Viviam Vargas de Barros

Psicóloga com formação em Terapia Cognitivo-Comportamental e Certificada em Mindfulness-Based Relapse Prevention pela Universidade da Califórnia, Viviam Vargas de Barros coordena estudos de Mindfulness, na Unifesp, com mulheres que usam medicamentos prolongados para combater a insônia. Nesta entrevista ao Pedaço da Vila, ela destaca os benefícios da prática da meditação, explica as origens da insônia e alerta sobre o perigo dos remédios tarja preta para dormir

Pedaço da Vila: O que é e qual o trabalho realizado pelo Nepsis – Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias?

Viviam Vargas de Barros: O Nepsis realiza pesquisas relacionadas ao uso de substâncias, como levantamentos sobre o uso de drogas em diferentes contextos, bem como sua relação com outros fatores, como  violência, por exemplo. Mais recentemente, temos trabalhado também com pesquisas clínicas, fazendo e desenvolvendo intervenções. Começamos a trabalhar com Mindfulness, que é uma prática de meditação, aliando-a com o trabalho na área de drogas. Um de nossos trabalhos utiliza essas práticas com mulheres que fazem uso crônico de medicamentos para dormir. Como o uso desse tipo de medicamento causa dependência, e uma série de problemas a longo prazo, decidimos fazer intervenções com mulheres nessas condições.

Pedaço da Vila: Quais são os riscos provenientes do uso de medicamentos para dormir?

Viviam Vargas de Barros: O principal problema é a dependência. Quando a pessoa retira o medicamento, ela tem muitos sintomas de abstinência, como dor de cabeça, tontura, tremores, entre outros. Além disso, o uso prolongado vai causando perda de memória; existem alguns estudos, preliminares, mostrando a associação com algum tipo de demência, como Alzheimer. O medicamento também tira ou prejudica o chamado sono REM, que é a parte do sono mais profundo; ou seja, apesar de os medicamentos induzirem ao sono, também prejudicam essa parte importante do sono, responsável pelos nossos sonhos e descanso mental. Também, a longo prazo, provocam apneia do sono — quando a pessoa acorda sem ar —, pois o medicamento provoca o relaxamento muscular e a perda de equilíbrio.

Pedaço da Vila: As pessoas que fazem uso de medicamentos para dormir, geralmente, não

acreditam que possam dormir sem eles…

Viviam Vargas de Barros: Quando eu me refiro a medicamentos, estou falando especifica-mente dos Benzodiazepínicos, que são os ansiolíticos de tarja preta, como Diazepan e Rivotril. O Rivotril, por exemplo, é ansiolítico, e não é usado somente para dormir. Esses remédios podem ser usados tanto para ansiedade como para insônia. Isso vai depender do que se chama de ‘meia-vida do remédio’, que é o tempo que o organismo leva para eliminar a metade da sua dosagem do organismo. Os remédios que têm a meia-vida mais curta são usados para iniciar o sono. Outros, têm a meia-vida mais longa e, embora sejam mais indicados para tratar a ansiedade, são usados também para induzir ao sono, e oferecidos pelo Sistema Único de Saúde.  O problema é que eles devem ser usados, no máximo, por aproximadamente quatro sema-nas, e sob prescrição médica. Mas o que vemos é que os médicos, sem muitas alternativas, dão continuidade a essa prescrição. Os usuários acham que está tudo bem, pois o remédio foi prescrito, mas o uso prolongado causa muitos efeitos nocivos. 

Pedaço da Vila: De que maneira se dá a prática de Mindfulness para mulheres que sofrem de insônia?

Viviam Vargas de Barros: No Brasil, o termo tem sido traduzido como atenção plena, e é empregado para se referir a uma série de coisas. Nosso enfoque é sobre a habilidade da atenção plena. O que é isso? É você estar presente, em cada momento, e estar aberto a ele, de uma maneira curiosa e sem julgamentos. O benefício da prática é que você deixa de encarar as coisas como sempre as encarou. Essa habilidade que a gente treina através da meditação Mindfulness possibilita que a pessoa saia do piloto automático e tome consciência do que está acontecendo em sua vida, o que traz uma série de benefícios, levando-a a aproveitar melhor cada momento. Essa meditação que trabalhamos não tem o objetivo de esvaziar a mente, de relaxar, mas de ajudar as pessoas a conhecerem melhor seu corpo, seus padrões de pensamento, e ver como é que isso, muitas vezes, as leva a comportamentos automáticos. 

Pedaço da Vila: Qual é a origem do Mindfulness?

Viviam Vargas de Barros: Essas práticas são derivadas das tradições budistas, mas foram adaptadas à Medicina e à Psicologia Ocidental, sem cunho religioso. Elas começaram a ser estudadas e praticadas no Ocidente em 1979, pelo biólogo norte-americano Jon Kabat-Zinn, da Universidade de Massachusetts. Ele começou a utilizar algumas práticas de meditação com seus pacientes para a redução do estresse e o manejo da dor crônica. Ao perceber os bons resultados, ele elaborou um programa mais estruturado para estudar e disseminar essas práticas. Existe a prática formal e informal. A primeira é a que você dedica um tempo do seu dia para realizar: você senta, ou deita, e faz a prática naquele momento; a segunda se dá quando você traz essas habilidades – essa curiosidade e atenção – para as coisas que você faz no decorrer do dia: você está caminhando, por exemplo, e observa seu comportamento.

Pedaço da Vila: Qual é a duração da prática?

Viviam Vargas de Barros: Jon Kabat-Zinn elaborou um programa de oito semanas, com práticas, formais e informais, em encontros semanais com duração de duas horas e meia. Nesses encontros, ao término de cada prática, acontece um debate, com o objetivo de buscar a experiência direta de cada prática, identificando quais foram as sensações, os pensamentos e as emoções. Esse debate ajuda as pessoas a diferenciar a experiência direta — o que realmente elas sentiram— da maneira como cada uma a interpreta… Esse programa inicia-se com práticas simples, observando coisas concretas, como o corpo e a respiração, e gradativamente vai incluindo coisas mais abstratas, como o pensamento. Além dos encontros, os participantes são encorajados a praticarem em casa por aproximadamente 20 a 30 minutos.

Pedaço da Vila: Como a prática de Mindfulness serviu às mulheres que tomam remédio para dormir?

Viviam Vargas de Barros: O grupo do Dr. Allan Marlatt, da Universidade de Washington, começou a pesquisar Mindfulness para usuários de todos os tipos de substâncias. Seus estudos indicaram uma redução significativa no uso de drogas por essas pessoas. Foi então que eles criaram um programa de prevenção de recaída baseado em Mindfulness, direcionado a pessoas que já estavam em tratamento. Nós, da Unifesp, entramos em parceria com esse grupo de Washington, que está colaborando conosco, especialmente a professora Sarah Bowen, especialista em comportamentos aditivos e  uso de drogas. Primeiramente, desenvolvemos um protocolo em que realizamos uma avaliação psiquiátrica para ver em quais mulheres podíamos tentar a redução gradual do medicamento; afinal, existem casos em que ela não é recomendada. Após essa triagem psiquiátrica, dividimos as mulheres em dois grupos: a que conheceria a prática Mindfulness e outro que receberia as orientações por telefone. Ao final do primeiro piloto, já percebemos que as mulheres que estavam fazendo a meditação conseguiam retirar o medicamento com mais facilidade, mantendo a qualidade do sono. Ao final das oito semanas, a maioria já havia retirado o medicamento; enquanto no outro grupo — que estava recebendo orientações por telefone — apenas duas mulheres conseguiram. 

Pedaço da Vila: A Unifesp está selecionando mulheres para participar da prática Mindfulness? 

Viviam Vargas de Barros: Como o resultado das pesquisas foi muito satisfatório, decidimos investir mais esforço nessa área. Por isso, aumentamos o número para cem mulheres participantes. Hoje temos aproximadamente 25 mulheres já confirmadas. 

Pedaço da Vila: Como essas práticas complementares estão sendo vistas no país?

Viviam Vargas de Barros: No Brasil, hoje, já são vistas com mais respeito. Há uma série de adaptações que são feitas quando se traz essas práticas para a Medicina Ocidental, pois no Oriente, de onde elas vêm, já fazem parte do estilo de vida das pessoas. Aqui, como a cultura é diferente, essas práticas como Mindfulness são tidas como complementares, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida. O interesse e as pesquisas sobre essas práticas vêm crescendo.

Pedaço da Vila: O protocolo aqui no Brasil é o mesmo que foi desenvolvido  em Washington?

Viviam Vargas de Barros: Sim, o protocolo, como o realizado na Universidade de Washington, tem a duração de oito semanas. Primeiramente, é feita uma triagem psiquiátrica; em seguida, há um questionário. Depois, separamos as mulheres em dois grupos, um que vai recebendo o Mindfulness durante as oito semanas, e o outro que receberá orientações por telefone. Após dois meses  é feito um encontro para ver como todas estão se sentindo. Em cada mês acontece uma sessão de psicoeducação ou de meditação, dependendo do grupo. Uma coisa importante é que, mesmo que a pessoa seja sorteada para receber as orientações por telefone, ao final desses oito meses ela também receberá a meditação. Ninguém fica sem receber, somente o tempo difere. São duas horas semanais, de acordo com a disponibilidade de horário dessas mulheres.

Pedaço da Vila: O que causa a insônia?

Viviam Vargas de Barros: Há uma série de problemas que podem desencadear a insônia. Em nosso estudo, percebemos que o principal motivo é hormonal. Muitas das mulheres estão na idade da menopausa, e há uma série de reajustes hormonais que ajudam a causar a insônia. Mas há pessoas que têm insônia desde criança, o chamamos de insônia primária. Os motivos são variados: pode ser por ansiedade, tensão, alimentação, depressão ou outras doenças. Nosso trabalho é direcionado a mulheres a partir de 18 anos que tenham usado medicamento para insônia nos últimos três meses.

Pedaço da Vila: O que vocês percebem depois do programa? 

Viviam Vargas de Barros: O que eu tenho notado, nas minhas práticas, e também na prática dessas mulheres, é que há um autoconhecimento que vai muito além do ganho do sono e a retirada do remédio. A pessoa começa a se sentir melhor, a se respeitar mais, desenvolvendo um estilo de vida que vai ajudar a fazer as escolhas mais apropriadas. Percebi uma grande redução na ansiedade. O objetivo primordial é mostrar para elas que não precisam fazer as coisas só porque sempre foram feitas assim. Você aprende a se tornar mais responsável por suas escolhas. 

Pedaço da Vila: Como participar?

Viviam Vargas de Barros: As mulheres interessadas em fazer parte do Estudo sobre Meditação e Insônia, da Unifesp, devem entrar em contato pelo telefone 5549-2500, em horário comercial, para fazerem o seu cadastro.