Cidadão do Mundo: Missão no Haiti
Sou artista urbano, arte-educador, diretor de arte e morador da Vila Mariana desde que nasci. No ano passado tive a oportunidade de fazer parte de um trabalho voluntário, convidado pela ONG Anmoue-Criativos Pelo Haiti, que tem a missão de reconstruir cidades que sofreram desastres naturais.
Fui, em 2015, com essa Ong ao Haiti para ajudar na reforma de escolas e orfanatos destruídos pelo terremoto de 2010, que matou cerca de 200 mil pessoas — no país mais pobre economicamente da América.
Mas vale contar um pouco sobre a história tão sofrida desse povo. A ilha foi descoberta por Cristovão Colombo em 1942 e batizada de Hispaniola. Em 1697, um tratado com a Espanha cedeu à França a parte Ocidental da ilha — onde hoje é o Haiti. Chamada de São Domingos, tornou-se a mais importante colônia francesa nas Américas, cuja riqueza era sustentada pela agricultura do açúcar e com mão-de-obra escrava indígena e africana.
Logo depois da Revolução Francesa, em 1804, os escravos se rebelaram, ganhando a liberdade e a independência do país: o Haiti tornou-se a primeira República Negra das Américas e o primeiro país a se declarar independente.
A política foi regida por ditadores, entre eles Papa Doc e Baby Doc, pai e filho que promoveram perseguições até mesmo às igrejas católicas. A nova Constituição garantiu, em 1990, eleições presidenciais livres que deram a liderança a um padre esquerdista, deposto por um golpe militar no mesmo ano. A ONU impôs sanções econômicas ao Haiti para forçar o retorno, depois de 4 anos, do padre Jean-Bertrand Aristide — que fugiu para a África em 2004.
Desde então o Haiti sofre intervenção internacional da ONU, e, depois do terremoto, seis anos atrás, a situação piorou drasticamente. Em Porto Príncipe, a capital do Haiti, me deparei com lugares devastados, esgoto a céu aberto onde crianças se banham. Cerca de 60% da população é subnutrida e mais da metade vive com menos de 1 dólar por dia. Quando aceitei a missão, sabia que ia para um país com carência de água potável, sem eletricidade e com muita pobreza, mas na hora que presenciei aquela realidade, me senti abençoado por ser brasileiro e tive a certeza de como nossas mazelas são bem pequenas.
Em Porto Príncipe as pessoas estão sempre na rua, pois a população sabe que só ali encontrará algum trabalho. O povo é muito feliz e sabe celebrar como ninguém!
O comércio é feito por barraquinhas e pessoas que vendem de tudo: carvão, roupa militar, água, comida e até crédito para celular… No país, há um baixo consumo de produtos industrializados. A alimentação é basicamente frutas, macarrão, arroz e feijão. A carne de lá não é indicada para o consumo e não cheguei a ver leite. Uma coisa que me chamou muito a atenção foi o estilo dos haitianos se vestirem. Mesmo sob um sol de 40 graus, as pessoas andam de calça comprida, camisa e sapatos — usar bermuda denota pobreza ou é coisa de estrangeiro — como não há turistas, os estrangeiros ou trabalham para Ongs ou para a ONU.
O trânsito é caótico, vi carros andando até na calçada na hora do sufoco. O Tap-tap é o transporte coletivo do país: caminhões todos pintados — muitos com motivos brasileiros, principalmente futebol e Neymar — com caçamba adaptada com bancos para transportar pessoas.
O Haiti é o paraíso das Ongs — boas e más. Meu trabalho era ajudar uma comunidade em Montrois, no interior do país, três orfanatos na capital, de uma Ong Evangélica cuidada por um militar argentino, outro da cultura vodu e uma escola para crianças carentes. Dei oficinas de arte no Centro Cultural Brasil-Haiti, reformei salas de aula e fiz telhado. Pintamos o opaco dos orfanatos, trazendo luz, cor, imagem e mensagem. Atuei também num orfanato de um casal de Miami que não passa os recursos devidos para o lugar — quem toma conta é um casal de brasileiros que adotou 10 crianças e que ainda cuida de outras dez.
O Orpheliant Especiale Coupe du Monde abriga crianças de 0 a 17 anos extremamente amáveis e carentes. Elas falam além do Crioulo — a língua local — inglês, francês, espanhol e até um pouquinho de português. São cerca de 40 crianças sem esperança de serem adotadas e ainda sujeitas às inúmeras doenças, pois há surtos de sarampo, catapora, rubéola, e a presença de carrapatos e mosquitos.
O meu trabalho — Arte Ataque Oficina — busca a transformação social ou individual usando a imagem/mensagem para resgatar a auto-estima e colorir o tom opaco das instituições carentes — que são muito tristes. O lema é fazer com o coração, conhecimento compartilhado e horizontal — em que todos ensinam e todos aprendem.
O Arte Ataque existe desde 2008, num esquema 100% voluntário. Já atuou aqui no Brasil em sete estados, 120 cidades envolvendo mais de 4 mil participantes, seja estudantes universitários, escolas públicas, privadas, Ongs, orfanatos, crianças em regime sócioeducativos e com deficiências físicas ou mentais.
Acredito que meu trabalho só é legítimo quando é feito em equipe. No ano passado fiquei no Haiti um mês — 15 dias convidado pela Ong e 15 dia por conta própria. De forma indepen-dente trabalhei com Irmãs brasileiras do Sagrado Coração de Jesus e no Centro Cultural Brasil-Haiti. Foi uma experiência muito marcante, tanto que decidi voltar neste ano por conta própria para concluir o projeto e, de quebra reformar o orfanato Especiale Coupe Du Monde, que é da cultura Vodu. Vou precisar canalizar o esgoto para construir um banheiro com chuveiro e privada, além de perfurar o poço, já que o deles secou. Para isso, montei um financiamento coletivo pela internet, até o fim de setembro, para cobrir a compra de materiais de construção e de mão-de-obra.
Desde que tive essa experiência, algo mudou em mim. Descobri ali a importância da felicidade que só é verdadeira quando compartilhada. Ajudar é possível sim! É uma forma de agradecer as coisas boas que temos. Para essa próxima viagem já ganhei 300 camisetas da Bas Confecção para as ações artísticas, ítens de higiene e 2 filtros para tornar água insalubre em potável, da Agência Passion & Porpouse Experience, que abastece até 100 pessoas por dia por 5 anos. Para colaborar com a missão de melhorar a vida das crianças do Haiti, acesse www.catarse.me/arteataqueoficina. Fazer com coração é possível, faz parte da natureza do brasileiro!
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