Minha vida em Canoa Quebrada

Sou um ex-morador da Vila Mariana. Em 1984, no final de ano e de faculdade, pedi transferência do trabalho de Educador Física, no Colégio São Luís, em São Paulo, para o Colégio Santo Inácio, em Fortaleza, no Ceará. Como tinha que esperar uma vaga, decidi passar uns dias na praia de Canoa Quebrada, um lugar paradisíaco, localizada a 166 km de Fortaleza e a 18 km da sede do município de Aracati, ao qual pertence. 

A origem dessa antiga vila de pescadores data do ano de 1650, mas foi em meados dos anos de 1970 que ela foi descoberta por um grupo de hippies que se apaixonou pela beleza paradisíaca e a hospitalidade dos nativos. Nessa comunidade pesqueira, de gente simples e hospitaleira, receberam-me com  amor e respeito. Viam-me como professor e tinham alegria e interesse em me acompanhar nas corridas e nos treinos que eu fazia na praia e nas dunas tão reveren-ciadas por quem conhece o local. 

A enchente do Rio Jaguaribe, em 1985, fez com que me envolvesse ainda mais com as crianças e os jovens de Canoa, e meus treinos viraram aulas, e minhas aulas viraram uma associação: Associação Social e Esportiva Canoense (USEC).  O objetivo era que as questões comunitárias fossem discutidas e resolvidas sempre em festas, jantares e jogos, na maioria das vezes regados por um delicioso pirão, muita animação e respeito mútuo. 

Em 1989, fiz concurso para ser professor municipal de Aracati e logo estava eu a dar aulas de tudo na Escola Municipal de Canoa Quebrada, para uma turma multisseriada, com cerca de 40 alunos,  protagonistas e cúmplices desta minha história. No período em que não estávamos na escola, algumas dessas crianças apareciam em minha casa para fazermos papel reciclado. Boa parte dele utilizávamos como facilitador para que as aulas se tornassem mais atrativas; fazíamos folhas recicladas para pintar, cortar e colar; revestíamos objetos usados para organizar e guardar, até as letras fizemos de papel machê, penduradas em móbiles, me ajudavam a alfabetizar além de enfeitar nossa sala, depois nossa escola e o planeta.

Sem querer querendo, estávamos integrando as famílias com a escola e as crianças. A integração foi tanta que apareceram outros amigos. Conseguimos do parceiro Jayme Sanches, da empresa sócioambientalmente responsável Rochester, uma casinha para a reciclagem, além de manutenção mensal. Surgiu assim a Ong Recicriança! (www.recicrianca.org.br). Em 1998 tivemos o reconhecimento do UNICEF e ganhamos, do Programa Criança Esperança, uma ajuda para fortalecer nossas ações de Educação Ambiental e Arte em Canoa Quebrada. Nessa época fomos obrigados a nos institucionalizar e passamos a ter CNPJ e conta bancária, assim como uma diretoria e estatuto — burocracia e contador —, enfim, os direitos e os deveres.

Até hoje atraímos nosso público, crianças, jovens e adultos dessa região com um parquinho infantil todo feito com madeiras, cordas e pneus reaproveitados, com a Reciquadra poliesportiva, com as manifestações culturais, com a ginástica para todos, com a biblioteca Livro-Livre, com a videoteca e a brinquedoteca, com as oficinas de papel reciclado e de bonecas de pano para obter a sustentabilidade. Fazemos o monitoramento da fauna e flora da Unidade de Conservação da Natureza, a Área de Proteção Ambiental de Canoa Quebrada (APA-CQ), com o Programa de Educação Ambiental “Uma Aula Diferente”, que percorre uma trilha demarcada com alunos de qualquer escola agendada. Cumprimos com essas atividades nossa Missão de promover a educação integral do cidadão em harmonia com a natureza. 

Para quem ainda não conhece Canoa Quebrada, adianto que hoje a antiga aldeia de pescadores conta com cerca de oitenta hotéis. As atrações mais procuradas para aproveitar o sol forte, com temperatura estável entre 27 e 30ºC o ano inteiro, são as excursões pelos pontos turísticos da região e pelas praias vizinhas, entre elas Ponta Grossa, Garganta do Diabo, Rio Jaguaribe e o Parque de Dunas e Lagoas. Os passeios de jangada ou a cavalo são inesquecíveis, e para os mais aventureiros há passeios de paramente, buggy e quadriciclo. Suas águas calmas e  o pôr do sol, visto de uma das dunas,  são um espetáculo à parte. À noite, na Broadway (o centrinho turístico da cidade), é possível ouvir boa música, conhecer gente de todas as partes do Brasil e do mundo e dançar muito forró. 

Muita coisa mudou desde que cheguei aqui, mas a magia do vento, da lua nascendo no mar, da beleza das praias e do sorriso dos habitantes continuam os mesmos. Como vocês podem ver, Canoa Quebrada me encantou, e daqui não consegui mais sair. Boa parte daqueles que estudavam comigo em 1989 são hoje monitores e defensores ambientais, pescadores e condutores em ecoturismo; enfim, são cidadãos que amam seu lugar e o protegem de agressores e especulações, agem como todos têm que agir com o nosso Planeta: com respeito, seja em Canoa Quebrada ou na Vila Mariana! 

1 comentário em “Minha vida em Canoa Quebrada

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