Marcelo Torres

O que pode ter em comum uma empresa moderna e uma banda de jazz? O músico, formado em Administração de Empresas, aborda esta relação em suas palestras por todo o Brasil. A seguir, o morador da rua Madre Cabrini fala de seu inusitado trabalho e demonstra aos leitores do Pedaço da Vila como é possível adaptar o modelo em qualquer profissão.

Pedaço da Vila: Qual é a sua formação?

Marcelo Torres: Sou formado em Administração de Empresas e Música. Aprendi a tocar trompete com meu pai. Fui para a Escola Municipal de Música e me formei no Conservatório do Brooklin. Sempre fui apaixonado por jazz. Fui quatro vezes para New Orleans, berço do jazz, justamente para ver a essência da música: como eram os bares, tocar na rua… Durante dois meses, experimentei tudo isso e toquei bastante. Fiz amizade com os músicos. A gente aprende muito com discos – que são os melhores professores que se pode ter-, mas estar lá com os próprios jazzistas é diferente. O clima e o ambiente são outros. Vê-los criando o jazz na hora… É como um americano que vem conhecer o samba e tem a oportunidade de tocar num bar de pagode.

P.daVila: Quando resolveu se dedicar somente à música?

M.T.: Foi quando me casei, há 12 anos, e fui morar na Vila Mariana, na rua Madre Cabrini. Minha mulher me deu a maior força. Abri o escritório para tentar viver disso. Tinha a banda há 18 anos e fazíamos eventos. De vez em quando as pessoas me procuravam querendo dar festas com outro estilo de música. Passei então a indicar outras bandas e percebi que poderia ganhar dinheiro como empresário. Montei a “Marcelo Torres Organização de Eventos” para vender música profissionalmente.

P.daVila: Como surgiu a idéia de treinamentos em empresas?

M.T.: Eu tocava na casa de jazz Bourbon Street Music Club, em Moema. Fomos a primeira banda brasileira de jazz a tocar lá. Certa vez um dono de uma empresa de treinamento muito conceituada do Brasil pediu ao dono do Bourbon Street que indicasse uma banda de jazz. Ele disse que não bastava ser uma banda de jazz, era preciso uma diferenciada, com alguém que soubesse falar para o público. Como já havia trabalhado em empresas, como gerente de banco, dando treinamento para as agências, sabia falar em público. Fui apresentado para o pessoal que me passou um pequeno briefing para, bem à vontade, eu explicar como funciona uma banda de jazz.

P.daVila: Mas o que tem a ver uma banda de jazz com uma empresa?

M.T.: Para entender, é preciso saber que durante muitos anos se adotava a orquestra sinfônica como modelo de organização empresarial – o maestro interpretando a peça com a mesma intenção para todos os 120 músicos, como um diretor de cinema. Aí perceberam que esse modelo estava ultrapassado, porque é uma estrutura gigantesca, nos moldes de décadas atrás: empresas inchadas, desperdício de mão-de-obra e tempo e uma organização muito rígida – numa orquestra sinfônica há, por exemplo, 20 violinos fazendo a mesma coisa. Então se descobriu que a banda de jazz é um modelo mais atual por ter uma estrutura enxuta – sete pessoas, com sete instrumentos diferentes: piano,contrabaixo, bateria, guitarra/vocal, trompete, saxofone e trompete de barra com papéis diferentes que se completam.

P.daVila: Como foi encarar a primeira palestra?

M.T.: Fizemos a primeira palestra há 10 anos. Eu não sabia o que ia acontecer. Então, abri para perguntas e, em cima das dúvidas, criei quadros na hora, de improviso, como um jazzista!

P.daVila: O improviso é um dos tópicos de seu treinamento…

M.T.: É o primeiro quadro. Eu mostro o que cada instrumento faz na banda e, na medida em que explico, demonstramos musicalmente. O saxofone preenche os vazios da música e assim por diante, até juntar a banda toda. Aí me perguntaram: “E se faltar alguém, já que cada um tem um papel tão essencial?”. Respondi: “Vamos descobrir juntos o que acontece”. Peguei uma pessoa para ser nosso maestro. Ela mandava um músico parar de tocar e o público deduzia a falta que fazia. Na verdade, o meu objetivo era mostrar a importância da consciência de todos, para que ninguém largue mão do outro. Na banda temos um trabalho dimensionado para sete pessoas e qualquer um que faltar vai deixar um peso maior nas costas das outras seis pessoas. Cada um desempenha o seu papel, respeitando o dos outros e sempre prestando atenção no que o outro faz.

P.daVila: É o trabalho em equipe.

M.T.: Sempre! Numa banda de jazz existem instrumentos mais salientes que os outros e é aí entra o trabalho em equipe. O contrabaixo por exemplo fica, fisicamente, atrás da banda fazendo um trabalho de sustentação para a música, assim como a bateria que também faz a base. Portanto, para desenvolver um trabalho em equipe é necessário consciência de que aquela é a sua função e que ela é muito importante, apesar da saliência maior de outras. E por que não é você que toca trompete? Porque suas características combinam mais com o baixo, que é dar sustentação para o trompetista, o mais cara-de-pau, o que tem mais exposição. Cada qual de acordo com sua personalidade.

P.daVila: Como a liderança é abordada?

M.T.: Mostro que quando um instrumento sola, ele se torna o líder da banda. Para isso, demonstro como a banda toca dentro da intenção do líder e quando não toca. Coloco o saxofonista fazendo um solo romântico e a banda fora do romantismo dela. E a banda encobre o solo. Depois, mostro o contrário: o trombone tocando um solo virtuoso e banda num ritmo lento, baixo. Isso é ignorar a liderança do principal instrumento no momento.

P.daVila: Então o jazz ensina a ter uma postura profissional?

M.T.: É isso mesmo. A gente explica o que é o jazz, como ele funciona, o que cada instrumento faz, como eles conversam… As pessoas que nunca ouviram jazz ficam interessadas pelo gênero. Uma vez demos uma palestra na Floresta Amazônica, numa empresa do Pará que explora minério. A apresentação foi muito interessante porque eles liberaram para a família dos funcionários. Pediram até autógrafo!É muito gostoso levar cultura às pessoas, mesmo sendo cultura americana.

P.daVila: Como ensinar a criatividade?

M.T.: No arriscar, sair do padrão do que está escrito. Isto faz parte do jazz. Eu tenho partituras do Louis Armstrong que são álbuns inteiros de solo! Quando eu falo sobre improvisação na palestra, explico como a criatividade não pode extrapolar as regras do jazz – nem da empresa – porque se não o grupo fica destoante, perde harmonia. E como fazer para ser criativo? Você tem que se preparar tecnicamente para conseguir executar as idéias que tiver. Tem que escutar muito jazz e também outros estilos, pois às vezes você encaixa uma frase musical de um chorinho no meio de um solo de jazz. Tem que usar a criatividade, mas respeitando a harmonia, a dinâmica e a melodia. Damos um exemplo musical.

P.daVila: O humor é um ingrediente importante em seu treinamento…

M.T.: Sim, o humor fino, sutil. Odeio baixaria e ridicularizar os ouvintes para ser engraçado. Nós nos fantasiamos de Blues Brothers, damos uma cara da época e assim quebramos o gelo. Isso tudo em doses bem balanceadas, afinal em 10 anos peguei a manha dos palcos. Tentamos não deixar o público perceber as quase duas horas de apresentação – e conseguimos. Sempre somos aplaudidos de pé!

P.daVila: Além dos treinamentos, a banda se apresenta profissionalmente?

M.T.: Sou muito caseiro, mas uma vez por semana nos apresentamos. Inovamos colocando um rapaz na banda para tocarmos o Rythm & Blues, que deu origem ao rock. Ele é um blues mais rápido, ritmado como diz o nome. Eu queria colocar nossa banda à frente das outras bandas de jazz, trazendo o público jovem para nos assistir. Pode observar que bandas tradicionais de jazz têm público de cabelos brancos. Foi uma decisão muito acertada, porque a partir daí, começamos a tocar temas que atraíam o público jovem. Os amigos do meu filho, que têm 26 anos, viraram fãs da banda. Tocamos no Novotel, no Center Norte, no projeto chamado “Saturday Night Jazz”. Todos os sábados uma banda de jazz se apresenta. A nossa banda lota a casa. Na Vila Mariana falta um bar de música, acho que arrebentaria…

P.daVila: A banda tem CD gravado?

M.T.: Paralelamente ao projeto empresarial, gravamos dois CDs. O primeiro é o “Marcelo Torres & Jazz Friends”, de 1996. E o segundo, Marcelo Torres Jazz Band, que gostei muito, porque tem uma mistura bem diversificada: jazz tradicional, Rythm & Blues, três vocais diferentes – e o nosso vocalista, Gilberto Gouveia,o dono do estúdio, maestro da banda do Sabadaço de Gilberto Barros. Neste CD até eu canto. Tem “In the mood” do Glen Miller, que é muito difícil de tocar, pois é para big bands (que tem 18 músicos); Duke Elington com “Settin Bells”; e uma música de Natal. Ele pode ser encontrado na Internet, no site americanas.com, e em algumas lojas. Aqui na Vila Mariana,ele está à venda na Toka, no Multishop.