Recordações de família!

O “Seu Nicola” chegou da Itália à Vila Mariana em 1932 para morar nessa casa que se vê na foto e trabalhar no armazém anexo. 

Nessa casa imensa, que tinha entradas pela Av. Cons. Rodrigues Alves e pela Rua Áurea, moravam os donos do armazém Sr. Diniz e seu sócio Sr. Almeida e suas esposas. O Sr. Diniz é o criador e fundador do supermercado Pão de Açúcar e pai do empresário Abílio Diniz.

Por muitos anos o Seu Nicola morou na casa, trabalhando no armazém e, depois, firmou-se com os dois sócios portugueses até adquirir o armazém totalmente, no fim dos anos 40.

Corria o ano de 1947 quando Seu Nicola ficou com o armazém de “secos e molhados”. Um ponto comercial elegante e fino em um dos bairros mais nobres de São Paulo. 

O Seu Nicola era um imigrante oriundo da Itália — Calábria — Mormanno, que junto com sua esposa Luiza estava ali para iniciar sua vida de casado e de comerciante.

A Vila Mariana passava por um período de crescimento esfuziante e, como não havia muito comércio nas redondezas, o armazém do Seu Nicola era importante para os moradores, pois oferecia todos os produtos que eles precisavam, incluindo os importados.

O maravilhoso armazém de “secos e molhados” servia a freguesia com produtos de primeira, entregues em casa de bicicleta — o primeiro delivery da Vila Mariana! — e ainda cobrava só no final do mês, através de uma caderneta escrita à mão, que, para quem não sabe ou não lembra, era símbolo do famoso “fiado” — compre hoje e pague só daqui há 30 dias, sem juros — ou quando puder!

As compradoras eram chamadas de “freguesas” e detinham o poder de compra do mês. Os maridos apenas pagavam e raramente apareciam para comprar um vinho Português, um bacalhau da Noruega ou uma cerveja Alemã. As crianças adoravam os doces: marias-moles, pés de moleque, chocolates belgas e gelatinas, ostentados lindamente nas vitrines de vidro iluminadas e chamativas.

As famosas vitrines de cigarros Hollywood, Macedônia, Fulgor e Continental, chamavam a atenção de quem passava pela rua pelo seu estilo europeu com logotipos enormes e coloridos estampados nos vidros da frente.

Os incríveis balcões de madeira e espelho, com vidro e mármore faziam do local um “templo” que incentivava a vontade de estar e fazer compras. 

Depois dos anos 50, eu e o Levy (Milton Levy) nos tornamos crianças com maravilhosas regalias sobre os doces, refrigerantes e guloseimas do Seu Nicola, porque — graças a Deus (rsrsrs) — fazíamos parte da família.  Corríamos e brincávamos entre latas de bolachas Duchen, displays de Café Seleto, Chocolates Sonksen, Lacta e litros de leite Leco, cervejas Weinhenstephan, Fernet, Licor de Cacau Bols e garrafas de Caracu. Éramos crianças de sorte. Podíamos tudo. O Seu Nicola, meu pai, era “buona gente” e deixava a gente brincar à vontade.

Os bondes circulavam nos trilhos da Rodrigues Alves, fincados nos paralelepípedos, indo para Santo Amaro e voltando para a Praça João Mendes. Os taxis Chevrolet, Dodge, Skoda e outros tipos faziam ponto em frente ao armazém com seus motoristas elegantes, engravatados e educados. 

Um dos primeiros prédios construídos na Vila Mariana foi em frente ao armazém do Seu Nicola e está lá até hoje igualzinho — o artista Jô Soares morou nele por muitos anos e foi freguês do armazém para alegria do meu pai.

Se você passar por lá hoje, ainda vai encontrar a nossa casa idêntica, mesmo depois de tantos anos, o armazém foi reformado, mas são as mesmas portas de garagem, o mesmo prédio em frente e uma curiosidade e raridade que só quem olhar muito atento verá: uma estátua esculpida na parede externa, entre a casa e o armazém, feita por um artista italiano que ninguém lembra o nome. Raridades numa Vila Mariana que nos dias de hoje cresce desordenadamente.

Todos nós, os 5 filhos — Antônio Luiz, eu, Maria Luísa, Nico e Inês — nascemos na casa anexa ao armazém e fomos criados na Rua Áurea.

As freguesas e fregueses que ainda vivem e que participaram dessa época maravilhosa podem comprovar que o armazém do Seu Nicola foi o Consulado da alegria, amizade, cordialidade e boa vizinhança.

Um armazém dos tempos antigos cheio de amor do Seu Nicola.