Jornada Cultural

Quando o assunto é a cultura na Vila Mariana, imediatamente se pensa nas grandes instituições como Oca, Museu Afro Brasil, MAC, MAM, Cinemateca Brasileira, Museu Lasar Segall, Teatro João Caetano, Casa Modernista, Sesc… A produção cultural no bairro, porém, vai muito além desses gigantes consagrados. 

É no pedaço que está a essência da arte vilamarianense, como mostrou no domingo (9) o evento Conectando Vila Mariana, primeiro circuito cultural que apresentou ao público cerca de 50 espaços de arte e seus artistas.

Idealizado e organizado pelos vizinhos Júnia Melluns e Fernando Spaziani, moradores da rua Tangará, o circuito cultural apresentou um rico panorama sobre os temas e as técnicas de criação do artistas do bairro.

Com uma programação inteiramente gratuita e preparada a um custo de R$ 810,00, angariado graças às colaborações dos participantes, o Conectando criou um roteiro cultural que incluiu visitas a ateliês, conversas com artistas, exposições, shows ao ar livre, gastronomia e oficinas para todas as idades.

De acordo com a curadora Júnia, ele foi idealizado para aproximar a vizinhança. “Quando procurei os artistas para apresentar a ideia do circuito cultural, a receptividade foi maravilhosa. Percebi que todos compartilhavam do mesmo desejo de estar próximos, de serem conhecidos no bairro”.

O roteiro possibilitou aos moradores olharem de maneira diferente para o bairro. “O público aproveitou a programação a pé, conheceu um pouco mais a nossa querida vila, os vizinhos, os artistas, seus ateliês e um conceito Slow City, prática de vivência muito comum mundo afora que chama a população para vivenciar a cidade.

Durante o dia todo, o evento abriu as portas de diferentes espaços. Na rua Rio Grande 518, casa 4, o público conheceu um dos maiores ateliês da América Latina, o atelier do Officina, comandado pelo artista Luiz Carlos Officina. Além de servir um cafezinho e apresentar a sua vasta produção de litogravura, calcografia e litografia, Luiz também explicou aos visitantes as técnicas do ofício.

Na rua São Paulino 248, o protagonismo ficou por conta das cerâmicas da artista Nádia Saad. A vizinha expôs suas obras e realizou oficinas de manipulação do barro. O momento de grande emoção para todos foi a abertura do forno de raku, técnica de queima da peça.

A fotografia e os artesanatos do bairro ocuparam o Espaço Fotoforma, na rua Alcindo Parreira 50, endereço de criação do fotógrafo Maurício Simonetti, referência da fotografia documental. No endereço, o público conferiu a 7ª edição do seu Estúdio Aberto, que contou, entre outros, com exposição de fotografias, bordados, gastronomia e bate-papo.

Quem também abriu as portas para apresentar o ateliê e conversar com o público sobre o seu processo de criação foi o artista Cildo Oliveira, morador da rua São Paulino. Na ocasião, o vizinho mostrou sua arte em papel manufaturado concebida a partir da busca histórica-arqueológica.

“As obras foram criadas a partir da iconografia indígena e de documentos históricos da época da invasão Holandesa”, explicou Cildo.

Na rua Tangará 248, cj 1, a casa de Fernando Spaziani foi ocupada por dezenas de obras dos artistas Cintia Phiebig, Paulo Mattos e Silvia Ruiz e uma oficina de introdução à Xilogravura. Num tom intimista, o público pode traçar paralelos entre a produção dos artistas e o mobiliário que integram os ambientes.

Na rua vizinha, na Jorge Chammas 16, Júlia Melluns abriu seu ateliê Objectos do Olhar com uma exposição em parceria com Ana Ono. A artista ensinou sua técnica numa oficina de pintura em tecido. Na galeria Conectando Vila Mariana, na rua Tangará 132, Melluns também expôs suas obras de grande porte numa exposição ao lado de Spaziani, Gilmar Antunes, Lucille kanzawa e Marcus jacobina.

Na mesma galeria, Melluns também preparou uma intervenção dedicada à escrita. Numa máquina de escrever, o público foi convidado a escrever uma mensagem. 

Spaziani explica que a programação foi preparada a partir de uma curadoria expandida. ”Ela é fundamentada na dinâmica colaborativa e interativa que aproxima espaços de artes, lojas, bazares, comércios e moradores. Cada espaço participante do circuito teve a liberdade para desenhar a sua programação”.

Além dos pequenos artesãos e artistas independentes que moram e produzem em seus ateliês no bairro, o público aproveitou a programação das instituições renomadas que também participaram do Conectando. Entre elas, o Museu de Arte Contemporânea, Cinemateca Brasileira e Instituto Biológico.

Em parceria com o espaço Somarium Corpo & Arte, a escola de música Camerati Casa de Cultura, localizada na rua Gandavo 458, preparou uma programação dedicada às crianças. No local, os pequenos participaram de aulas de dança, oficina de musicalização e dinâmicas ministradas pelos educadores.

Spaziani ressalta que o evento revelou uma diversidade enorme de artistas e linguagens do pedaço. “O nosso objetivo foi dar visibilidade a esses artistas, revelá-los ao público e fortalecer o diálogo nas diferentes expressões. A caraterística cultural do bairro é muito forte e precisamos conhece-la”, destaca.

O circuito também conectou o público à maior obra pública da artista plástica Amélia Toledo, o Parque das Cores do Escuro, na praça Soichiro Honda. Além de conhecer a histórica da obra, o público participou de um bate-papo com o filho da artista, Mo Toledo, que ficou feliz ao saber do engajamento dos moradores para preservar e cuidar da obra de sua mãe.

“A obra foi idealizada para que o público interagisse, para ser um ponto de descanso a todos que moram no entorno ou passam por aqui”, explicou Mo Toledo, que ainda aproveitou a oportunidade para se conectar aos nossos artistas e moradores.

Essas aproximações são fundamentais, garante o artista e proprietário da galeria Arteria Pontaponta, Roberto Madalena, responsável pela revitalização da rua Olga Abujamra por meio do grafite. Cartão postal da arte urbana no bairro, o endereço é palco do evento anual comunitário Feira Cultural Vila das Cores.

No Conectando, o vizinho criou um mural na esquina  das ruas Tangará e Jorge Chammas para o público grafitar livremente. “A Vila Mariana é um polo cultural muito forte, e essa conexão entre os artistas do bairro é muito importante para nos fortalecer, pois é muito difícil sobreviver de arte. Eu desconhecia essa diversidade de ateliês e artistas no bairro. As relações são pouco exploradas no aspecto artístico e os artistas estavam muito separados”, pontua Madalena.  

Para os curadores do Conectando Vila Mariana, Spaziani e Júnia, o saldo desta primeira edição do circuito cultural foi muito positivo. “Tivemos um dia com espaços bem movimentados. A rua Tangará, principal núcleo de atrações, se transformou num corredor cultural”, comemora Spaziani.

O vizinho elogia a programação do Instituto Biológico, com artistas do bairro que se apresentaram ao ar livre e que reuniu dança flamenca, oficinas, apresentação do Palhaço Asteristico, passeios monitorados pelo jardim e shows musicais, com André Raimundo, Renato Callado e Rogério Coelho. “A participação do Instituto Biológico foi muito importante, pois é 

um símbolo do bairro”, afirma Spaziani.

“Foi uma experiência marcante”, considera Júnia. Ela está satisfeita ao ver as “pessoas felizes andando pelas ruas, descobrindo os lugres e curtindo a programação. Para o primeiro ano, foi ótimo”, destaca, e revela que sempre foi um sonho vir morar no bairro. 

Para a próxima edição do Conectando Vila Mariana, ainda sem data definida, os curadores vislumbram melhorias. “Esta primeira edição foi preparada em 10 dias e, mesmo assim, foi muito positiva. Na próxima, teremos mais tempo para preparar a programação e divulgar”, prevê Spaziani.

Para que o público aproveite o máximo possível da programação, Júnia adianta que será disponibilizado um mapa ao público, o que não aconteceu desta vez. “A falta de mapas para a localização das ruas e do percurso foi um ponto que precisamos melhorar para tornar a experiência ainda melhor”, avalia.

No momento em que as relações ocorrem nos meios digitais, essa iniciativa é muito valorosa, reforça Júnia. “A maioria dos ateliês vendem pela internet. Conclusão: ninguém conhece ninguém. O Conectando abriu uma nova janela no bairro e todo mundo ficou feliz de conhecer os vizinhos e os artistas, de vivenciar a vila, de trocar experiências — o que nos faz muita falta na cidade”.