Vanessa Gomes

Integrante-fundadora do coletivo comunitário Chácara das Jaboticabeiras — que acabou de pedir o Tombamento Urbanístico e Paisagístico da área formada pelas ruas dr. Fabrício Vampré, Benito Juarez e Coronel Artur de Godói – a vizinha Vanessa Gomes conversou com o Pedaço da Vila sobre as singularidades desse microterritório, considerado patrimônio ambiental, as relações da vizinhança e o engajamento da comunidade

Pedaço da Vila: O que é o coletivo Chácara das Jaboticabeiras?

Vanessa Gomes: É um movimento comunitário criado nesse último ano para preservar o perímetro verde e residencial formado pelas ruas Benito Juarez, dr. Fabrício Vampré e coronel Artur de Godói, uma área que abriga as nascentes do rio Boa Vista. O nome Chácara das Jaboticabeiras, escolhido para nomear essa causa, foi uma homenagem ao nome original desse microterritório.

Pedaço da Vila: Qual é o perfil desse microterritório?

Vanessa Gomes: É uma área histórica do bairro, um patrimônio ambiental que preserva um perfil residencial, com muitas árvores, dezenas de espécies de aves e as nascentes do rio Boa Vista. A quantidade de água aqui é tanta que os prédios da rua Dr. Fabrício Vampré bombeiam a água do lençol freático 24 horas por dia. É uma água limpa que poderia ter um destino mais nobre, e que é jogada na rua. 

Pedaço da Vila: Como é a relação dos vizinhos nessa área?

Vanessa Gomes: A vizinhança é uma grande família. As relações são próximas, amorosas, um cuidando do outro. Em uma cidade como São Paulo, essa relação de pertencimento está em extinção. Você ser percebido e ser integrado numa vizinhança é algo muito importante e especial. E os moradores querem preservaressa isso. Quando essa área começou a ser colocada em risco pelas incorporadoras, os vizinhos se mobilizaram rapidamente para defendê-la.

Pedaço da Vila: Qual é o risco que essa área está correndo hoje?

Vanessa Gomes: Essa área foi colocada em risco após a Lei de Zoneamento [aprovada em 2016], que a inseriu no raio do Eixo de Estruturação e Transformação Urbana (Av. Vergueiro) e liberou a construção de grandes prédios. O processo de especulação imobiliária vem se intensificando aqui desde o ano passado. A vizinhança está sendo pressionada para vender suas casas. Algumas casas da rua dr. Fabrício Vampré já vieram abaixo, outras já estão cercadas por tapumes. Na minha rua, Benito Juarez, muitas casas já foram compradas. Num levantamento junto à prefeitura, identificamos mais de 10 empreendimentos de alto padrão, de 26 andares, que estão previstos para serem construídos nesse miolo do bairro. Se isso for colocado em prática, esse patrimônio vai desaparecer em dois anos. E as nascentes serão devastadas. A forma como as incorporadoras chegam é cruel. Plantam informações falsas e tentam colocar um vizinho contra o outro. Os moradores idosos são os que mais sofrem. Não somos contra a expansão da cidade, desde que ela aconteça com critérios, sem destruir a comunidade.

Pedaço da Vila: Como tem sido a ação do coletivo para preservar a área?

Vanessa Gomes: Estamos engajados. Após analisarmos as possibilidades para preservar essa área, entendemos que a melhor maneira é via tombamento. Para ter a certeza disso, convidamos a arquiteta Maria Albertina Jorge Carvalho para nos explicar quais os tipos de tombamentos, seus impactos, seus trâmites legais, suas limitações, e nos ajudar a fazer o relatório. Decidimos então entrar com um processo de tombamento urbanístico e paisagístico, que preserva o desenho original dos lotes e não limita as reformas residenciais, uma preocupação de muitos. Se tombado, e esperamos que seja, os lotes não poderão mais  ser unificados para a construção de prédios, pois isso altera o desenho original do loteamento.

Pedaço da Vila: Como foi elaborado o pedido de tombamento?

Vanessa Gomes: O primeiro passo foi fazer um mapeamento das características dessa área e delimitar o perímetro para ser tombado. Ele compreende a antiga Chácara das Jaboticabeiras, que vai do começo ao fim das três ruas dessa área: Benito Juarez, dr. Fabrício Vampré e coronel Artur de Godói. Nesse mapeamento compilamos registros fotográficos, a diversidade de fauna e a flora, o desenho das ruas, calçadas, as duas pracinhas e principalmente a relação humana que esse lugar nos proporciona. Nesse processo, os vizinhos escreveram num papel o por que essa área precisa ser preservada. No fundo, todos falaram a mesma coisa: o maior bem aqui são as relações humanas afetuosas.

Pedaço da Vila: Quem está financiamento o tombamento?

Vanessa Gomes: Nós mesmos. Cada um tem colaborado com o que está ao seu alcance. A realização do relatório de tombamento custou em torno de R$ 12 mil reais. Estamos promovendo eventos e ações, como bingos e feiras, para arrecadar recursos. Nesses meses o movimento se fortaleceu e criamos um grupo de financiadores. São moradores do bairro, e de outros bairros, que estão nos ajudando. Nas páginas do Facebook e do Instagram da Chácara das Jaboticabeiras é possível conhecer melhor o nosso dia a dia aqui e ver como contribuir. A nossa causa é gentil, propositiva, é do bairro, é de toda a cidade. No site Avaaz.org estamos com um abaixo-assinado pela preservação dessa área. Ele será anexado ao relatório para endossar a necessidade de tombamento.

Pedaço da Vila: Qual a situação do pedido de tombamento?

Vanessa Gomes: O processo de tombamento foi protocolado no DPH no começo deste mês. Agora, o próximo passo será a leitura do relatório. O primeiro parecer deve sair em até seis meses. Em seguida, o processo será avaliado pelo conselho do Conpresp, que decidirá se abre ou não um estudo de tombamento da área. Assim que o processo entrar na pauta do conselho do Conpresp, será publicado no Diário Oficial. Se o tombamento for aprovado, nenhum prédio poderá ser construído nessa área.

Pedaço da Vila: Como tem sido a participação da subprefeitura VM e da Associação de Moradores da Vila Mariana (AVM) nessa causa?

Vanessa Gomes: Houve um grande comprometimento de todos. A AVM já vem desenvolvendo um estudo sobre as águas dessa área e nos ajudou a entendê-la melhor. A preservação dessa área é uma pauta presente nas reuniões da AVM. A subprefeitura também nos deu todo o apoio. A colaboração do subprefeito Fabricio Cobra Arbex tem sido incrível. Essa causa só deu certo até agora porque teve a união de muitas forças na mesma direção. A cidade precisa desses territórios, eles humanizam o ambiente urbano. Hoje existem muitas vilinhas residenciais que estão sendo desmontadas, apagando as relações humanas. As soluções, daqui para frente, precisam ser coletivas e colaborativas.

Pedaço da Vila: A vilinha na esquina da rua Dr. Fabrício Vampré e av. Cons. Rodrigues Alves está nesse tombamento?

Vanessa Gomes: Ela não fazia parte da Chácara das Jaboticabeiras. No pedido de tombamento, a gente cita a sua importância. Descobrimos que havia um processo de tombamento dela parado no DPH desde 2006. Quana vilinha seria demolida, se mobilizou para impedir. O volume da mobilização cresceu rápido, veio a AVM, o subprefeito VM, a imprensa, os moradores do bairro e de outros bairros também. O Ministério Público entrou com uma ação e a subprefeitura suspendeu o alvará de demolição. Muitos fatores determinaram o sucesso da mobilização. Ela nos mostrou que, se nos organizarmos e reivindicarmos o que acreditamos, somos capazes de colaborar na construção das políticas públicas. A gente cobra, cobra, cobra do poder público… A gente precisa levantar e fazer.

Pedaço da Vila: Como você sente essa relação de vizinhança no bairro?

Vanessa Gomes: Eu cresci aqui na Vila Mariana brincando pelas ruas, indo sozinha para a escola. Eu tenho a sensação de que a vila era mais integrada. A gente começou a ficar acuado, como se o território de livre circulação tivesse sido reduzido. Existem áreas no bairro que preservam uma relação forte de vizinhança, mas elas estão desaparecendo a cada ano. O bairro está sendo desfigurado muito rápido. Aqui, na Chácara das Jaboticabeiras, essa relação forte de vizinhança permanece e nos dá muita segurança, pois a comunidade ocupa e zela pelo espaço público. Os vizinhos não ficam trancados dentro de casa. Essa relação é um ponto de partida para refletirmos sobre as relações humanas e modelos de desenvolvimento.

 Edição 193 – Mai/201

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.