LUCIANO CORREIA BUENO BRANDÃO

O advogado, especialista em Direito Processual Civil, com  Extensão em “Tutela Jurídica das Atividades Relacionadas à Medicina e à Saúde”, é autor de artigos, pareceres e de um blog (www.direitoesaude.wordpress.com) em que busca esclarecer dúvidas sobre o Direito à saúde. O jovem advogado, morador da rua Rio Grande, destacou, a seguir, algumas questões importantes sobre os planos de saúde e como agir naqueles momentos em que mais precisamos deles

Pedaço da Vila: O que é o Direito à Saúde?

Luciano Correia Bueno Brandão: É um ramo do Direito que passou a se desenvolver após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A partir disso, a saúde passou a ser expressamente reconhecida como um direito do cidadão, surgindo toda uma legislação que regula questões relacionadas à questão, tanto na esfera pública quanto na privada. Ao longo desses anos, podemos mencionar a edição da Lei dos Planos de Saúde e a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) como marcos regulatórios relevantes. O Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, embora não relacionados exclusivamente à área de saúde, também são aplicáveis e igualmente importantes.

P.davila: Por que optou seguir um ramo tão especializado do Direito?

L.C.B.B.: Pelo aspecto estritamente profissional, eu lhe diria que optei por essa área por haver uma carência de profissionais especializados e uma enorme demanda de trabalho. O mercado de serviços médicos é um dos que mais cresce anualmente e, consequentemente, está sujeito a uma maior incidência de litígios e necessidade de orientação jurídica. Por outro lado, há o aspecto de satisfação pessoal. Atuar na área de direito à saúde permite praticar uma advocacia mais humana, voltada para a defesa da dignidade da pessoa e, em última análise, da vida. Gosto de pensar que ganho a vida fazendo algo de bom para mim e para os outros. Penso que há uma dose de idealismo saudável nisso.

P.davila: Quais são os maiores problemas que o consumidor encontra com os planos de saúde?

L.C.B.B.: São inúmeras questões, mas basicamente podemos mencionar aquelas relacionadas à negativa de cobertura a procedimentos e tratamentos, ao fornecimento de medicamentos, à cobertura de materiais como órteses e próteses, aos reajustes abusivos, às discussões sobre cláusulas contratuais, entre outras.

P.davila: O Judiciário é conhecido por sua morosidade. Nos casos relacionados à saúde, é possível uma resposta rápida?

L.C.B.B.: Sem dúvida. Considerando que em casos como de liberação de uma cirurgia ou fornecimento de determinado tratamento, por exemplo, a demora pode acarretar prejuízos irreparáveis e até mesmo colocar em risco a vida do paciente, a legislação atual contém dispositivos que viabilizam a obtenção de liminares a fim de preservar de forma eficaz o bem maior, que, em última análise, é a integridade do paciente. As questões relacionadas ao mérito da discussão, sobre se o paciente tem ou não direito à cobertura, ou sobre a interpretação do contrato podem — e devem —, ser deixadas para um segundo momento. O que interessa de início é garantir a vida do paciente.

P.davila: No caso de negativa de cobertura, o paciente pode pleitear a condenação dos planos de saúde por danos morais?

L.C.B.B.: Pode, sim. Durante algum tempo, os tribunais foram reticentes em conceder indenizações em virtude do mero descumprimento de contrato. Contudo, atual-mente há precedentes — inclusive dos tribunais superiores —, reconhecendo que em casos relacionados à saúde, em que os pacientes normal-mente já se encontram fra-gilizados e angustiados, a negativa injustificada de cobertura pelos planos de saúde pode ensejar a ocorrência de dano moral. Obviamente, a efetiva ocorrência do dano e a sua extensão são avaliadas caso a caso.

P.davila: Outra questão que gera discussões diz respeito à interferência dos planos na prescrição de tratamentos e até na requisição de exames. Como fica a autonomia do médico?

L.C.B.B.: Interessante esse assunto. Recente pesquisa, realizada com médicos aqui, em São Paulo, apontou que 9 em cada 10 deles sofrem pressões ou interferências dos planos no exercício de suas atividades. Isso é um absurdo. O médico não pode ter sua atuação engessada por limitações abusivas impostas pelos planos. Se determinado tratamento tem cobertura contratual, o paciente tem direito de ter acesso às técnicas indicadas por seu médico como as mais adequadas para o seu caso.

P.davila: E se surgem dúvidas quanto à inter-pretação do contrato?

L.C.B.B.: Os planos de saúde estão sujeitos tanto à legislação específica quanto a outras normas regulamentares, como o Código de Defesa do Consumidor. Nesse contexto, qualquer dúvida ou ambiguidade contratual deve ser interpretada favoravelmente ao consumidor. Além disso, devemos considerar que a legislação prevê que os contratos devam atender a sua função social e os contratantes devam se pautar pela boa-fé. Em outras palavras, qualquer questão pode ser resolvida com bom senso e razoabilidade. Basta apenas que ambas as partes estejam dispostas a proceder de maneira leal.

P.davila: É possível mudar de plano sem cumprir novos períodos de carência?

L.C.B.B.: Sim, claro. Geralmente as carências podem ser de até 180 dias (sem mencionar o prazo para doenças preexistentes, que pode chegar a até 24 meses). Imagine, depois de cumpridas todas essas carências, ter de cumpri-las de novo somente porque mudou o plano de saúde. Seria horrível, não? Assim, além da possibilidade de portabilidade, aplicável aos planos individuais e familiares, há também hipóteses de migração em que o consumidor pode ser beneficiado com o aprovei-tamento das carências já cumpridas em contratos anteriores, sem ter de cumprir todos os prazos novamente. Se houver exigência de observância a novos prazos de carência, o consumidor deve ficar atento para não ser lesado, pois, geralmente, essa exigência é abusiva.

P.davila: Uma pessoa demitida tem direito a manter o plano de saúde?

L.C.B.B.: É possível manter o plano, sim. Uma demissão (seja ela voluntária ou não) tem tudo para ser um momento difícil. Por isso mesmo, a lei se preocupou em proteger o empregado e seus familiares diante dessa situação. Dessa forma, e desde que o empregado manifeste a intenção de continuar no plano e assuma o pagamento integral das mensalidades, é possível manter o plano nas mesmas condições anteriores. Aliás, os aposentados também têm direito a manter o plano nas mesmas condições.

P.davila: E os aumentos para maiores de 60 anos?

L.C.B.B.: Essa também é uma questão que dá dor de cabeça. Teoricamente, pessoas com mais idade têm maior probabilidade de necessitar de serviços médicos. Partindo dessa premissa, quanto mais idosa a pessoa, mais caro será o seu plano de saúde. Os planos estabelecem algumas faixas etárias que podem ser consideradas como delimitadoras dos grupos de risco. Quando a pessoa passa de uma faixa etária para outra, pode incidir reajuste. Os contratos mais antigos preveem reajustes até os 71 anos. Acontece que após a edição do Estatuto do Idoso, em 2004, considera-se abusivo qualquer aumento por mudança de faixa etária imposto após o consumidor ter completado 60 anos. Assim, se houver aumento após os 60 anos — e geralmente são aumentos absurdos, de até 100% —, pode haver questionamento judicial, e o consumidor pode, inclusive, pleitear o recebimento em dobro dos valores que pagou indevidamente.

P.davila: Os planos têm aderido ao sistema Home Care?

L.C.B.B.: O home care pode ser considerado como uma extensão da internação hospitalar, em que o paciente recebe cuidados em sua residência. Essa modalidade de atendimento é benéfica para o paciente — que, além de estar em um ambiente familiar, não fica exposto ao risco de infecções hospitalares, por exemplo. E também, para o plano — já que os custos de manutenção de um paciente em casa são bem menores do que em um leito hospitalar. Alguns planos ainda assim negam esse tipo de atendimento. Nesses casos, pode ser necessário recorrer ao Judiciário a fim de garantir o tratamento.

P.davila: Como se defender dos aumentos abusivos dos planos de saúde?

L.C.B.B.: Os aumentos nos planos de saúde tiram o sono de muita gente. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece limites anuais, especialmente para os planos individuais. Os planos coletivos, no entanto, não têm tanta proteção por parte da ANS. Assim, qualquer aumento que seja desproporcional e implique em onerosidade excessiva para o consumidor pode ser questionado judicialmente, pois um aumento abusivo e injustificado pode fazer com que a pessoa tenha de deixar o plano por simples impossibilidade financeira. Obviamente, isso não é correto e fere aquela noção de boa-fé e da função social do contrato.

Os leitores que tiverem dúvidas sobre outros pontos que envolvam o plano de saúde, enviem um e-mail: lucianobrandao.adv@gmail.com.