DE OLHO NO PEDAÇO!

Recomeçam as discussões sobre o Plano Diretor Estratégico (PDE), instrumento básico que fixa as diretrizes gerais da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Uma lei que envolve inúmeros interesses e mobilização da sociedade civil em defesa de seu bairro. Se por um lado o prefeito Gilberto Kassab tem o apoio da maioria dos vereadores da câmara para aprovar o plano como está, por outro, entidades populares defendem a sua revisão para que se identifiquem os verdadeiros problemas a fim de presevrar bairros já saturados, como o nosso! A briga promete e só está começando…

Enfim, o Plano Diretor Estratégico (PDE), que define como a cidade vai crescer nos próximos anos, começou a ser revisto no mês de março pela Câmara Municipal, por meio de um novo projeto de lei defendido pela gestão Gilberto Kassab (DEM). O plano original havia sido aprovado no governo Marta Suplicy (PT), em 2002, e previa uma revisão, enviada pelo prefeito ao Legislativo em 2007.

A atual proposta de correção do PDE apresenta ainda muitos pontos polêmicos contestados pela opinião pública e entidades civis. Kassab, por sua vez, possui a maioria do apoio na Câmara e não deve enfrentar dificuldades para legalizá-lo como está.

O texto, depois de ser aprovado sob protestos no último dia 25 na Comissão de Constituição e Justiça da Casa, – seguiu para a Comissão de Política Urbana, última instância e na qual estão ainda previstas audiências públicas nos 96 bairros antes do crivo final em plenário.

A revisão do PDE, que será analisada ao longo de 2009, segue à parte da revisão do Plano Diretor Regional (PDR) e da Lei de Zoneamento (LZ) – que limita a construção de prédios e determina a utilização de cada bairro. A previsão governista é de que estes dois últimos itens sejam apreciados pela Câmara em 2010 e 2011,respectivamente.

Enquanto isso, no contexto inicial de debates e mudanças, os investidores do mercado imobiliário se mobilizam pela flexibilização das regras de zoneamento e aumento do potencial construtivo na cidade para manter o setor aquecido, sobretudo em meio à crise financeira mundial. A prefeitura, por sua vez, é favorável ao adensamento ao longo da rede pública de transportes.

Do lado oposto da disputa, mais de 100 entidades da sociedade civil tenta preservar seus bairros e áreas residenciais contra a aglomeração e especulações imobiliárias. O grupo de associações pretende recorrer ao Ministério Público e à Defensoria Pública do Estado para barrar as novas leis do Plano Diretor propostas por Kassab.  

A discussão do tema e a participação popular nesse processo são de extrema importância para o controle urbanístico da cidade. Muitos bairros da cidade, como este pedaço em que vivemos (veja mapa da capa), já estão saturados com a verticalização e excesso de trânsito pelas regras do Plano Diretor de 2002, e também de acordo com estudos da própria CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). Mas o governo argumenta que muitos desses bairros já saturados têm áreas com boa infraestrutura (linhas de ônibus, escolas, metrô) e ainda podem ser adensados.

A Vila Mariana, sobretudo na região compreendida entre as vias 23 de Maio, Vergueiro, Sena Madureira e avenida Ibirapuera, é um exemplo da falta de espaço para mais carros e novos prédios. Desde 2002, o pedaço vem sofrendo sérias consequências devido ao crescimento urbano e populacional desenfreado. Novos em-preendimentos imobiliários pululam nas vias do bairro, trazendo mais moradores e mais tráfego nas ruas. Para complicar os congestionamentos locais, muitos motoristas apressados buscam as ruas próximas, estritamente residenciais, para “cortar” caminho até as grandes avenidas.

Os prejuízos decorrentes de um desenvolvimento “insustentável” não param por aí. A Vila Mariana de hoje foi rapidamente descaracterizada. As áreas verdes, muitos jardins dos antigos casarios, sumiram devido ao boom imobiliário – e andar até o parque Ibirapuera tornou-se mais longe e complicado.

Como reflexo da urbanização desplanejada, a qualidade de vida é prejudicada. A bacia hidrográfica da região, por exemplo, encontra-se poluída e com inúmeros despejos clandestinos de esgoto nos rios antes límpidos. Vide o caso do córrego Sapateiro, que nasce na rua Rio Grande com a Dr. Mário Cardim e abastece os lagos do Parque Ibirapuera. Em dias de chuva, os pontos de enchentes despontam em grande parte graças à demasia de sujeira nos canais e galerias de águas pluviais, além da impermeabilização que o bairro sofreu nos últimos anos.

O meio ambiente ainda padece com o rebaixamento do nível do lençol freático decorrente da profusão de novas construções. A redução tem até causado rachaduras em imóveis e afundado o asfalto, como aconteceu nas ruas Tumiaru, Joinville e Curitiba em maio de 2007. Na época, três prédios de luxo estavam sendo erguidos. As casas, hoje passam por reformas, pagas pelas construtoras.

FUTURO

Diante do cenário alarmante, muitos se perguntam: até onde todo esse impacto negativo vai chegar? Como deve ficar a Vila Mariana e outras regiões da cidade no futuro (bem próximo), caso o ritmo de construção civil continue alto?

A resposta é imprevisível, repleta de teses de prós e contras defendidas por técnicos e parlamentares. O arquiteto e urbanista Paulo Bastos, vice-presidente do Movimento Defenda São Paulo, e responsável pelo projeto de restauro do Instituto Biológico, espinafra o projeto de revisão do prefeito.

“Há alguns pontos contraditórios internamente do Plano Diretor e também com os planos regionais, que foram feitos no passado de forma desorganizada, sem participação efetiva da população, parecendo uma colcha de retalhos. Agora, vão discutir o plano vigente sem nenhuma proposta feita e que não teve muitas de suas regras implementadas, tampouco os resultados e efeitos delas conhecidos. E vão mudar o quê? Como rever um plano que foi incompletamente aplicado?”, critica Bastos.

Ele defende que a revisão do Plano Diretor Estratégico deve identificar os principais problemas urbanos da cidade, inclusive da Região Metropolitana, para decidir os interesses que prevalecerão e os rumos a tomar. “É preciso corrigir as distorções e contradições atuais, seguir os caminhos necessários, englobando transporte e habitação, e não só com a discussão restrita a vereadores, mas também com a ampla participação de técnicos e da população”, afirma.

Para o arquiteto, é preciso haver desta vez uma formulação clara e fundamentação sólida das mudanças aos munícipes, com ampla divulgação e convocação de audiências públicas, com tempo e disponibilização de informações suficientes. “Só assim para termos um estudo sério das propostas de alteração, objetivando preparar qualquer cidadão interessado para contribuir com intervenções consistentes no debate a ser feito.”

Bastos diz que as entidades populares devem lutar pela obrigatoriedade da instituição de um efetivo e permanente planejamento urbano de caráter integrado, e não setorializado, como acontece atualmente. “O plano precisa ser tratado nos termos estabelecidos pela Lei Orgânica do Município e pela prevalência do interesse público sobre o privado, com especial atenção para a articulação do uso e ocupação do solo, transporte e habitação.A não solução desses temas resulta justamente na invasão de mananciais, congestionamentos, enchentes e saturação imobiliária dos bairros”, endossa.

AÇÕES ESTRATÉGICAS

Líder do governo na Câmara, o vereador José Police Neto (PSDB), o Netinho – morador da região – terá papel importante na contenda. Ele será o relator da revisão do PDE, responsável por preparar o documento que servirá de base para o texto final do novo projeto de lei. “Nossa atuação será estudar a fundo o assunto e ouvir a sociedade, os vereadores e o governo”, esclarece, em entrevista ao Pedaço da Vila.

De acordo com o parlamentar, a revisão do plano traçará as ações estratégicas para a cidade em diversas áreas, como desenvolvimento urbano, meio ambiente, transportes, educação, saúde, entre outras.

Ele conta que na questão ambiental, por exemplo, serão aplicadas ferramentas modernas como a adoção de parques lineares, que evitam deixar o solo impermeável e vão ajudar o escoamento da água da chuva, evitando ou reduzindo os riscos de enchentes em diversos pontos da cidade.

Há ainda a parte sobre viário estratégico, que prevê parcerias do governo estadual com os municípios da região metropolitana para ações coerentes entre o uso do solo e o transporte urbano. Outro ponto importante, destaca Netinho, é a indicação das políticas públicas para os próximos anos no PDE já com a previsão do orçamento.

“Vamos fazer a previsão de quanto vai custar para a cidade determinadas ações de educação e saúde, obras, entre outras atividades ligadas ao desenvolvimento da capital. Isso significa que toda a ação do plano terá atenção voltada, principalmente, entre a estrutura urbana da cidade, densidade da população e empregos, por exemplo, e o seu impacto nos transportes”, relata.

“Tudo isso vai ter reflexos positivos para a população, pois busca a redução das distâncias percorridas entre origem e destino no dia a dia da comunidade, por meio da busca da aproximação entre casa e trabalho e demais atividades como educação, saúde, cultura, compras, lazer, entre outros. Assim vamos buscar levar empregos, serviços e comércios para os bairros da capital, ou seja, para mais perto dos moradores”, completa o vereador.

Ele nega que a nova lei do PDE beneficiará somente os interesses das empresas do setor imobiliário, conforme acusam as entidades civis. “Serão definidas ações estratégicas voltadas para políticas públicas e o desenvolvimento da cidade em prol de todos que aqui moram, trabalham e fazem negócios”, garante.

Sobre a saturação de bairros como a Vila Mariana, a promessa é estudar as peculiaridades de cada região para evitar o aumento do impacto hoje existente. Mas os problemas locais terão uma solução no âmbito de toda cidade. “A política de transporte dos bairros deve ter suas especificações, mas também deve fazer parte do sistema da capital como um todo. Isto porque uma mudança regional terá impacto em toda a capital, até mesmo no entorno da região metropolitana”, argumenta.

Apesar dos discursos, não há garantias sobre a permanência das restrições atuais ao adensamento imobiliário. Segundo o vereador, a definição dos potenciais adicionais de construção nos bairros está ligada, entre outros fatores, à capacidade de suporte de infraestrutura. “Devemos ter um diagnóstico que observe a capacidade do sistema viário e a disponibilidade de transporte público, principalmente o de massa. É isso o que determina o Plano Integrado de Transporte Urbano (Pitu) para 2025 da Região Metropolitana”, conclui Netinho.

Resta aos cidadãos ficarem atentos e participar das audiências públicas – temáticas, regionais e na própria Câmara – que serão realizadas ao longo da revisão do PDE. A população poderá acompanhar o calendário de reuniões no site: www.camara.sp.gov.br.