Eis a Questão

A questão do tombamento, ou não, do entorno do Instituto Biológico já é uma discussão que passou dos limites do bairro. A batalha entre os proprietários e espe- culadores e os movimentos de preservação, encabeçados pela comunidade, ganhou os jornais, as rádios e, mês passado, a revista Veja S.Paulo. Na matéria, que destacou a área de conflito, nossos velhos conhecidos: o advogado e dono de imobiiliária Gastão Morato e a arquiteta urbanista Rosana Miranda, os mesmos protagonistas que estiveram frente a frente na edição de março/2003 do Pedaço da Vila defendendo suas diferentes posições.

Na reportagem da revista ainda foram ouvidos o respeitado urbanista Cândido Malta e a diretora de Preservação do Departamento do Patrimônio Histórico do Município (DPH) e moradora do bairro, Mirthes Baffi. Rosana Miranda fala pela República de Vila Mariana, o Movimento Vila Mariana Memória Viva e Fórum de Cultura de Vila Mariana ao defender o valor da História, do Meio Ambiente e das relações de vizinhança, comum em bairros tradicionais como o nosso: “Manter algumas características de vizinhança é muito importante para o desenvolvimento futuro da cidade”, disse, há um ano, ao jornal Pedaço da Vila. Gastão Morato, dono de várias casas do pedaço, é líder na defesa de que prédios não descaracterizam bairros: “O adensamento traz uma série de vantagens: melhora o comércio e serviços e ainda proporciona a outras pessoas usufruir do Parque Ibirapuera!”, posiciona-se, generosamente.

O fato é que a verticalização concentrada na proximidade do Instituto Biológico foi realizada, até o momento, sem o mínimo critério. São prédios destinados a quem tem altíssimo poder aquisitivo, mas de estética arquitêtonica duvidosa.Basta olhar o prédio construído em frente do CPOS, uma agressão à paisagem local. O intenso adensamento prejudica as casas mais antigas, propriedade de moradores que não querem vendê-las. Elas sofrem rachaduras, falta luz e atinge o meio ambiente. Na av. Cons. Rodrigues Alves, na altura do nº800, a construção de um edifício ficou por 20 dias retirando água do lençol freático que faz parte da rede hidrográfica da região. Fora as ligações de esgotos irregulares que desaguam no córrego do Sapareiro e poluem o Lago do Ibirapuera (veja entrevista com o Secretário do Verde e Meio Ambiente, Adriano Diogo, pág. 5). É claro que quem se coloca como dono de uma dessas casas que o DPH escolheu para serem protegidas, não está lá muito satisfeito. “Certamente, se tornarão um mico para seus proprietários”, disse Gastão à Vejinha.

O processo de tombamento pode durar anos e qualquer alteração construtiva, dentro da área estabelecida, deverá ter aprovação do órgão de patrimônio. Por isso, vem a pergunta: existem vantagens para um proprietário do bem tombado? Essa é a dúvida da vizinha Regina Sodré que vive numa casa próxima à rua Pelotas e se diz inconformada, pois seus pais moram em um móvel do casario do entorno. “Tenho um monte de dúvidas e mais do que isso, a sensação de que vou ser lesada e não há o que fazer!”, desabafa. O jornal Pedaço da Vila, embora levante a bandeira da preservação, na defesa de que História, Memória e qualidade do ambiente urbano importam tanto quanto transporte, água e luz, tem a responsabilidade de ser imparcial. Pediu, então, para a moradora formular suas dúvidas e as repassou à diretora do DPH, Mirthes Baffi, que coordenou o processo de tombamento.

São questões que fazem refletir sobre o que é mais valoroso para nosso bairro: a modernização ou o tombamento (Box pág.3). O vereador Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor Estratégico, convidado para falar como ex-professor do Unicentro Belas Artes aos alunos do curso de Arquitetura explicou, na oportunidade que, depois da aprovação do Plano Diretor Estratégico, em 2002, os proprietários que têm seus bens tombados puderam contar com a possiblidade de transferir o direito de construir seus imóveis: “Uma contrapartida muito importante para garantir a preservação de bens de interesse histórico, arquitetônico e cultural”, disse.

De acordo com ele, é isso que assegura à existência da identidade de um povo: “Uma questão maior do que interesses pessoais. Exatamente por isso, é necessário que a definição sobre quais imóveis devem ser tombados obedeça a critérios rigorosos de seleção, ouvindo especialistas na área do patrimônio e a população envolvida”, pondera. O Plano Diretor Regional decidiu que a área do entorno do Instituto Biológico é uma ZEPEC – destinada a preservação, recuperação e manutenção do patrimônio histórico. Caso não seja votado o tombamento pelo conselho do órgão, a Zona volta a ter o mesmo coeficiente de antes do Plano. Ou seja: liberou geral. Em qualquer lugar do mundo, uma edificação como a do Instituto Biológico teria um entorno comercial e residencial com características de turismo cultural: cafés, livrarias, escritórios, pontos que valorizariam o bairro e trariam vantagens para seus proprietários.

Aqui a realidade é outra: as casas, em sua maioria, estão descuidadas, pixadas ou alugadas para um pequeno comércio cujos anúncios de suas atividades encobrem a arquitetura original do casario. Vale lembrar que bairros como a Vila Inglesa, depois que foram tombados, estão supervalorizados e que é responsabilidade de seus proprietários a recuperação das fachadas de suas casas, sujeitas às intempéries e vandalismo. Aos nossos governantes cabe a responsabilidade de refletir sobre o que é progresso e se a infraestrutura de nossa região suporta mais adensamento. Audiências públicas serão marcadas na primeira quinzena deste mês, momento em que a população terá o direito de apresentar pela última vez suas propostas. A partir daí, um Substitutivo será elaborado para que o Plano Regional Estratégico seja votado: “Se possível”, neste semestre, adianta Nabil.