Singelo painel de Lisboa

Lisboa é uma cidade com uma série infindável de atrativos, qualquer seleção que se faça forçosamente terá um caráter incompleto. Procede que provavelmente nenhum relato de viagem consiga revelar a multiplicidade de impressões vivenciadas pelo viajante, no entanto, Lisboa parece estender ao máximo essa regra. Sabedor disso, convido o leitor a tomar assento ao meu lado e explorarmos algumas das atrações pitorescas da capital portuguesa.

Principiamos pelo Bairro Alto, área repleta de bares, restaurantes, livrarias e boutiques, é extremamente freqüentado por turistas. Embora diversas partes da cidade também apresentem essa característica, o Bairro Alto parece levar ao ápice o cosmopolitismo tão comum ao cotidiano lisboeta. Durante o dia o movimento é menos intenso, período em que também se pode aproveitar da visão privilegiada que oferecem seus mirantes. Daquele que recebe o nome de São Pedro de Alcântara é possível avistar desde o Rossio, o Castelo de São Jorge e os famosos bairros que o circundam – Alfama e Mouraria – até às águas do Tejo. Após o descerrar do sol, se o mercúrio da escala do termômetro recua, a temperatura das ruas se eleva. Tem-se a sensação de se estar numa nova Babel, tantos são os idiomas pronunciados em suas estreitas e labirínticas vias. Todavia, esta Babel, contrariamente ao que no plano ideal sua ancestral bíblica projetava, não se sobressai pela equidade do lugar em que suas vozes são proferidas. Conquanto se advirta quanto ao esquematismo da classificação que se propõe a seguir, nota-se uma certa diferenciação dos papéis assumidos pelos atores da noite do Bairro Alto: grosso modo, as cozinhas, balcões e postos menos nobres são freqüentados em maior número, além dos próprios portugueses, por brasileiros, africanos e afros-descendentes, indianos e bengalis.

Belém é igualmente uma zona de intensa movimentação. Aí se localizam alguns dos monumentos mais conhecidos de Portugal, como o Mosteiro dos Jerônimos (em cuja igreja estão guardados os restos mortais dos dois maiores heróis pátrios lusitanos, Vasco da Gama e Luís de Camões) e a torre que leva o mesmo nome deste sítio ribeirinho: Torre de Belém. Já que se menciona Belém, impossível excluir de nosso passeio os seus mundialmente conhecidos pasteizinhos, degustação obrigatória, antes e/ou depois das visitações. Registro ainda dois monumentos que guardam estreitas relações com o Brasil: o Padrão dos Descobrimentos e a réplica do avião pilotado pelos exploradores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que em 1922 concluem a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Se atentarmos para a proeminência do tema das explorações d’além-mar em Portugal e do apreço ao propalado pioneirismo português nas incursões atlânticas, não se torna difícil compreender as razões da instalação do monumento que rememora aquele vôo no jardim contíguo à praça em que se edificou o Padrão dos Descobrimentos.

Oh! O fado. Canção nacional que carrega em sua melodia o sentimento do ser português. Engana-se, porém, quem imagina encontrar facilmente apresentações de fado. Inclusive, comprova-o um deitar d’olhos pela agenda cultural da cidade, a qual elenca pouquíssimos shows – ou intervenções, termo mais utilizado – deste gênero musical. O visitante que anseia uma audiência de fado deve procurá-la primordialmente nos restaurantes, fato que, se possui a conveniência de aliar dois ícones da nacionalidade portuguesa num só espaço – culinária e música – acarreta bem assim, e isto vale precipuamente para aquele turista menos abastado, que apure, ao mesmo passo que os ouvidos, também o bolso.

Nosso passeio, caro leitor, finda-se em Alfama e na Mouraria, bairros cuja genealogia se prende àqueles que majoritariamente os habitavam séculos atrás: judeus e mouros, respectivamente. Com o passar do tempo ambos os sítios se tornaram repositórios de manifestações que condensam expressões genuinamente nacionais, como um fado ecoando pela noite de Alfama. Mas o tempo, estimados leitores, na mesma medida que auxilia a cristalização de valores e símbolos, a que de ordinário damos o nome de tradição, traz consigo o gene das transformações, desafiando-nos a lidar com o novo. E o novo, no caso dos dois bairros históricos de Lisboa, é sua incessante ocupação, desde cerca de vinte anos, por imigrantes das mais variadas procedências, que aí alimentam e ruminam suas esperanças de melhores dias.

Portugueses há que se indignam com o que chamam de perda da essência que notabilizava os bairros. Talvez por chineses, africanos, brasileiros e indianos não terem lugar numa Babel que se almeja não exceder as fronteiras da Europa.

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