Os alemães da vila

Quando, em 1808, a família real chegou ao Brasil, Dom João trouxe com ele homens capacitados, entre eles, alemães. Os primeiros imigrantes alemães desembarcaram, em 1827, no Porto de Santos, e, um ano depois, vieram os colonos, abrigados nas terras altas de Santo Amaro. A partir de 1850 a imigração alemã se intensificou e, com espírito empreendedor, eles se destacaram na capital da província, abrindo negócios, sendo aproveitados em companhias já existentes, criando associações, fundando escolas, hospitais. Os alemães abriram estradas de ferro e cervejarias e está na cultura geral do país. Destacamos parte dessa história na Vila Mariana, onde a forte presença dessa comunidade contribuiu para a qualidade de vida da região!

Urbanismo

O engenheiro alemão Alberto Kuhlmann obteve, em 1880, autorização para construir a Companhia Carris de Ferro, e, mais tarde, operou a linha de São Paulo a Santo Amaro. O ponto inicial da estrada de ferro era na Avenida Liberdade com a Rua São Joaquim (onde terminavam os trilhos), prosseguindo pelas ruas Vergueiro, Domingos de Moraes, Sena Madureira, Av. Jabaquara, até onde hoje chamamos de Alto da Boa Vista.

É de Kuhlmann o projeto do Matadouro Municipal; enquanto ainda estava sendo construído, um ramal da linha de bonde ligou a Estação Vila Mariana ao prédio. Com a inauguração da estrada de ferro, em 1886, o bairro tornou-se mais importante. A Vila Mariana, nesse período, tinha uma popu-lação dispersa em pequenas chácaras, e a ligação Matadouro-Ferrovia foi decisiva na urbanização e no povoamento do bairro.

Na placa de mármore, que ainda hoje pode ser vista nas paredes do prédio, há a anotação histórica: “Construído no quatriênio de 1883 a 1887/Presidente da Câmara Dr. Manoel Antonio Dutra Rodrigues/Architecto – Alberto Kuhlmann”.

O Matadouro Municipal foi inaugurado oficial-mente no dia 5 de janeiro de 1887 e foi tombado pelo patrimônio histó-rico arquitetônico, artístico e turístico do estado em 1983. Hoje é a Cinemateca Brasileira.

Indústria

Em 1885 foi criada a Cervejaria Guanabara (antiga  Germânia), da Cia Faust & Schimidt, no Largo Guanabara, no bairro Paraíso (onde hoje é a estação Paraíso do Metrô). Era de propriedade dos senhores Faust e Schimidt, alemães que se empenharam em abrir uma escola alemã, para que os filhos de seus funcionários pudessem estudar. Fritz Faust era uma pessoa influente na comunidade germânica da Vila Mariana e, com o marceneiro alemão August Lux, também encarregou-se de consertar os bancos escolares, o mobiliário e os equipamentos necessários para iniciar as aulas.

A Cervejaria Guanabara foi uma das pioneiras no país. Em 1921 foi firmado contrato de promessa de venda da Cervejaria Guanabara à Companhia Cervejaria Brahma, que  passou a se chamar Filial São Paulo, também conhecida por Filial Paraíso, iniciando assim a fabricação de cervejas da marca na cidade.

Educação

As crianças de origem alemã, no final do século XIX, não frequentavam as aulas nas escolas da região devido à dificuldade imposta pelo idioma. A escola alemã mais próxima ficava na Rua Florêncio de Abreu, no centro, e encontrar professores particulares era praticamente impossível. Em 1901, um grupo de 22 homens da comunidade germânica da região reuniu-se no Esporte Clube Vila Mariana para fundar uma escola alemã — na Rua Vergueiro, 266. Era um desejo acalentado havia quase dez anos, época em que os primeiros germânicos se estabeleceram onde hoje ficam as ruas Abílio Soares, Humberto I, José Antônio Coelho e imediações. Fundaram também uma entidade sem fins lucrativos como mantenedora da escola, em 1901. 

Os primeiros anos foram alegres, porém difíceis para que a escola se mantivesse em funcionamento, pois o preço do aluguel comprometia a maior parte do orçamento da escola. O problema foi solucionado com a aquisição de um pequeno imóvel na esquina das ruas José Antônio Coelho e Domingos de Moraes.

Apesar da prosperidade, alcançada com esforço e trabalho, todos foram surpreendidos pela Primeira Guerra Mundial. Com a necessidade de ampliar suas instalações, a Escola Alemã iniciou a construção de um prédio na Rua Eça de Queiroz. As obras seguiram com tranquilidade até julho de 1924, quando a Revolta dos Tenentes eclodiu em São Paulo, deixando a cidade em clima de guerra por mais de vinte dias.

Com a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas decidiu romper relações diplomáticas com Alemanha, Itália e Japão, em 1942. A comunidade alemã no Brasil e todas as instituições germânicas sofreram com o acontecimento. O governo brasileiro atuou duramente, intervindo nas escolas com medidas extremas, como o afastamento de educadores alemães, que foram substituídos por brasileiros. Na Escola Alemã foi suspenso  o ensino da língua alemã e proibido o idioma no colégio, além de os professores serem substituídos por brasileiros.

Para atender as reivindicações do Governo, o colégio adotou o nome de Ginásio Benjamin Constant, uma homenagem ao líder republicano que ajudou a criar a Constituição de 1891 e a frase “Ordem e Progresso” da bandeira nacional. As medidas serviram para fortalecer a colônia germânica e fazer do Colégio Benjamin Constant uma referência na educação e na tradição alemã.

Saúde

Foi em 1897 que um bazar de senhoras alemãs instituiu um fundo para construir o Hospital Alemão, projetado por Curt Hildebrand. Mas foi só em 1923, devido à Primeira Guerra Mundial, que sua construção foi finalmente concluída. 

Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, em 1942, o  conflito mundial voltou  a atingir o Hospital. A intervenção do Estado no hospital de origem germânica foi noticiada pelo jornal A Gazeta de São Paulo: “Em atendimento ao plano de nacionalização de todas as empresas que, pelas características de suas atividades, são de grande interesse público, o major Olinto França, respon-sável pela segurança política e social em São Paulo, ordenou a mudança do nome do Hospital Alemão para Hospital Oswaldo Cruz;  e os médicos Miguel Coutinho e Auro Amorim assumiram, como interventores, a direção do Hospital”.

Com o nome do famoso médico brasileiro, conhecido por suas pesquisas na busca da cura da febre amarela, o hospital continuou a funcionar normalmente, mas com concessão de verbas públicas.

Com o final da intervenção, por meio de um decreto presidencial,  publicado em 1944, iniciou-se um trabalho de reorganização. Na Av. Paulista foi idealizado e construído outro hospital de origem alemã: o Santa Catarina, criado em 1906 pelas religiosas da Congregação de Santa Catarina.

Religião

A comunidade alemã, na década de 60, já era parte da Vila Mariana. No entanto uma igreja ainda não havia sido con-cretizada até o alemão Hans Broos projetar o Centro Paroquial São Bonifácio, inaugurado, para ser o lugar da fé dos alemães e patri-mônio arquitetônico da cidade — revelando o mais puro exemplo do Brutalismo, estilo  arquitetônico popular no meio do século 20, que privilegia a verdade estrutural das edificações, de forma a nunca esconder os seus elementos, destacando o concreto armado aparente ou os perfis metálicos de vigas e pilares. 

Broos recebeu o desafio de construir uma igreja em um espaço urbano já formado, com a necessidade de sua inserção num lote estreito, na Rua Humberto I, predominantemente residencial. Ao mesmo tempo, foi incumbido de propiciar à igreja um espaço de reclusão sem interferência externa. Ele concebeu, então, a igreja como um cubo fechado, recuando-o do limite da rua e elevando-o do solo, conferindo maior destaque ao volume e criando um vão livre, que surge em continuidade à rua, destinado a usos diversos.

A Paróquia celebra missas em alemão, nos domingos e nas quintas-feiras, às 10h30 e o pároco é substituído de tempos em tempos por outro, vindo diretamente da Alemanha.