Siddho Thereza e Aruanan Alex Possato

Os consultores e terapeutas, que moram e atendem na av. Cons. Rodrigues Alves, utilizam-se da Constelação Familiar para resolver diversos conflitos. A seguir, eles apresentam este sistema terapêutico que busca trazer à tôna o que está oculto nas relações familiares e organizacionais. E falam sobre as Ordens de Amor, ligações entre o indivíduo e seus antepassados e que refletem no cotidiano de cada um

Pedaço da Vila: O que é constelação familiar?

Siddho Theresa: É um método terapêutico criado pelo alemão Bert Hellinger, que vai além da superfície, do comportamento, além das crenças, que permite mostrar o que está oculto nas relações de um sistema, que pode ser familiar de ou outro tipo de organização. Um grupo de amigos é um sistema, a sociedade é um sistema, uma empresa é um sistema… Os planetas e o sol formam um sistema. Sempre existem regras neles, porém, a gente desconhece estas regras. Para pesquisar o sistema solar, é necessário observar e deduzir estas regras. A mesma coisa acontece com o sistema familiar e em outros sistemas sociais. A constelação familiar demonstra que existe uma ligação muito mais profunda entre os membros de uma família que é regida por um sistema e que possui algumas regras. A constelação mostra essas regras atuando, independente se a gente acredita nisso ou não. O reconhecimento dessas ordens e a aceitação profunda dos acontecimentos é o fator que possibilita a harmonização das famílias e das organizações em geral. As constelações mostram que geralmente os problemas são causados porque deixamos de aceitar: a atitude de alguém; um fato trágico, uma separação, uma traição, ou algo do gênero. Aceitar não significa concordar com a atitude que nos incomodou. Não estamos falando de certo ou errado, mas de esconder um sentimento, excluir uma pessoa e ficar magoado. A mágoa carregada dentro de um sistema familiar ou organizacional gera problemas posteriores. Por isso é importante simplesmente aceitar, entendendo que a vida é dinâmica, tudo é mutável e o que aconteceu no passado é simplesmente um acontecimento… Do passado.

P.daVila: Quem é Bert Hellinger?

S.T: Bert Hellinger nasceu em 1925. Ele sempre quis ser padre, isto era claro para ele e depois de voltar da 2ª Guerra ingressou numa Ordem de missionários e foi para a África do Sul, onde trabalhou como professor e também pároco. O que me impressiona em sua história é que ele sempre esteve em busca de crescimento interior. Isso o levou a ir cada vez mais fundo, dedicando-se intensamente, primeiro na igreja e, depois que conheceu a dinâmica de grupo, estudando psicanálise. Ele trabalhou a si mesmo, conheceu várias outras terapias, como por exemplo, a gestalt, e foi quando decidiu que não poderia mais permanecer na igreja. Foram vinte e cinco anos de sacerdócio. Saiu da igreja, casou-se e dedicou-se ao estudo e aplicação de diversas terapias. Até hoje Hellinger continua a desenvolver o trabalho, aos 82 anos de idade, divulgando a Constelação Sistêmica em seminários pelo mundo afora. Inclusive estará no Brasil em setembro deste ano.

P.daVila: Como é aplicada a terapêutica da Constelação Familiar?

Aruanan Alex Possato: Tanto em questões de conflitos familiares, como desentendimentos, brigas por herança, desarmonia entre casais, dificuldade de encontrar um parceiro, até em questões envolvendo educação de filhos, tendências suicidas, doenças diversas, traumas provocados por perdas, dificuldades financeiras etc. A constelação sistemica é um método que vai além de terapia. Hoje na Europa é utilizada também em consultoria de empresa e até em escolas. Como já falei anteriormente, em todos os tipos de organização existe um sistema, e cada sistema pode ser constelado, descobrindo ema- ranhamentos que às vezes impedem o fluir natural das Ordens de Amor e a plena realização desta organização, como um todo.

P.daVila: O que são Ordens de Amor?

S.T.: Regras sistêmicas! Não regras a serem respeitadas com a cabeça, mas sim com o coração. As Ordens do Amor, quando respeitadas com a alma, significam o amor fluindo, do pai para o filho, do filho para o filho do filho… Desta forma, ocorre uma harmonização entre os membros, que pode representar a cura de doenças ou a solução de problemas. O que é mais importante na constelação são as ligações com os avôs, os pais, os irmãos dos pais e os filhos. Também é muito importante os relacionamentos que os pais tiveram antes do casamento. As ligações emocionais são uma ligação da alma.

P.daVila: Qual o foco do trabalho ?

A.A.P: Buscar o equilíbrio interior com a realização exterior, o estado de bem-estar. Entendemos que um ser humano só se sente realizado quando o seu relacionamento consigo mesmo for honesto e positivo e, ao mesmo tempo, suas relações com parceiros, família, filhos, colegas de trabalho, meio-ambiente, com o dinheiro e a profissão, também estejam congruentes com os desejos mais profundos. Muitas pessoas perseguem os objetivos de vida dos pais, de amigos ou alguma outra referência imposta pela sociedade, e isto acaba gerando insatisfação, porque não é realmente o desejo próprio. Para que a verdadeira missão de vida se faça presente, é importante o auto-conhecimento, o domínio das emoções, uma auto-aceitação plena e, a partir disso, a valorização das qualidades e habilidades que todo ser humano possui.

P.daVila: Em quais casos ela se mostra eficiente?

A.A.P: A constelação trabalha com fatos: morte precoce, acidentes, situações traumáticas, aborto, suicídio, depressão, exclusões de pessoas que, por exemplo, cometeram algum delito e a partir deste momento não foi mais aceita dentro da família. A constelação demonstra que todas as pessoas que participam deste sistema têm o direito de pertencer a ele, e que se forem excluídas, a cobrança virá nos descendentes – filhos, netos… Isto é uma das regras sistêmicas. O sistema é justo e busca o equilíbrio natural, e se foi feito uma injustiça, isto será cumprido posteriormente. Além da questão da exclusão, existe também na constelação a necessidade do equilíbrio entre o dar e receber. Assim, em primeiro lugar, vêm os pais, depois os filhos. Os pais são os mais velhos na hierarquia, eles são os “grandes”. Os filhos são os “pequenos”. Os pais dão, os filhos recebem. O que os pais dão é sempre maior do que os filhos poderiam dar em troca. Os filhos só podem retribuir o que receberam dos pais depois, quando têm os próprios filhos ou dando para outras pessoas, conforme o caminho de vida que eles escolheram. Isto simplesmente é assim. Se o filho não respeita o pai, se ele quer ser melhor que o pai, irá provocar uma desarmonia no sistema. Esse respeito não tem nada a ver com inteligência, é um respeito à posição do pai, que veio primeiro e por isso sempre estará em posição acima do filho. Não significa que o pai está certo ou errado, é melhor ou pior, não tem a ver com comportamento ou atitudes. Independente do que o pai fez, pai é o pai, e deve haver um respeito natural.

P.daVila: Vivemos em uma sociedade em que é comum as separações e a desarmonia familiar. De que forma a Constelações Familiares Sistêmicas organiza este processo?

S.T.: A questão não é comportamental: não é preciso voltar ao tempo do casamento até o fim da vida, mas é preciso aceitar com honestidade a separação, e haver respeito entre as partes que se separaram. Nas constelações, percebemos que quando as Ordens são restabelecidas, o amor flui de novo, e as pessoas modificam a sua forma de ver a família, ver a si mesmas e ver a vida em geral. Estão centradas, inteiras, completas. Quando os casamentos são feitos e desfeitos, geralmente as crianças sofrem com isso, porque não sabem mais a quem pertencem, ou ficam no jogo entre o pai e a mãe, quem está certo ou errado… A pergunta é: a quem elas pertecem? A resposta para a criança é muito importante. Ela tem pai e tem mãe, e sempre terá, mesmo que os pais se separem! A criança sempre quer ver os pais juntos, mas a separação dos pais não é problema! O que importa é a forma como as pessoas se separam e como transmitem o processo para os filhos. Este assunto é dos pais, não dos filhos. Eles continuam sendo pai e mãe. Caso contrário, sistemicamente o filho ou filha terá a tendência de ocupar o lugar do pai ou da mãe ou ainda se sentir culpado pela separação deles. A criança foi concebida pelo amor que os pais tiveram um dia e este amor se perpetua nos filhos – mesmo com os pais separados! A Constelação Sistêmica trabalha a estrutura familiar, mostra que as crianças devem estar no lugar de filhos em todo o processo de separação, em vez de receber uma responsabilidade que é dos pais. Pegar a responsabilidade do outro é um dos emaranhamentos que causam problemas, no futuro.

A.A.P: As constelações sistêmicas mostram a necessidade de uma maturidade emocional da sociedade. Desde os grupos familiares, passando pelos grupos profissionais, empresas, cidades, países… Estamos todos interligados a um sistema que influencia e é influenciado por nós. Hellinger diz que nós não somos uma “alma”, somos a “Alma”. O equilíbrio desta grande alma depende do equilíbrio individual de cada um. E para isso é necessário uma aceitação profunda das coisas como elas são. Aceitar os pais, a si mesmo, os acontecimentos familiares, os erros e acertos, os traumas e dor… Como também a alegria e a vida! Aceitar as diferenças, as verdades que divergem da nossa opinião. Qualquer coisa, em qualquer sistema, que excluímos ou escondemos, acaba se manifestando mais tarde dentro do mesmo sistema. Seja dentro do pequeno núcleo social, seja num nível maior e mais abrangente. Assim funcionam as Ordens de Amor.