Nascente do Sapateiro é revitalizada!

No aniversário da Vila Mariana, o reconhecimento das nascentes que alimentam os lagos do Parque Ibirapuera une moradores, subprefeitura e ativistas ambientais.
Dia 3 de setembro a Vila Mariana comemorou 126 anos de idade, conforme a Lei Estadual número 340, de 1895. Na oportunidade, subprefeitura VM e Conselho Participativo, com o apoio da AVM– Associação de Moradores da Vila Mariana, inauguraram a revitalização de um beco, entre as ruas Lutfalla Salim Achoa e Rino Pieralini (travessa da Rua Capitão Cavalcanti), por onde minam nascentes do Córrego do Sapateiro. É esse córrego, alimentado por inúmeras nascentes durante seu caminho, que deságua nos lagos do Parque Ibirapuera.
A revitalização da nascente só foi possível graças à determinação do subprefeito Luís Felipe Miyabara, que se entusiasmou com a ideia e colocou sua equipe à disposição do CPM – VM e AVM para que tudo fosse preparado para comemorar o aniversário da Vila Mariana: um agradecimento especial aos Adilson Gregório e Ailton Roberto da Silva.
O paisagismo contou com um piso de paralelepípedos intertravados que permitem permeabilidade, painéis com plantas e pintura nas paredes e portões. A AVM convidou o vizinho Gabriel Neistein, estudante de arquitetura da FAU- USP, para criar um Mapa das Águas, que mostra o caminho dos rios do pedaço até os lagos do parque, num grande paredão, na Rua Rino Pieralini, cedido pelo condomínio Ilha das Palmas. A grande mapa contou com a ajuda do experiente artista plástico – e também vizinho– Ricardo Tatoo. O PD Studio – Corte a Laser, Router CNC, Impressão 3D, na Rua França Pinto, imprimiu as máscaras gratuitamente para o feitio do mapa de 3 m X 2,4m.

A Vila Mariana ganhou mais um ponto turístico.

Os portões ganharam plaquinhas de sinalização: “Nascente do Sapateiro”. “Toda a produção só foi possível porque a vizinhança se mobilizou para realizá-la. As plaquinhas de madeira são do pé de uma mesa antiga, quebrada, doada pelo Instituto Biológico. O comércio – Reformare Materiais de Construção, Academia Aquasport, ABREJOTA – Associação dos Bares e Restaurantes da Joaquim Távora e Restaurante Pasta Nostra ajudaram com recursos para a produção da obra da nascente e o Coletivo Moradores das Nascentes do Sapateiros ajudou na festa!”, informa Denise Delfim, presidente da AVM e conselheira participativa.
O evento do aniversário da Vila Mariana começou na Rua Lutfalla Salim Achoa, ao som do chorinho dos músicos João Amaral (violão) e Luma Encarnação (flauta doce). Respeitando os protocolos de segurança, moradores e convidados foram chegando para dar início à cerimônia de inauguração. Uma fita azul enfeitou o portão que protege a nascente e seu laço foi desfeitos por duas crianças, simbolizando a preservação da qualidade de vida das futuras gerações.
O subprefeito Luís Felipe falou sobre o impacto que a revitalização surtiu na comunidade: “Fico muito feliz e emocionado que, no aniversário da Vila Mariana, possa entregar essa ação. Juntos vamos cuidar desse local “. Ele agradeceu o empenho da sua equipe, que não mediu esforços para a conclusão da obra para o dia do aniversário da Vila Mariana.

Caminhando, todos seguiram até a rua paralela, Rino Pieralini, para ver as nascentes e conhecer o Mapa das Águas no paredão ao lado do beco. “Durante a troca dos paralelepípedos, a subprefeitura descobriu mais três nascentes!”, conta Denise.
Os músicos animaram a tarde até a primeira convidada, a pesquisadora científica do Instituto de Pesca, Cintia Badaró, se apresentar. Sentindo-se honrada em participar da revitalização da nascente ela alertou. “A existência de qualquer curso d ́água depende da preservação das suas nascentes e essas de serem continuamente abastecidas pelas águas subterrâneas, escondidas dos nossos olhos, mas essenciais para que esses rios ou córregos permaneçam vivos, há necessidade da melhoria e manutenção da qualidade da água e do sedimento, propiciando o restabelecimento da flora e fauna aquáticas para que peixes e aves residentes e/ou visitantes possam utilizar o ecossistema hídrico do Parque Ibirapuera para alimentação, abrigo e reprodução”. Cintia ainda informou que, em 2021, no levantamento da avifauna aquática feito pelo Centro de Estudos Ornitológicos- CEO no Parque do Ibirapuera desde 2009, foram contabilizadas 15 espécies aquáticas, sendo duas delas registradas pela primeira vez, biguatinga e colhereiro (CEO, 2021) de um total de 197 espécies de aves e 10 espécies de peixes (DEPAVE, 2018).

Em seguida, a geóloga Sibele Ezaki, do Instituto de Pesquisa Ambiental, falou sobre o ciclo da água que mantém as nascentes. “Essas nascentes demonstram vida! É importante manter esse entorno o mais preservado possível ”. A surpresa da divulgação da análise da água, um presente da diretora Magali Antonia Batista, da Divisão de Vigilância em Saúde Ambiental solicitado via SUVIS – Jabaquara /Vila Mariana, foi anunciada por Sibele. O laudo mostrou que a qualidade da água é satisfatória – um resultado que indica que a água não está contaminada e,, no mínimo, pode ser utilizada para a irrigação e criação de peixes. “Para saber o grau de potabilidade é necessária uma análise mais profunda”, explicou a geóloga. Vale destacar que tanto o Instituto Ambiental (antigo Instituto Geológico) como o Instituto de Pesca estão localizados na Vila Mariana – o Instituto de Pesca desde o início deste ano está instalado num dos prédios do Instituto Biológico.
O arquiteto e urbanista José Bueno e o geógrafo Luiz de Campos Jr., que desde 2010 vem revelando os rios invisíveis e apresentando as águas da cidade à população com as expedições do Rio e Ruas, fizeram questão de prestigiar a iniciativa. “São Paulo tem milhares dessas nascentes espalhadas por seu território e elas devem ser cada vez mais conhecidas e reconhecidas pela gestão pública. Para que desta forma as pessoas possam conservá-las. Ninguém vai cuidar daquilo que não conhece, daquilo que nem sabe que existe! Essa ação de hoje é um marco que deve ser multiplicado por todo o município”, comemoraram.
A questão desse território onde estão essas nascentes do Sapateiro é muito delicada. Elas estão numa região até o momento preservada, contudo, dentro do raio de poder construtivo estabelecido pelo Plano Diretor Estratégico de 2014. As construtoras estão ávidas pelo ambiente tranquilo, arborizado e residencial e, há alguns meses, aborrecem os vizinhos satisfeitos em viver no local. O reconhecimento das nascentes pela subprefeitura é uma demonstração de respeito aos recursos naturais e da valorização desse território. É importante destacar o perigo desses novos edifícios com garagens subterrâneas que ameaçam o percurso dessas águas e comprometem os lagos do Ibirapuera.

Denise destacou essa questão ao finalizar a cerimônia. “ Essa e outras nascentes, escondidas ou desprezadas, são muito mais valiosas do que os edifícios altíssimos que as destrói. Que essa singela inauguração sensibilize a prefeitura e a câmara de vereadores, que criaram e aprovaram um Plano Diretor que permite esse adensamento nos entornos das estações de metrô, e não está levando em conta um de seus objetivos urbanísticos nesses chamados eixos de estruturação da transformação Urbana”. Esse direito está expresso no art 23, inciso II do PDE: compatibilizar o adensamento com o respeito às características ambientais, geológica-geotécnicas e os bens e áreas de valor histórico e cultural, paisagístico e religioso. “Essas nascentes encantaram a todos, incluindo muitos técnicos presentes que já vislumbram projetos em parceria com a associação e moradores”, adianta a presidente da AVM.

Entre os convidados e apoiadores, o médico sanitarista do Partido Verde, Eduardo Jorge Sobrinho, o professor Vladimir Bartalini e membro fundador do LABPARC/FAUUSP, que coordenou de 2002 a 2006, estudos teóricos sobre paisagem e pesquisa dos “Córregos Ocultos” e José Luiz Albuquerque Filho, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT e Cidades, Infraestrtura e Meio Ambiente (CIMA) e Seção de Planejamento, Recursos, Saneamento e Florestas (SPRSF), que destacou: “É importantíssimo proteger o local da nascente, que é o ponto de saída da água, mas, muito importante também é pensar nas áreas mais altas, onde há a nascente, porque são nessas áreas, onde se têm a entrada da água pela chuva, que vão alimentar o subsolo e o lençol freático e, por sua vez possibilitar a continuidade do ciclo hidrológico e a garantia da existência das nascentes. Nesse caso, aqui, chegando o curso d’água até os lagos do Ibirapuera.”
A diretora cultural da AVM, a arquiteta e urbanista Eliana Barcelos, lembra que, em 2019 , antes mesmo da concessão do parque à iniciativa privada, a AVM, como entidade membro do conselho gestor do Parque do Ibirapuera, durante as discussões sobre a exigência de um Plano Diretor, fez uma análise e apresentação sobre o entorno do parque. “Apontamos a importância das nascentes do Sapateiro, situadas a partir do espigão da Rua Domingos de Morais até os lagos do parque, e a necessidade de monitorar a qualidade das águas nos pontos de afloramento, assim como a incompatibilidade do zoneamento de alto poder construtivo (ZEU) nessas áreas de cabeceira.” 


As fotos e os vídeos, de autoria de Gabriel Florez, dão o clima de uma comemoração emocionante que ressalta a união da vizinhança e o amor pela Vila Mariana!