Um vegetariano, um carnívoro e a violência oculta

Presenciei recentemente, numa padaria local, um embate verbal que quase degenerou para as vias de fato entre um vegetariano e um carnívoro. Realmente fiquei apreensivo. O vegetariano por pouco, muito pouco, não enfiou o garfo com o qual comia a sua salada na goela do carnívoro — nada contra os vegetarianos, aliás conheço pessoas vegetarianas maravilhosas, e o mesmo digo de muitos carnívoros; só estou relatando o fato.

Essa pessoa defendia ferrenhamente também a abstinência do alho e da cebola, que, segundo suas crenças, provocam emoções violentas, negativas, dificultando um estado interior de paz e boa vontade. Mas as palavras que saíam da boca da tal criatura eram tão cáusticas que só posso concluir que alguns seres são peçonhentos por natureza, independentemente do que comem ou deixam de comer. Também concluí que a violência que eclode nas ruas nasce dentro de nós mesmos.    

Nisso a natureza é sábia. Não existe violência na natureza. O que os nossos olhos veem ao presenciarem um leão abater uma gazela não é violência. O leão não odeia a gazela, vê nela apenas o objeto que pode sustentar a sua vida. Além disso, seu instinto sabiamente o leva ao alvo certeiro do pescoço dela, proporcionando-lhe uma morte digna e rápida. Podemos assim concluir também que onde não há violência tampouco  há motivos para existir a compaixão.

Esses traços são nossos e humanos, tentar transferi-los para os animais é na verdade imputar-lhes nossa culpa, a culpa que eles não têm. Nós, sim, somos portadores de uma violência oculta. Feita de pequenos gestos, palavras dissimuladamente doces, olhares – até que desagua um ataque justificado: “eu te amo, desejo o teu bem, por isso eu procuro te destruir ou destruir o teu espírito”, o que dá no mesmo, nas melhores das intenções.

Como potenciais vítimas só temos uma saída: percebermos a nossa situação e abandonarmos a dança. Não tem jeito, a dança do sádico só para pela ausência de um masoquista.

Eu particularmente optei por nunca ser masoquista. Por isso, quando um suposto irmão, amigo ou patrão faz rodar o disco na sua antiga vitrola, eu fujo dessa dança.

Detesto quando alguém esconde sua violência atrás de pretensas boas intenções.

Detesto a dança daquele que acha que a violência de seu espírito é consequência de sua fé e uma prova de sua generosidade. Fuja quando alguém disser, mesmo sem palavras: “ou você se submete a mim ou eu te destruo. E, claro, porque quero o seu bem”.

Receita: Salada de dente de leão e frango

INGREDIENTES

1 maço de dente-de-leão (você encontra no mercado central), 1 maço de trevo (você encontra no mercado central), 2 peras duras em fatias bem finas, 100g de amêndoas torradas sem pele, 1 alface americana, 1 frango defumado desfiado em pedaços grandes

MOLHO

2 colheres de sopa de suco de limão

1 xícara de chá de geleia de framboesas

1 xícara de chá de azeite extra virgem

1 colher de sopa de manjericão picado

½ xícara de vinagre de framboesas

1 xícara de chá de suco de laranjas

PREPARO

Misture todos os ingredientes da salada e sirva com o molho sugerido.

Felipe Ciutat é chef de cozinha e consultor e consultor de gastronomia

email: felipeciutat@gmail.com