Extensões de nosso ser

A morfologia urbana de uma cidade é composta por variáveis múltiplas. Pessoas e suas atividades, como elementos móveis, inserem-se num contexto em que outros, não tão mutantes, parecem nos representar fora da gente, uma espécie de extensões do nosso ser: aquele caminho leve ou tortuoso à casa da amada (relevo, mobilidade), a flor daquela árvore ao lado do boteco da esquina em que tomou sua primeira cerveja (vegetação), a forma daquela construção ou do “miolo de casas” admirados por todos de sua quebrada (arquitetura), etc. Significantes que despertam e valorizam nosso sentimento e memória!

Já a água, ao contrário, cotidianamente percebida às avessas — como sujeita a chuva e trovoada-, embora originalmente fosse um dos elementos principais de nossa paisagem, pouco presente se mostra fora da gente. Como hoje a percebermos menos, a atenção necessária que lhe seria devida é negligenciada. Não a escutamos! Como elemento vital que é, o tempo de descaso é o senhor da razão, como se pode observar atualmente na crise vivida. Ainda que invisíveis, nossos rios ainda cá estão e neles se vê uma oportunidade de, se mais perceptíveis passarem a ser, melhores nos tornaremos. Há todo um envolvimento em curso na cidade com a água, com o som da água, com a possibilidade da leitura ao pé da pitangueira à beira d’água! Em suma o belo — ou sua ausência — na cidade é fator relevante na formação do que somos e no que podemos nos tornar, tanto individual como coletivamente.

Digo isso tudo porque, para bairros como o do nosso Pedaço, o Plano Diretor (PD) de São Paulo recentemente aprovado pouco se preocupou com as dimensões histórico-ambientais existentes, tendo focado-se mais na questão da proximidade moradia — trabalho.

Transcorrida esta fase, a bola da vez é a tal revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LUOS), coordenada pelo executivo e que deverá estender-se até dezembro, quando então será enviada à Câmara Municipal. Nela é que se dará o aprofundamento das diretrizes gerais constantes no P.D.E, definindo-se o zoneamento de cada região da cidade, ou seja, o uso permitido (comercial/serviços/industrial/residencial) e os parâmetros de ocupação das construções nos respectivos terrenos. A última chance!

Na solenidade de abertura da “Revisão Participativa da LUOS” de 16/08 (ainda não muito participativa!), a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano esboçou alentadoras diretrizes de, dentre outras, fortalecer a dimensão ambiental no zoneamento e proteger o patrimônio cultural e conjuntos urbanos de interesse de preservação. 

Portanto, é o momento de se defender nossos rios atribuindo-se ao longo deles uma zona específica que impeça construções / fundações nas chamadas áreas de preservação permanentes — faixas marginais de 30 metros. E também de se proteger do voraz apetite das incorporadoras / construtoras os inúmeros imóveis, vilas e “ambientes urbanos” de relevante valor cultural, histórico e paisagístico existentes na Vila Mariana. Também, de se possibilitar uma altura de até 8 andares para os prédios ao longo dos eixos de metrô e corredores de ônibus — conjugando adensamento demográfico com uma verticalização não violenta, assim como altura de até 5 andares para os prédios a serem construídos no interior dos miolos de bairro. Belo, ser ou não ser!

*Ricardo Fraga é Engenheiro Agrônomo, Advogado, 

Mestre em Saúde Pública pela USP e Conselheiro Participativo VM