Maurício Pinterich

Ao se despedir da Vila Mariana, o subprefeito prestou contas de um ano de gestão à comunidade, em um evento realizado na Cinemateca Brasileira, dia 29 último. Na oportunidade, apresentou alguns números: foram feitas 1.700 autuações, 220 lacrações e 87 embargos de obras. Foram tiradas 28 mil faixas das ruas, limpas 48.066 bocas-de-lobo, removidas 4.402 toneladas de entulho, tapados 15.622 buracos e pavimentados 63.800 m2 de vias. Além de atender, pessoalmente, 336 munícipes e associações de bairro. Embora os números demonstrem grande trabalho nesse período, foi nesta entrevista, exclusiva, que ele falou sobre os projetos que mais gostou de comandar e sobre sua saída,  para ser pré-candidato a deputado estadual

P.daVila: Depois de um ano de administração, como o sr. analisa a Vila Mariana?

Maurício Pinterich: Eu iniciei meu mandato na Vila Mariana, no dia 2 de fevereiro de 2009, vindo da experiência de três anos como subprefeito do Butantã, depois de, em 2005, coordenar as sete Subprefeituras da Zona Sul de São Paulo, na implantação do governo Serra, com o secretário Walter Feldman. Anteriormente, fui prefeito por dois mandatos em Piraju, cidade do interior de São Paulo onde nasci, onde, em 1993, fui secretário de obras. Eu conhecia a região da Vila Mariana, mas assim que cheguei ao bairro, senti uma diferença muito grande em relação ao Butantã, que é uma amostra perfeita da cidade de São Paulo, pois tem o distrito do Morumbi e, também, 82 favelas, literalmente construídas sobre córregos. Percebi, na Vila Mariana, a forte presença de classe média e média alta, e a presença mínima de aglomerados – os de Mario Cardim, Souza Ramos e Mauro I e II, todos bem consolidados ao longo dos anos, com uma população carente, mas que não apresentam áreas de risco, como os do Butantã.

P.daVila: O que mais lhe chamou a atenção no distrito da Vila Mariana?

M.P.: Foi a forte presença do comércio ambulante irregular, principalmente nas áreas próximas às estações de Metrô, e em torno de hospitais, clínicas e institutos voltados à área de saúde. Na Vila Mariana existem cerca de cinco dezenas desses institutos, incluindo as instituições para deficientes. Creio que é a maior concentração desse tipo na América Latina. Justamente, pela grande circulação de pessoas nessa região, existe um nicho de mercado, e o comércio irregular se implanta. Nós intensificamos as fiscalizações, o que culminou com a contratação de uma equipe terceirizada para ajudar nossos fiscais, que são poucos, e conseguimos um excelente entrosamento com a Guarda Civil Metropolitana. Depois de minha chegada ao bairro, a GCM passou a ter a incumbência, hoje institucionalizada, de combater o comércio irregular e fazer a apreensão. Atualmente, estamos com nossos depósitos abarrotados, foram 3.180 apreensões! Ao contrário do que muitos pensam – de que o comerciante irregular é um desem-pregado em busca de sustento -, descobrimos que 98% dessas pessoas recebem 20 reais por dia de grandes empresários mafiosos, que trabalham na clandestinidade. Eles exploram e obrigam os ambulantes a ficarem nas ruas, de sol a sol, sem registro em carteira, vale-transporte, auxílio-alimentação; sem receber nenhuma contribuição social; comercializando produtos alimentícios sem vigilância sanitária e produtos de origem duvidosa, através de contrabando, pirataria e roubo de carga. É a máfia organizada! Neste ano, teremos a segunda da equipe terceirizada e, além disso, estamos usando bastante o serviço de inteligência da polícia, através do qual já identificamos alguns centros de distribuição de material irregular. Teremos, nos próximos dias, operações que vão estourar esses centros.

P.daVila: O que mais diferencia nossa região?

M.P.: É a presença forte de moradores de rua – uma realidade que não havia no Butantã. São realidades bem diferentes. Na Vila Mariana, muitas vezes por conta da população flutuante, o morador de rua sempre acha alguém que lhe ofereça uma moedinha e acaba encontrando um meio de sobreviver. Esse problema, além de ser uma causa humanitária, é uma questão social muito séria e, por isso, embora não seja função da subprefeitura, começamos a buscar, junto com as assistentes sociais que têm atuação aqui na região, o entendimento, para tentar ajudar. E, por meio de reuniões e muitas conversas, percebi que a situação vai muito além daquilo que parece ser mendicância e indigência. Existe certa dificuldade para as assistentes sociais encontrarem uma solução, pois nós temos casos de moradores de rua explorando menores; pais e mães de ruas que adotam, sequestram, raptam crianças para obrigá-las a pedir dinheiro. Fatos que devem ser encaminhados ao Conselho Tutelar e à polícia. Além da exploração, entra a questão do tráfico de drogas controlado pelos moradores de rua e usuários, por pessoas com problemas de alcoolismo, doentes mentais e moradores deficientes de verdade – fora a grande presença dos falsos cadeirantes. Então, logo percebemos que o problema envolve outros segmentos e outras autoridades para ser resolvido. A partir daí, tomei a iniciativa de fazer uma reunião, convidando os delegados dos distritos policiais, polícia civil e militar, os coronéis dos batalhões, o pessoal da coordenação da saúde, o conselho tutelar, a coordenadoria da Assistência Social, o pessoal do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), que faz muitas remoções nas ruas-, o pessoal do Centro de Controle de Zoonoses – muitos têm animais de estimação -, a GCM e a Presença Social nas Ruas, uma ONG contratada pela secretaria de Assistência Social, que faz visitas em campo e cadastra os moradores de rua para um mapeamento. Essa ONG fez o apontamento de que o bairro da Vila Mariana possui 380 moradores de rua, que mudam seus itinerários, mas permanecem sempre pela região. Fizemos esse encontro para expor o problema, ouvi-los e proporcionar uma integração para trabalharmos unidos. Convidei também três moradores de rua que são ligados a uma instituição que eu acompanho há mais de 25 anos. Sou amigo do padre Henrique e do padre Antonello, que fazem um trabalho com moradores de rua, com idosos e crianças abandonadas. Eles já tiraram muita gente da rua. São missionários que chegam a dormir com os moradores nas calçadas, para estabelecer um vínculo de confiança. Depois disso, levam essas pessoas – que acabam indo, pelo carinho gratuito que recebem -, para conhecer as instituições. Quero encontrar pessoas dentro da corporação que tenham o desejo de trabalhar com esse problema.
Então, no final da primeira reunião, pedi que os três moradores de rua se apresentassem, e um deles, o Roberto, contou toda a sua história: que desde a infância apanhou muito do padrasto e por isso acabou indo para a rua, onde passou fome, aprendeu a furtar e, conforme foi crescendo, cheirou cola, usou drogas, roubou, matou e acabou sendo preso. Dentro da cela foi estuprado e, depois de um tempo, foi jogado na rua novamente , onde foi encontrado pelos missionários. Foi quando ele percebeu, pela primeira vez, um carinho de verdade, casou-se com uma mulher que conheceu na instituição e, hoje, eles abrigam 12 moradores de rua em uma casa, sem contar que já tiraram mais de mil pessoas das ruas, ao longo de nove anos.

P.daVila: As reuniões continuam acontecendo?

M.P.: Sim, já fizemos 14 reuniões! Somos um grupo que, ao invés de diminuir, cresceu! Algo muito legal foi o seminário em que cada grupo listou suas competências e, a partir daí, fizemos uma lista dos diagnósticos possíveis para a atuação nas ruas. Aí começamos a fazer visitas pelas ruas e, em uma delas, conhecemos um catador de papel que contou que era pedreiro, morava na Bahia com a mulher, quando descobriu que ela o havia traído com o próprio irmão. Para não matar os dois, largou tudo e veio para São Paulo em sua caminhonete. Chegando aqui, ele se hospedou em um hotel e começou a procurar trabalho. Depois foi para uma pensão e, como não arrumava trabalho, vendeu sua caminhonete, até acabar na rua catando papel. Seu sonho era poder ter um trabalho fixo, uma casa para morar e poder rever os dois filhos adolescentes que deixou na Bahia. Mas daquele jeito, não queria aparecer. Depois desse encontro, tive a ideia de chamar os doze empresários que têm contrato com a subprefeitura. Contei a eles toda a história do grupo, com o propósito de abrirem vagas de trabalho para os moradores de rua. O catador de papel acabou sumindo, talvez ele tenha aparecido para me inspirar a pedir ajuda e ampliar o grupo. Agora, o que precisamos para continuar o trabalho é de um espaço, um local fixo para que profissionais de saúde possam atender esses moradores. Será um lugar ao qual moradores de rua com problemas de saúde possam recorrer. Acredito que, com uma instituição formalizada, eles receberão melhor tratamento. Já fomos atrás de dois espaços: um terreno que fica aqui, ao lado da Casa Eliane de Grammont, que eu já mostrei para Alda Marco Antônio. Ela, inclusive, está muito entusiasmada e apoiando esse trabalho. Outro terreno é um lar para idosos que pertence ao Fundacentro, localizado na rua Mauro. Trata-se de um prédio de três andares, imenso, com anfiteatro para 200 lugares, que estava abandonado e praticamente está pronto para atender os vários segmentos que envolvem o morador de rua. Como pertence ao Estado, estamos aguardando a liberação do governador.

P.daVila: Mas o senhor está deixando a Subprefeitura…

M.P.: Vou deixar a subprefeitura, mas não vou largar esse projeto! O melhor é que todos estão muito entusiasmados, porque há anos estão trabalhando com isso, mas nunca conseguiram juntar tantas forças! Estou deixando meu mandato de subprefeito e vou para a campanha interna de pré-candidato a deputado estadual. Já estou trabalhando no sentido de planejamento e estrutura. Vou atuar no interior da região onde fui prefeito.

P.daVila: Esse trabalho, que nem era competência do subprefeito, foi o que mais lhe entusiasmou?

M.P.: Sim, como ser humano e como administrador público. A subprefeitura é ponta de todas as políticas e acho que essa experiência pode se tornar um exemplo. Na última reunião, de despedida, fiz uma sugestão ao Cades (Conselho do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), e pedi para que passem a estudar, com o auxílio de técnicos, uma alteração no plano de retornos e de obras, com foco na Vila Mariana. Quero defender a qualidade de vida dessa região. Estamos com um grande processo de recapeamento de várias ruas, urbanização de 20 praças, que vai ter sua continuação no mandato do Cel. Manoel Antônio da Silva Araújo, que irá me suceder. Nós também já começamos a fazer comandos de orientação para que os bares e restaurantes não sirvam bebidas a menores.

P.daVila: Quais foram os outros projetos realizados durante sua gestão?

M.P.: O processo de revitalização da avenida 23 de Maio, que ainda não é muito visível. Há um projeto, pensado pelo prefeito, que vai se chamar Cidade Linda. Tem o propósito de fazer a urbanização de mil praças da cidade, na primeira fase. A meta é de 6 mil praças. As estufas de produção de mudas já estão sendo implementadas e nós estamos em fase de contratação. O prefeito quer tornar todos os canteiros de obras e praças floridos. São Paulo tem tudo para fazer isso, e é um estímulo à população.

P.daVila: Como deputado estadual o senhor também vai trabalhar estes projetos que iniciou na Vila Mariana de uma forma mais ampla?

M.P.: O deputado tem influência em várias áreas e eu não vou me esquecer dos moradores de rua. O poder público não finge que está fazendo, ele realmente cria uma política pública. Na Assembleia, eu posso combater mais duramente o comércio ilegal e a exploração de pessoas, sem me esquecer da Vila Mariana e do Butantã!