Mi querida Venezuela

Estou no Brasil há dois anos. Nasci em 1988 na Venezuela e cresci num povoado andino chamado Pregonero, no Estado Tachira, perto da barragem de Uribante Caparo, a 11 horas da capital Caracas. Vivi nesse povoado, com cerca de 30 mil habitantes, até os 14 anos de idade como um caipira, vendo pessoas trabalhando no campo, em plantios de morango, alface e de vegetais cultivados em terra fria.

Nessa região da Venezuela as pessoas são bem diferentes das do resto do país: o andino é conhecido por ser um povo ético, honesto e muito trabalhador; tanto que a primeira coisa que aprendi com o meu povo é que o trabalho é a coisa mais importante na vida. Em Pregonero não há miséria, pois a região é muito fértil e todos trabalham com a terra.

Pertenço a uma família de classe média alta e nossa meta, minha e de meus irmãos, sempre foi cursar uma universidade, mesmo curtindo muito aquela vida no campo. Por isso, como não havia universidades em Pregonero, fomos mandados pelo meu pai para Maracaibo, a quinta maior cidade da Venezuela, onde a economia gira em torno da extração do petróleo e onde a vida social e cultural era muito intensa. Lá estão as boas escolas e as melhores universidades. Maracaibo era para ser uma cidade muito rica economicamente.

Quando Hugo Chávez chegou ao poder, eu tinha 11 anos. Apresentou-se como uma alternativa de oposição a Salas Romero, que ao meu ver propagava soluções muito melhores para o país. Mas, Chávez fez uma campanha em que só falava o que a população queria ouvir, dizia que ia diminuir a desigualdade e, na primeira campanha para presidente, até incitava o povo contra a iniciativa privada…, mas bem de leve…. Não ressaltou sua ideologia política, nunca falou de socialismo!

Nos primeiros anos, a Venezuela de Hugo Chávez parecia uma democracia. Tanto que uma de suas primeiras decisões foi convocar um plebiscito para mudar a Constituição e referendar sua permanência por mais alguns anos no poder. Com isso, ele foi reeleito com grande vantagem; a Venezuela ainda estava em paz, crescendo e com a população feliz.

Foi em Maracaibo que comecei a perceber que as coisas não iam tão bem assim… Tomei conhecimento de que a corrupção havia aumentado ao ponto de prejudicar a vida da população. Bem parecido com o governo de alguns países da América Latina, como o Brasil, por exemplo. Até para validar diploma, tinha que pagar propina…

Foi em 2004/2005 que a mudança política foi absurdamente notada e o país entrou numa nova fase. Hugo Chávez começou seus discursos de ódio contra o imperialismo americano e tudo que acontecia de ruim no país era culpa dos inimigos externos, nunca do governo. E a polarização das ideologias se fez presente: família brigando, filhos saindo de casa, casamentos rompidos… A Venezuela mudou! O venezuelano que era um reconhecido anfitrião, pouco a pouco foi tornando-se medroso, intolerante e inseguro.

A conversa era só sobre política, o que gerava grandes discussões. Chávez assumia publicamente que seu assessor político era o ditador de Cuba, Fidel Castro, mas a população não o levava muito a sério… 

Até que a crise econômica começou. De uma hora para outra, a mesada que eu meus irmãos recebíamos de meu pai, não dava mais para ir ao cinema, comer fora e, depois, até para tomar um sorvete!

Foi em 2008 que Chávez assumiu sua verdadeira ideologia e mudou o sistema do país, iniciando as desapropriações, promulgando leis e tornando-se um totalitarista… Mas, como ele era muito inteligente, disfarçava sua posição com discursos ideológicos. Nessa época, estava na faculdade e, por ser de uma classe social mais privilegiada, não tinha ideia do que estava por vir.

De repente, tudo ficou muito caro, a vida tornou-se mais difícil, embora bem melhor do que está o pesadelo de hoje. Os jovens perderam o poder econômico para consumir cultura e a violência se intensificou por revolta, frustação e tédio, inclusive, perante os discursos de Chávez, que mandava às favas o rei da Espanha e o presidente dos Estados Unidos.  Para os chavistas, tudo que representava os EUA era uma droga… E o país foi se desintegrando. Com as desapropriações, Chávez mostrou ao mundo inteiro que não respeitava a iniciativa privada e a Constituição; foi o início do fim da economia do país.

Com a população dividida, ninguém mais se entendia, ainda mais depois que a oposição tentou dar um fracassado golpe de estado. O povo mostrava que não tolerava o totalitarismo. Prova disso isso, foi a quantia que a população juntou para pagar uma multa milionária de uma emissora que Chávez havia fechado.

Consequentemente veio a hiperinflação: começou em 2009, com 120%, e chegou a 400% ao ano. O governo tinha tanto medo de que o povo soubesse da roubalheira que proibia o Banco Central de divulgar seus números. Ninguém sabia mais o preço da cesta básica, por exemplo, e os produtos sumiram das prateleiras.

Empresas de comunicação, como a RTCV, uma Globo mais imparcial, começaram a ser fechadas. E os protestos se intensificaram ainda mais. Primeiro, com marchas pacíficas até chegar aos protestos mais violentos. Em abril de 2011 aconteceu a marcha chamada Puente Yaguno, reprimida pela polícia violentamente. Há uma foto, inclusive, em que Nicolás Maduro está com uma pistola atirando nos manifestantes.

Antes da morte de Chávez, em 2014, houve um protesto imenso, e polícia, militares e a justiça ficaram contra a população. O governo banca os chamados Coletivos, grupos de criminosos armados que atuam a seu favor. Muito sangue até hoje continua sendo derramado…

Foi o próprio Chávez, quando estava muito doente, que escolheu Maduro para sucedê-lo. E como todos sabem, viver na Venezuela sob sua ditadura tornou-se ainda mais insustentável. O êxodo de venezuelanos é sem proporções. O destino é Miami, Panamá, Peru, Equador e mais recentemente, a Colômbia.

Eu desisti de viver na Venezuela em 2015 e estou na cidade de São Paulo desde 2016. Mesmo vivendo nesse delicioso bairro que é a Vila Mariana, tenho muitas saudades de minha família e amigos. Sinto saudades das belezas naturais da minha terra, como a região central das Savanas, Los Llanos, fronteira com a Roraima, do arquipélago de Los Roques, um conjunto de ilhas e recifes nas Pequenas Antilhas, um dos destinos mais caros da Venezuela, da Bahia de Cata e da Praia Colorada. Sinto falta do contato com o povo costeiro, sempre alegre e com uma musicalidade deliciosa.

Sinto fome da comida típica, como a maracucha, fartas porções de mandioca com banana da terra, e dos diversos queijos venezuelanos. E de um quitute chamado tequenho, que não pode faltar nas festas: queijo palmita envolvido em massa de pizza. Isso sem falar no rum venezuelano e do miche, nossa pinga doce, com gosto de anis. 

Embora seja agnóstico, acredito que só com um milagre possa voltar à Venezuela. Falta-me esperança de ver meu país com uma economia forte, um governo justo e com uma população feliz e em paz novamente.

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