Presidente do Instituto de Engenharia, Dr. Paulo Ferreira

Diante de tantas construções pelo pedaço, fomos conversar com o presidente do Instituto de Engenharia, Dr. Paulo Ferreira, para saber sobre os impactos ambientais que a Vila Mariana pode sofrer futuramente com essa destruição em uma região farta em córregos, nascentes e lençol freático. E se é verdade a possível venda do terreno onde se encontra a sede do IG, localizada na área de tombamento do Instituto Biológico

Pedaço da Vila: Quando o Instituto de Engenharia chegou à Vila Mariana?

Paulo Ferreira: O Instituto de Engenharia é uma instituição da sociedade civil que não tem vínculo político com ninguém. O IE tem 106 anos de existência e desde cedo busca o desenvolvimento, o bem-estar e a qualidade de vida da população. O primeiro presidente foi Paulo Souza e o segundo Ramos de Azevedo. A tradição do instituto se deve a esse nascimento bem-sucedido em que foi percursor de várias iniciativas — em 1930, o instituto de engenharia já falava sobre um metro em São Paulo! A COSIPA e a Escola de engenharia Mauá, criada aqui dentro, foram outras iniciativas Nossa missão é desenvolver a engenharia e a tecnologia em solo nacional.
A Vila Mariana é um bairro simpático… tinha inveja na época em que morava no Cambuci (risos). Então, eu já frequentava muito o bairro, mas o IE chegou na década de 1980 da seguinte maneira: nós tínhamos uma propriedade onde hoje é o fórum criminal no viaduto Ana Paulina, e o prédio era divido em duas partes, uma da Fiesp e a outra nossa. Foi quando o governo desapropriou o prédio. A Fiesp, como uma entidade forte do ponto de vista econômico, recebeu o valor da desapropriação e fez seu prédio na Avenida Paulista; já o Instituto de Engenharia não tinha essa situação econômica, e nós discordamos do valor apresentado para aquele prédio e começamos a negociar. Os valores foram discutidos por um longo tempo e em determinado instante o governo decidiu que uma parte do valor que era devido seria trocada pelo terreno ao qual nos encontramos hoje.

Pedaço da Vila: Toda essa área pertencia ao Instituto Biológico e o terreno foi desmembrado pelo governo do estado e doado…

Paulo Ferreira: Exatamente, para diversas entidades

Pedaço da Vila: Fale sobre o trabalho ambiental da instituição.

Paulo Ferreira: O Instituto de Engenharia sempre cuidou e preservou muito a área ambiental, não só aqui em nossa sede, como também na sede de campo na represa Billings, que tinha o objetivo de cuidar da represa – acabamos nos desfazendo há pouco tempo dessa sede de campo. Todas as intervenções aqui são regularmente colocadas diante das autoridades e recebem o licenciamento ambiental para fazer os processos. Por exemplo, há pouco tempo houve um caso de árvores que estavam condenadas e foi constatado que elas ofereciam perigo. Pois bem nos contratamos uma empresa que fez todo o laudo das árvores, buscamos a prefeitura para obter o alvará para retirá-las e, mesmo assim, nós fizemos uma série de plantios em volta do instituto para repor a retirada. Foram plantadas árvores nativas e as que estavam em boas condições foram mantidas e catalogadas por nós e todas seguem sendo cuidadas.
Procuramos ao máximo preservar essa parte ambiental, mas também enfrentamos certas dificuldades, pois não podemos deixar esse terreno sem utilização plena. Agora mesmo fizemos essa nova abordagem, com as quadras de Beach Tênis que é um esporte necessário e é aberto para quem quiser alugar.

Pedaço da Vila: Temos também a presença do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo) no Instituto de Engenharia….

Paulo Ferreira: Exatamente! O CREA está sediado aqui também, é uma instituição que presta um bom serviço para a engenharia e acabou de ampliar a sua área, temos também o estacionamento…. Enfim, é uma área com uma utilização plena! Muitos eventos são feitos aqui, inclusive os ambientais. Muitas decisões ambientais são tomadas aqui dentro e nós temos uma divisão que trata especificamente disso. Todos os programas ambientais, como por exemplo o Proálcool, foram discutidos aqui e tiveram grande participação do instituto na sua formatação. Esses dias recebemos a visita do presidente da associação dos usineiros de álcool e ele falou sobre os programas do etanol nacional que visam a menor poluição e a diminuição do uso de petróleo. Fomos também a primeira instituição procurada pela mídia para explicar o caso cratera que abriu durante a construção do metrô em São Paulo.

Pedaço da Vila: Falando sobre isso, a prefeitura e os vereadores não levaram em consideração o que tem debaixo do asfalto no atual Plano Diretor Estratégico, e ainda dispensaram os estudos de impacto ambiental para licenciar novas obras. Estamos em uma região com muitos rios, nascentes e com farto lençol freático, por conta disso é só andar pelas ruas do bairro, entre esse aglomerado de novas construções, e perceber que o asfalto não sustenta, as ruas estão solapadas e vemos cada vez mais água boa do lençol freático pelo meio-fio escorrendo ininterruptamente. O que será no futuro?

Paulo Ferreira: A prefeitura já tem plano para macrodrenagem, acontece que é muito caro e a cidade tem o empecilho de ter crescido desenfreada e desordenadamente e com isso o processo de infraestrutura acaba ficando muito caro. Com o asfalto chegando cada vez mais à porta dos cidadãos, o solo acaba impermeabilizado, levando mais água aos córregos, rios e afluentes e causando enchentes. Acabamos não tendo alternativa. Em relação ao bairro, as associações têm um papel fundamental nesse aspecto, mas a área ambiental desse pedaço traz complicações, é preciso analisar os prós e os contras: a todo impacto é necessário corresponder um amortecimento, uma contrapartida. Por exemplo: se é necessário a retirada de 10 árvores para a construção de uma obra, outras 150 tem que ser plantadas em algum local designado, isso está na lei.

Pedaço da Vila: No entanto as compensações ambientais são sempre feitas tão longe das obras designadas…

Paulo Ferreira: O local é discutível por conta do espaço disponível das áreas, o correto é o plantio ser feito na mesma bacia na qual a obra se encontra, às vezes você planta em bacias diferentes, mas o benefício é existente da mesma forma.

Pedaço da Vila: Foi aventada a possível venda do terreno do instituto de Engenharia. Isso procede?

Paulo Ferreira: O problema do terreno é o seguinte: nós não podemos deixar um patrimônio deste ocioso nem para o bem e muito menos para o mal. Acontece que se houver uma proposta decente, razoável e que agrade o instituto, ele vai poder analisá-la. O terreno está no raio de influência do Instituto Biológico, em uma área tombada, então a vizinhança pode ficar tranquila que o instituto vai seguir todos os passos da lei.

Pedaço da Vila: Qual o limite de altura que é permitido construir?

Paulo Ferreira: Acredito que no máximo seis andares.

Pedaço da Vila: Mas já existe algum projeto?

Paulo Ferreira: Inicialmente havia um projeto arquitetado pelo credenciado Rino Levy, mas hoje está obsoleto, já não atende mais as expectativas – mas talvez um dia ele seja analisado. Hoje as coisas estão mais modernas, prédios sustentáveis…  Acredito que a construção de prédios é inevitável dado ao crescimento continuo das cidades. O que o Instituto de Engenharia pode é tranquilizar os moradores da Vila Mariana e garantir que absolutamente nada que não seja permitido será feito, nos agiremos totalmente onde a lei permitir. Tanto que as quadras foram autorizadas pela prefeitura e o estacionamento aqui existe há muito tempo para evitar carros em frente das moradias e ajudar o fluxo local.

Pedaço da Vila: Embora o projeto do Colégio São Luís esteja dentro da lei, ele impermeabilizou o único terreno que ainda existia antes dos Parque Ibirapuera e com as fortes chuvas, a água tem invadido o hospital Dante Pazzanese, o que não acontecia…

Paulo Ferreira: Dizem que a cidade de São Paulo foi construída no lugar errado, ela tem muito pouca água. Ou seja, nossa disponibilidade hídrica [ quantidade de água disponível dividida pelo número de habitantes] é menor que a de muitos estados do Nordeste. Eu trabalhei por 30 anos na Sabesp e vou dar um exemplo de engenharia genial: o Rio Tietê não deságua no mar, o rio tem sua rota em direção ao interior e deságua somente no Paraná. A represa Billings é um projeto que armazenou a água do Rio Tietê e a do Rio Pinheiros juntas e sua tecnologia contribui muito até para o clima da região. Contudo, o crescimento desenfreado da cidade não cuidou do esgoto e do saneamento básico e, pelo rio ter o fluxo contrário ao do mar, acaba sendo complicadíssimo despoluí-lo, por mais que o projeto esteja em andamento. Isso por que as cidades metropolitanas ao nosso redor têm seus rios desaguando no Tietê e, até pouco tempo, não tinham projetos de despoluição. Agora a Sabesp começou a dar atenção e buscar a despoluição antes do deságue. O processo acaba sendo difícil, demorado e nós vemos nossa grande fonte hidrográfica ser um rio muito complicado. Eu, por um acaso, tive atuação na despoluição do Córrego do Sapateiro que é o que deságua no parque Ibirapuera!

Pedaço da Vila: A Associação de Moradores da Vila Mariana está empenhada em protegê-lo!

Paulo Ferreira: Em relação aos lençóis freáticos, eles são o que alimentam os córregos, eles existem debaixo do solo. O problema é a impermeabilização porque quando há chuva, ele inunda as redondezas — a sorte é a existência dos lagos no parque, que são o amortecedor dessa água toda, e que no final ela acaba indo para onde devia ir naturalmente.

Pedaço da Vila: Segundo dados, 80% dos buracos das ruas são culpa da Sabesp, inclusive sujeitos à multa aplicada pela prefeitura. Porém, é perceptível que esse licenciamento de obras desenfreada, sem preocupação com o impacto ambiental, está prejudicando a própria Sabesp, já que muitos desses buracos são causados pela falta de estudos ambientais que deveriam ser feitos pela própria prefeitura. Água satisfatória desaguando em rio poluído…

Paulo Ferreira: Várias empresas têm suas ações debaixo do solo (Sabesp, Enel, Comgás, empresas telefônicas de internet), o correto seria uma coordenação geral para um projeto ir para frente. São Paulo pode ser um Estado em boas condições, mas nós vivemos em um país pobre onde problemas de infraestrutura são muito difíceis de serem resolvidos, principalmente pelo preço e nesse ponto de vista econômico atual. Nossas leis de licitação até melhoraram um pouco, mas ainda é muita burocracia e os processos continuam sendo muito demorados.

Pedaço da Vila: Para finalizar: é verdade que existe uma nascente no terreno do Instituto de Engenharia?

Paulo Ferreira: Qualquer lugar que você furar o solo aqui na região do nosso terreno vai sair água, não é necessariamente uma nascente e, sim, o lençol freático que está cheio, tanto é verdade que o córrego passa aqui, atrás do terreno. Sabe como um córrego é formado? A água flui entre os rios e os lençóis freáticos e desce o vale até o parque do Ibirapuera, que é a várzea do Rio Pinheiros. O rio desce as montanhas e tem seu deságue final em grandes lagos, assim como os diversos córregos.  É como diria Saturnino de Brito [engenheiro referência no processo do saneamento básico do Brasil]: As enchentes não existem, o que existe é a invasão do homem na várzea.