois foi lá que aprendi todo o trabalho técnico relacionado aos animais.
P.daVila: Quais suas lembranças da Vila Mariana nesta época? O senhor também lecionou no colégio Bandeirantes…
P.V.: Na minha opinião, a Vila Mariana não mudou muito daquela época para hoje. Continua um bairro tranquilo e arborizado, com a diferença que agora tem mais pessoas, carros, prédios e comércio. Quanto ao colégio Bandeirantes, fui levado para lá pelas mãos do pessoal do Instituto Biológico. No Bandeirantes, atuei como auxiliar de ensino pré-universitário por três anos. Era um bom tempo, que tinha muita gente boa para se conviver.
P. da Vila: O senhor recentemente doou o acervo de sua biblioteca ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). Conte um pouco sobre esta coleção que fez da biblioteca herpetológica do museu a mais completa da América do Sul.
P.V.: Eu trabalhei no Museu de Zoologia da USP durante 40 anos. E sempre comprava o livros que não tinham no acervo do museu, sobretudo aqueles especilizados em áreas científicas. Aliás, investia boa parte do dinheiro que conseguia na música com a compra dos livros. Tinha uma coleção de pouco mais de mil volumes.
P.daVila: E o samba, como e quando ele entrou na sua vida? Quando começou a compor?
P.V.: O samba entrou na minha vida na década de 40, quando estudava na faculdade. Eu fazia parte da Caravana Acadêmica Universitária, onde tinha muita gente que gostava de música. Em grupo, nós viajávamos para fazer shows no interior paulista e até para cidades de outros estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro. Foi naquele período que comecei a compor e só parei depois de velho.
P.daVila: Quantas músicas o senhor já compôs? Quais são as preferidas?
P.V.: Compus 52 músicas que foram gravadas. E não tenho uma preferida. Seria até injusto escolher uma ou duas.
P.daVila: O sr. ganhou muito dinheiro com suas composições?
P.V.: Eu sempre vivi da zoologia, a música para mim sempre foi um hobby. As únicas composição que me renderam algum dinheiro foram ‘Volta por Cima’ e ‘Ronda’.
P.daVila: Hoje em dia, alguma coisa acontece no seu coração quando cruza a avenida Ipiranga com a São João?
P.V.: Bom, esse verso é do Caetano Veloso e não meu. Na verdade, trata-se de um verso roubado de composição minha, que fiz aos 21 anos. Não quero polemizar sobre isso. Eu ainda gosto da avenida Ipiranga com a São João. Era a região da boemia paulista e freqüentava muito para cantar e tocar. Aliás, embora todo mundo ache que Ronda é um hino a São Paulo, ela é na verdade sobre uma mulher da vida. Uma noite, eu estava tomando um chope ali pela avenida São João, quando vi uma mulher abrindo a porta do bar e olhando para dentro. Imaginei que ela estava procurando o namorado. Ele pensava que era para fazer as pazes, mas o que ela queria era passar fogo nele.
P.daVila: O senhor também compôs em parcerias. Quais foram elas?
P.V.: Sim, já compus em várias parcerias, mas as principais delas foram com Eduardo Gudim, Paulinho Nogueira e Elton Medeiros.
P.daVila: Também escreveu um livro de poemas. O senhor se considera mais poeta ou compositor?
P.V.: Escrevi sim. Mas não me considero poeta e nem compositor. Sou muito mais zoólogo.
P.daVila: Quem são os grandes compositores da atualidade?
P.V.: Não conheço nenhum compositor da atualidade, já que estou há um tempo afastado dessa área. Mas, na minha opinião, Chico Buarque de Holanda e Paulinho da Viola ainda são os dois maiores compositores do Brasil.
P.daVila: Como anda o samba da boêmia?
P.V.: Não tenho a menor idéia. Estou com 84 anos e não vou mais para as noitadas. Que saudades… Até os setenta e poucos anos eu ainda a frequentava, mas agora não dá mais. Mas creio que ainda existe muito samba bom na noite de São Paulo.
P.daVila: O sr. está bem de saúde?
P.V.: Moro com minha atual esposa, Ana Bernardo, há 11 anos e tenho cinco filhos de outro casamento. Pela idade avançada, venho convalescendo de infarte, mas levo uma vida protegida e bem-cuidada do ponto de vista médico. Espero ainda durar bastante.
P.daVila: Para o sr. o samba e a zoologia têm alguma coisa em comum?
P.V.: Para mim, são apenas dois exercícios intelectuais que se faz por divertimento.
P.daVila: Qual foi sua última composição?
P.V.: Faz tempo que não componho , fui perdendo a vontade de fazer música depois que o Paraná e o Adauto morreram. Para mim, isso era uma coisa de rodinha.Nem sei quando foi a última composição, acho que em 1997. Do nome da música lembro bem, a intitulei de: ‘Quando eu for, eu vou sem pena’.
Edição 73 – Jun/2008