MONJA DZAU DZAN

Escondido nos fundos de um grande terreno da rua Rio Grande, 498, está um dos locais mais exóticos da cidade, o templo budista Tzong Kwan. Com arquitetura semelhante ao dos templos chineses, e com todos os detalhes da decoração e do altar trazidos das cidades de Taipe e Eilang, o templo está sob a gestão de duas monjas: a chinesa In Tse e a argentina, Dzaudzan, que nos recebeu para falar sobre o budismo Mahayana, predominante no Japão, China, Vietnã e Coréia, sobre seu fundador, Pu Hsien, e ainda, contar o caminho que percorreu até ser ordenada monja

Pedaço da Vila: Quem fundou o templo Tzong Kwan?

Mestra Dzaudzan: Esse templo foi fundado em 29 de outubro de 1993 pelo Venerável Mestre Pu Hsien, de Taiwan. Ele, hoje com 67 anos, se retirou da vida mundana após concluir o ensino secundário para se dedicar ao estudo de textos budistas e à prática da meditação. Próximo aos seus 20 anos, decidiu ordenar-se monge. Quando cumpriu o período de formação de mestre, ordenou discípulos e foi escolhido para dirigir, como abade, o templo She Tuo Shang, em Taiwan. Paralelamente a essas atividades, viajou por vários países, onde transmitiu seus conhecimentos, despertando o interesse e a vocação nas pessoas. Em 1988, depois de permanecer por três anos nos EUA, foi à Argentina e, apoiado pela comunidade chinesa, fundou o templo Tzong Kwan — que quer dizer sabedoria. Em 1990 comprou esse terreno na Vila Mariana. Atualmente, ele mora em Taiwan e continua viajando muito, inclusive esteve aqui, no templo, no ano passado.

P.daVila: Fale sobre o budismo e seus conceitos.

Mestra Dzaudzan: O budismo tem 2500 anos e surgiu quando Buda, que nasceu na Índia, começou a predicar a  doutrina descoberta por ele, por não estar de acordo com alguns dos princípios das religiões vigentes na época. Com o tempo, essa doutrina que ele anunciou foi chamada de budismo. Passados 500 anos da sua morte, iniciou-se a compilação do que ele falou — já que, até então, não existia ainda a escrita, e os conhecimentos eram passados de forma oral. Com a doutrina compilada, muitas mudanças e interpretações foram feitas, motivo pelo qual surgiram várias escolas. No entanto, somente duas permaneceram. Uma delas é a escola chamada Mahayana, ou grande veículo, que foi a que se desenvolveu no Norte da Ásia, no Japão, na China, na Coreia e no Tibete. O outro ramo do budismo é chamado budismo Theravada, ou pequeno veículo, que existe no Sri Lanka, sudeste asiático. Portanto, o budismo floresceu em duas escolas e em lugares diferentes. Na China, ele surgiu na era cristã e, com o passar dos séculos, muitas escrituras foram perdidas e outras conservadas.

P.daVila: Qual é a diferença entre as duas escolas?

Dzaudzan: É uma diferença de interpretação de alguns preceitos e, também, distinções em relação à prática. Os monges Theravadas, por exemplo, têm o costume de mendigar a comida e morar nas florestas. O principal objetivo deles é atingir um determinado nível de elevação espiritual chamado de Arhat. Já o Mahayana não vive isoladamente, e os monges têm como propósito chegar a ser um Buda. Para tanto, eles se baseiam no princípio de ajudar os outros seres a chegar à iluminação. Portanto, é uma prática mais em conjunto com as pessoas, não é uma prática isolada. Essa é a grande diferença.

P.daVila: E quais dessas linhas e práticas do budismo são seguidas no templo Tzong Kwan?

Mestra Dzaudzan: Segui-mos o budismo chinês, isto é, o Mahayana. Nossa principal prática é a meditação. Estudamos, meditamos, fazemos cerimônias e traduzimos textos budistas que são aplicados nas aulas de meditação.

P.daVila: Para se tornar budista é necessário ser vegetariano?

Mestra Dzaudzan: A alimentação não é propriamente um tema muito importante, mais nosso mestre aderiu à dieta macrobiótica há muitos anos, portanto ele aconselha as pessoas em relação ao ato de comer. De um modo geral, os budistas recomendam o vegetarianismo por ser bom para a saúde, uma vez que ele inspira a mente a ser mais compassiva com todos os seres viventes. O budismo promove o respeito à vida de todos os seres. Para os monges do budismo chinês, a dieta vegetariana é obrigatória, mas isso não significa que para ser budista isso seja necessário.  

P.daVila: Quais são os princípios da filosofia budista? 

Dzaudzan: O principal princípio é o conceito de karma e de retribuição. Todo o resto da doutrina se contextualiza na ideia de que a purificação do karma gera a boa retribuição — conceito de causa e efeito. As más ações engendram más retribuições e fazem o karma piorar. Como consequência disso, o renascimento não acontecerá em boas condições, ou seja, ocorrerá em situações precárias, de sofrimento. Portanto, quanto melhor for uma pessoa, quanto mais positivas forem as suas ações, mais ela acumulará boas retribuições para essa vida e para as próximas, e, com isto, melhorará o seu karma. De acordo com o budismo, o que transmigra de uma vida para a outra são as ações, e não a identidade e a individualidade. Isso significa que em uma próxima vida a pessoa pode se manifestar com outra raça, nacionalidade e sexo, mas a condição para essa vida vai depender de suas ações anteriores. 

P.daVila: Quando a senhora decidiu se tornar monja?

Mestra Dzaudzan: Depois de permanecer um tempo no templo da Argentina, decidi ser monja budista. Viajei para Taiwan, morei lá por quatro anos, onde me ordenei. Voltei para a Argentina em 1993, época da inauguração deste templo. Depois de alguns ‘mestres’ — ou anos como dizem os não budistas —, voltei ao Brasil para morar. Eu já havia residido aqui quando me casei e tive meus filhos. Faz três anos que moro nesse templo. Costumo dizer que o meu karma está entre a Argentina e o Brasil. 

P.daVila: Como é a formação de um monge?

Mestra Dzaudzan: Dentro do budismo chinês não existe um período fixo para a formação de um monge, mas uma adaptação de vida, quando passamos a morar no templo por optarmos pela reclusão. Os monges ou monjas convivem entre si, ajudam nas tarefas e podem, se quiser, estudar em uma universidade budista. Depois desse período de aprendizagem, que irá depender tanto do mestre quanto da facilidade ou não de adaptação do discípulo, vem a ordenação como noviço ou noviça. É quando o mestre raspa o cabelo do discípulo, dá a ele as roupas próprias de monge e seus utensílios. Nessa cerimônia, ele também abandona sua vida de leigo e recebe um novo nome. Depois disso, haverá outro período de aprendizagem e prática, até o mestre indicar a data da ordenação, que será realizada em outra cerimônia, quando se é reconhecido pela prática e conhecimento do cânone budista. Todo esse processo de ordenação é realizado segundo a tradição chinesa.

P.daVila: Como foi esse seu processo de transformação?

Mestra Dzaudzan:: Senti e sinto uma diferença muito grande entre ser monja e ser leiga, a prática cotidiana é o dia inteiro. Tudo aquilo que a gente lê, vê e escuta é verdade, não é história. Percebo que aos poucos vamos vivenciando tudo o que o Buda ensinou e de que os mestres falam. Essa transformação demanda muita persistência e paciência, é uma luta diária. Para que a transformação ocorra, é necessário perceber os erros que precisam ser reparados com muita humildade e paciência, sobretudo no contexto dos relacionamentos, que são passíveis de divergências de opiniões. É um trabalho difícil, mas que leva a um final feliz, o que considero uma raridade na vida.

P.daVila: Isso quer dizer que não adianta se tornar um ser iluminado em meio a espíritos sofredores? Que é preciso transformar o próximo para o nosso crescimento espiritual?

Mestra Dzaudzan: O budismo Mahayana considera muito importante a ajuda ao outro para que a evolução seja mútua. Acredita-se que, se a pessoa fizer um trabalho sozinha, o resto ficará para trás. Para nós, é crucial o trabalho em conjunto para que todos evoluam na medida do possível, pois cada indivíduo tem o seu tempo.

P.da Vila: O templo oferece alguma atividade externa?

Mestra Dzaudzan: Sim, e convido os leitores do Pedaço da Vila para conhecer o nosso espaço, cujo horário de funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 14 às 16h30. Aos sábados damos aulas de meditação e palestra das 18 às 19h30, e aos domingos, das 9h30 às 12h, gratuitamente.