Destino Incerto

Um valioso terreno público de 12.748 m² há tempos está esquecido na av. Dante Pazzanesi. Ele já foi centro de disputas, mas hoje espera um destino, que bem poderia ser em prol da população…

Em meio à poluição cada vez maior, a cidade de São Paulo carece de espaços verdes e de lazer abertos à população. Na Vila Mariana, um valioso terreno público de 12.748 m², inutilizado há anos, é visto como desperdício. Pois ele poderia ser mais bem aproveitado para servir a comunidade e outros equipamentos do bairro. O arborizado local fica à avenida Dante Pazzanese, entre o hospital homônimo e o Instituto de Engenharia.

A ampla área pertencia no passado ao Instituto Biológico, ligado à Secretaria de Estado da Agricultura e bem tombado pelo patrimônio histórico em 2002. Mas, em 1994, a terra fora doada por lei pela gestão Fleury à União, para construção de um edifício-sede do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região de São Paulo.

Conforme previa uma das cláusulas da cessão, o órgão jurídico teria que tomar posse do lugar e implementar sua construção em dez anos. Até hoje nada foi feito por lá. O prazo não foi cumprido e expirou em 2004. Assim, o TRF teria 120 dias para desocupar e devolver o patrimônio. “Quando soube que perderia o terreno por falta de uso, o Tribunal iniciou uma obra de guarita e cercou a área com muro só para demonstrar que tinha tomado posse. Mas já era tarde demais”, explicou Sylvio Marci Santos, historiador e consultor da diretoria do Instituto Biológico.

Segundo ele, pelos termos de doação, a gleba não pertence mais ao TRF e, juridicamente, voltou para guarda da Fazenda Pública do Estado. Mas para concretizar a devolução do terreno ao Instituto Biológico, antigo dono, é preciso haver uma oficialização e aprovação por parte do governador com base na Lei Orgânica do Estado. Já há um processo administrativo nesse sentido em tramitação, desde 2003, na Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios. O documento, sem prazo para ser apreciado, solicita a alienação para venda do terreno. Os recursos provenientes bancariam pesquisas e estudos na seara agrícola.

Sylvio Marci conta que, há três anos, mobilizou em parceria com a vizinhança um abaixo-assinado, a fim de reaver o espaço ao instituto. A iniciativa não obteve êxito. “O Biológico só perdeu com essa história. Os prejuízos foram enormes. Lá (no terreno), havia dois poços artesianos, uma casa de máquinas e de decantação, uma caixa d’água e um bezerreiro então reformado, que abasteciam as experiências no local. A produção de vacinas e algumas pesquisas nas áreas animal e vegetal foram interrompidas. Edificações se perderam. E sem os poços, as contas com consumo de água e energia elétrica na atual sede aumentaram muito”, relatou.

Caso o Instituto Biológico não consiga retomar o terreiro para vendê-lo e investir em pesquisas, uma vez que os recursos para tal finalidade são parcos, Sylvio sugere até a utilização do espaço em prol do público e da comunidade do entorno. “Se não voltar para o instituto, que o terreno seja aproveitado e revertido para a coletividade, em benefício da população e do interesse público”, aventou.

De acordo com Antonio Baptista Filho, diretor da instituição, não há intenção de se recuperar a antiga propriedade para uso próprio da agremiação de caráter científico. “Não temos dinheiro para construir e tomar conta do local. O instituto hoje não tem demanda para ocupar a área, pois as instalações que existiam lá foram transferidas à nossa sede”, asseverou.

Representantes da sociedade civil organizada do bairro já juntam forças para dar uma destinação adequada ao terreno abandonado. “Em uma cidade tão carente de áreas verdes, o governo deveria dar oportunidade para a comunidade usufruir o local. Poderia ser feito ali um centro cultural, esportivo e de lazer. Quem sabe até anexar o espaço arborizado ao Parque Ibirapuera, incluindo-o no perímetro de preservação e tombamento do bairro”, propôs Claribel Dalla Torre, ministra da República de Vila Mariana. “Em último caso, que se entregue o terreno para proveito do hospital de cardiologia Dante Pazzanese”, acrescentou.

No entanto, os planos das associações de moradores podem ser frustrados. Pois rumores na Assembléia Legislativa do Estado dão conta de que o vizinho Instituto de Engenharia estaria interessado em explorar comercialmente a referida área. A direção da entidade de classe, por sua vez, desmente o boato e garante não ter vontade de adquirir o espaço. “Não existe nada disso. Não pertence a nós e nem sei como está a situação (do terreno)”, falou Edemar Amorim, novo presidente do instituto, empossado no último dia 10 de abril.

Ele esclareceu que o IE pleiteia na Casa legislativa, por meio de projeto de lei, a regularização do estado de propriedade do terreno de sua atual sede. Isso porque a área de 12.325 m², que também pertencia ao Instituto Biológico, fora doada por decreto, em 1985, pelo governo estadual à agremiação de engenharia, como parte de pagamento por desapropriação do edifício Palácio de Mauá, no centro da capital. O Instituto de Engenharia era dono de 50% desse imóvel. “O que queremos mudar é a questão da doação, que bloqueia nosso terreno e proíbe sua venda, locação e até seu uso como garantia de empréstimo bancário. A área é propriedade legal do instituto. Nada foi dado de presente, mas sim como indenização”, explicou Edemar.

Segundo ele, há atualmente um projeto em pauta na assembléia para retificar o anterior de doação e desbloquear as restrições de uso do terreno que abriga a sede do instituto. “Espero que seja votado ainda na legislatura vigente. Aliás, até hoje ainda não recebemos o restante do valor indenizatório da expropriação. O caso segue na justiça”, comentou.

Resta aguardar se os parlamentares e governantes atenderão aos anseios da população quanto ao futuro do esquecido terreno público encravado em plena zona de proteção ambiental e arquitetônica da Vila Mariana. As sugestões já foram lançadas. 

IE desiste de construir mega-empreendimento

Outra polêmica que inflamou os ânimos de alguns moradores do pedaço foi um decreto do ex-governador Geraldo Alckmin, em 2002, enviado à Assembléia Legislativa. Tal projeto de lei autorizava o Instituto de Engenharia, em parceria com a iniciativa privada, a erguer em seu terreno-sede de 12.325m² um complexo imobiliário, com centro de convenções e exposições, além de um hotel e conjunto de escritórios.

As obras de grande porte no local geraram discórdia à época, pois contrariavam lei de tombamento na região, onde as construções são limitadas em tamanho. A vizinhança também temia a perda da tranqüilidade e qualidade de vida no bairro em decorrência do possível aumento de tráfego na avenida Dante Pazzanese.

O presidente do Instituto de Engenharia, Edemar Amorim, informou que o mega-empreendimento não está mais nos planos. “Recebemos anos atrás a proposta de um grupo financeiro para construir o complexo. Abrimos concurso arquitetônico e temos até projeto aprovado. Mas não tínhamos a documentação regularizada e, depois, a nova lei de zoneamento não permitiu mais executar a obra. Só que na época da idéia original era possível fazê-la. Hoje desistimos do projeto e somos também favoráveis à preservação do entorno do Parque Ibirapuera”, explanou.

Edemar planeja pequena reforma na atual sede da entidade, dentro dos limites da lei. “O instituto não precisa de grande sede. Vamos manter nossa área do jeito que está”, assegurou.