Seria um armazém, uma fábrica ou um sputinik?

Estávamos em 1965. Eu e o Levy já tocávamos nas domingueiras do Circulo Militar e andávamos por todos os lados como se a Vila Mariana fosse o nosso quintal. Sabíamos todos os cantos, as quebradas, os mocós. 

A Vila Mariana cresceu e a gente conhecia todas as novas construções. Eram poucas. Os primeiros prédios começavam a ser construídos. Era a festa. A gente entrava nas obras e fazia guerra de areia, pedras e cimento. A gente tinha controle total das novidades.

Mas, tinha um lugar que nos deixava muito curiosos. Era na Humberto I, alí entre a Pelotas e a vilinha da Humberto. Um terreno que ficou com um tapume por anos. A gente passava e olhava dentro e nada. Dias a fio.

Um dia, de repente, começou uma obra estranha, não era de tijolos como as outras, não tinha areia pra guerrear e nem pedras. Era um caixote de ferro moldado que ia se cobrindo de cimento.

Ficamos curiosos e acompanhamos passo a passo aquela novidade. Seria um armazém? Seria uma fábrica? Seria uma loja grande? Seria um Sputinik? Nada disso. O tempo foi desvendando, a linda obra de arquitetura que se tornou uma IGREJA. A Igreja de São Bonifácio: uma igreja alemã em São Paulo.

Essa raríssima e maravilhosa obra de arquitetura é um exemplar autêntico do chamado Movimento Brutalista Paulista da década de 60. Um projeto do arquiteto austríaco Hans Broos, que estudou em Praga, na Checoslovaquia, e chegou ao Brasil em 1954. 

A Igreja de São Bonifácio é uma caixa toda em concreto aparente, de 13 por 33 metros e altura de 7 metros e vinte centímetros. Eleva-se através de quatro pilares esbeltos, de 50 por 80 cm, que, recuados em relação à fachada principal, se soltam da caixa, apenas tocando o volume pelo lado de fora. O espaço público toma conta de todo o terreno onde a igreja está instalada convidando o público para esse lugar de fé.

Na sua inauguração ninguém sabia que era uma igreja, pois não havia nada que a identificasse. Com o tempo  foi colocada uma cruz na sua fachada, uma única indicação de que seria um templo de fé. 

Quando os tapumes foram baixados em 9 de junho de 1966 pudemos ver a beleza e a harmonia dessa espetacular obra de arquitetura na nossa Vila Mariana. Eu e o Levy adoramos o resultado final e como “fiscais” aprovamos a obra e demos o nosso “habite-se”. Amém.