Cícero da Vila

A escultura clássica que evidencia traços humanos perfeitos é conhecida como hiperrealismo.  A arte milenar inspirou grandes mestres que, com suas obras, imortalizam personalidades e perpetuam a história. Hoje são poucos os escultores especializados nessa técnica de retratar figuras reais, em sua maioria concentrados na Europa. Surpreendentemente, um dos únicos no Brasil, tem sua escola-ateliê, aqui, na Vila Mariana.

Cícero D’Ávila, com apenas 47 anos, é um dos maiores escultores hiperrealistas da atualidade, com obras e monumentos espalhados por todo mundo: na China, “A Banhista”, em bronze, de 8 metros e “Eco”, em mármore, de 2,5 metros; em São Paulo, o monumento em bronze, de 1.90 metros, do Maestro Eleazar de Carvalho e a escultura de Frei Galvão, no Mosteiro da Luz —; além da imagem de Madre Paulina, presente do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao Papa João VI.

A arte começou na pequena cidade de Rancharia, no Estado de São Paulo, onde Cícero nasceu. “Aos 11 anos, conheci o escultor Milton Pereira de Oliveira que despertou meu interesse e muito me incentivou”. Cícero praticamente passou a infância aprendendo a modelar em argila, fundir e esculpir, até que resolveu vir para São Paulo cursar uma faculdade: “Vim direto para a Vila Mariana”, conta.

Até entender que esculpir era a sua profissão, cursou três faculdades, de Odontologia à Letras: “Não terminei nenhuma!”, confessa.

Cícero então criou coragem e decidiu estudar escultura na Escola de Mármore de Carrara Petro Itacca, na Itália: “Foi o período em que assimilei muita informação e técnica. E o fato de conviver com artistas na Europa me tornou conhecido”.

Ao voltar ao Brasil, veio direto  para a Vila: “Pelas raízes que tenho com o bairro. Aluguei uma casa na rua Jorge Tibiriça, onde fiz a escola-ateliê, e outra na rua Portugal, onde desenvolvo meus projetos e esculturas”, conta.

O reconhecido artista aprendeu anatomia e, com habilidade, trabalha várias peças  simultaneamente. Suas esculturas, cheias de expressão, musculatura e detalhes, são encomendadas por poderosos empresários e multinacionais.

Atualmente está mais voltado à educação,que para ele é uma questão de cidadania. “O Brasil é uma grande universidade de autoditatas. Falta preocupação com a educação, o resultado é a perda de qualidade e competitividade. Um autoditada nunca irá à lua ou descobrirá a cura da AIDS! Tive que ir para a Itália para aprender!”. Assim, decidiu transmitir o que aprendeu. Na escola-ateliê ensina sua técnica para alunos de várias nacionalidades. Para interessados que não têm recursos, criou um curso de Escultura, Modelagem e Argila: “Quero democratizar a escultura, atingir o pobre, o rico, quem mora perto ou longe”, explica.

Cícero D’Ávila passa metade do ano na Itália – “para baratear o custo de minhas obras”. Ele confessa que seis meses na Europa custam menos do que o transporte dos mármores para o Brasil ou vice-versa. Relata que o processo de finalização da obra envolve várias etapas: há o molde feito manualmente em argila para servir de matriz ao gesso, referência na hora de talhar o mármore. Frente à pedra maciça, Cícero determina os pontos para o cálculo da peça: “Chama-se máquina de pontos, um método seguro para não danificar o mármore”, processo inteiramente manual e que obrigou Cícero a estudar anatomia. Ele explica que este era o sistema, criado pelos escultores da Grécia Antiga, utilizado por Michelangelo: “Em 1500, também, havia dificuldades para se conseguir uma pedra de 4, 5 metros. Ele não era louco de trabalhar empiricamente com um bloco nestas dimensões, não poderia nem ver a peça toda!”. 

O artista tem excelência na afirmação: único brasileiro nato que trabalha, como Michelangelo um dia, nas minas de Pietrasanta e Carrara, na Itália, em busca daquela pedra que compreende todas as formas, mas que só os grandes mestres têm o talento e a técnica de abstrair o excesso e revelar o que nela está escondido. “Feliz é o artista que consegue ser o artesão de sua própria obra”, celebra Cícero em sua simplicidade.

Ateliê Jorge Tibiriçá: rua Jorge Tibiriçá, 701. Tel. 5533.3001. www.cicerodavila.com