Falta de Espaço!
Está complicado trafegar pelas ruas do pedaço e, pelo jeito, as coisas só tendem a piorar: além dos novos edifícios que estão em fase de acabamento, mais três torres têm previsão de serem construídas no terreno da antiga fábrica das ceras Record. Tudo isso resultará em mais e mais carros nas nossas vias estreitas e já saturadas!
Antes formada por várzeas, chácaras e ruas de terra, um tranquilo pedaço da Vila Mariana, com sua tradicional vizinhança, sofre o ritmo alucinante de uma cidade que cresce sem planejamento, e vai perdendo, a cada ano, sua tranquilidade, segurança e áreas verdes……………..
O parque Ibirapuera (que oficialmente pertence ao distrito de Moema) foi ficando, devido ao crescimento, mais longe, o que trouxe à vizinhança a necessidade de um lugar ao sol para excercitar-se e reunir idosos, adultos e crianças, com direito a uma vida mais saudável e sustentável. Em vez disso, prédios e mais prédios são levantados – e cada vez mais altos!
A notícia de um novo empreendimento tem preocupado os moradores do entorno. Trata-se das três torres que poderão ser construídas no imenso terreno, por décadas vazio, encravado em plena área nobre da Vila Mariana – mais precisamente no perímetro da avenida Conselheiro Rodrigues Alves com as ruas Humberto I, Travessa Humberto I, Hildebrando T. Carvalho e Octávio de Moraes Dantas. Com 9 mil m², a área, dividida em dois lotes, abrigou a antiga fábrica de Cera Record (marca conhecida nos anos 40 e 50) e, atualmente, pertence à família Mofarrej.
No faraônico projeto está previsto um condomínio residencial de alto padrão, com 162 apartamentos e 655 vagas de garagem. A realidade é que o trânsito encontra-se cada vez pior nas estreitas vias locais, justamente em razão do adensamento imobiliário – imagine com a megaobra somada ainda ao lançamento residencial da rua Pelotas (n.º 209), cuja entrega de chaves está prevista para setembro deste ano. Dessa forma, haverá no total mais 184 apartamentos e 552 vagas de garagem, distribuídas em duas torres, que também farão divisa com as apertadas ruas Augusto de Freitas e Travessa Humberto I. Sem contar outros prédios em construção, em fase de conclusão, na avenida Conselheiro Rodrigues Alves e nas ruas Cubatão e Dr. Amâncio de Carvalho – por baixo, mais 1500 carros!
Os moradores do entorno já estão temerosos com os efeitos negativos, devido à futura sobrecarga no fluxo viário da região. “Essas obras terão um impacto devastador e vão piorar a qualidade de vida de quem mora no bairro. Pois vão gerar um movimento ainda mais absurdo em nossas ruas estreitas, que não comportam mais saída de carros”, reclama Flávio Carrança, residente há 20 anos na rua Otávio de Moraes Dantas.
Sua casa fica em frente ao terreno da antiga fábrica de cera Record. Com outros vizinhos, ele pretende em breve protocolar abaixo-assinado na promotoria de arquitetura e urbanismo, do Ministério Público Estadual, para embargar o mega-empreendimento a ser erguido no local. “Antes aqui era um paraíso, e o terreno ao lado estava preservado. Sem contar que uma obra desse porte pode abalar alguns imóveis mais antigos das ruas ao redor”, alerta.
Outros moradores antigos cogitam até mudar do bairro em razão da saturação. “Infelizmente, a explosão de lançamentos imobiliários só vai piorar o estresse de quem dirige e anda pelas estreitas ruas da Vila Mariana. Há dias em que mal consigo sair de carro da garagem, ou fico um tempão parada na própria rua de casa. Pretendo mudar para um bairro mais tranquilo e também com mais área verde”, planeja Eunice Commercio, moradora há 18 anos da por vezes engarrafada rua Humberto I.
O arquiteto Paulo Bastos, vice-presidente do Movimento Defenda São Paulo, confirma o impacto negativo que o adensamento imobiliário vai causar no sistema viário do bairro, devido as ruas estreitas. “A estrutura viária da Vila Mariana foi projetada para densidade baixa, ou seja, para casas térreas e sobradas. Cada vez que cresce a verticalização, sobrecarrega-se a infraestrutura viária do bairro”, avalia.
Para o urbanista, vias que mal comportam o tráfego atual, por causa da pouca largura, como a Conselheiro Rodrigues Alves, Humberto I e Tutoia, captarão a maior carga de veículos dos futuros empreendimentos. “Essas ruas terão um trânsito piorado principalmente nos horários de pico. Pois ficarão congestionadas na entrada e saída dos prédios, formando filas na garagem”, prevê Bastos.
Além do comprometimento da estrutura viária, os vizinhos dos novos empreendimentos também podem sofrer prejuízos, sobretudo os moradores de casas. “Dependendo da distância do novo prédio em relação aos imóveis vizinhos, vai se criar um paredão na frente das casas e, por consequência, perda de arborização, da privacidade, e alteração na ensolação. Por isso, o afastamento entre a rua e os prédios é essencial para manter a via com qualidade de paisagem”, aponta Bastos.
Uma das culpadas pelo colapso viário e imobiliário não só na Vila Mariana como em toda a capital, é justamente a falta de planejamento urbano para o crescimento ordenado da cidade. “É muito difícil impedir uma cidade como São Paulo de crescer. Mas, ao longo dos anos, a prefeitura não fez um planejamento urbano adequado. Agora, não se pode deixar a cidade crescer como o mercado imobiliário quer. Mas com uma política urbana de planejamento pelos próximos anos, para termos desenvolvimento e não apenas crescimento”, opina Ivan Metran Whately, engenheiro e especialista em trânsito do Instituto de Engenharia de São Paulo, com sede na av. Dante Pazzanese.
De acordo com ele, o trânsito nas ruas do pedaço ficará mais travado com os novos empreendimentos, mas o impacto poderá ser menos complicado e sentido em razão da proximidade com a estação do Metrô. “A cidade toda não tem mais infraestrutura viária para comportar empreendimentos de grande porte. Mas, sem planejamento e desenvolvimento urbano, não se consegue evitar esse tipo de obra. Além disso, o trânsito urbano registra recorde de automóveis e lentidão. Uma escapatória é o transporte coletivo de massa, como o Metrô, que deve continuar sua expansão pela região metropolitana”, recomenda. No entanto, o altíssimo padrão dos edifícios que serão lançados e a quantidade de garagens dos novos moradores demonstram que não será esse o meio de transporte dos novos vizinhos.
A obra do condomínio residencial previsto para o terreno da antiga fábrica de cera Record, ainda não está autorizada. O processo de alvará encontra-se em análise na Secretaria Municipal de Habitação (Sehab). Segundo a pasta, o pedido foi indeferido da primeira vez, em agosto de 2008, por falhas técnicas no projeto. Mas o proprietário interessado requereu a reconsideração do despacho, que está novamente em apreciação no Departamento de Aprovação de Projetos (Aprov) da secretaria. Não há prazo para sair o resultado.
A aprovação de construções e reformas, segundo a Sehab, segue as disposições da Lei Municipal n.º 13.885/04 e do Código de Obras e Edificações. Já para obras de grande porte, é necessária também a solicitação da Certidão de Diretrizes da Secretaria Municipal de Transportes, bem como a aprovação da Comissão de Análise Integrada de Projetos de Edificações e de Parcelamento do Solo (CAIEPS) e da Câmara Técnica de Legislação Urbanística (CTLU).
De acordo com a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a certidão de diretrizes do futuro condomínio da rua Humberto I com a Conselheiro Rodrigues Alves estabelece serviços de sinalização no entorno. As benfeitorias devem ser providenciadas pelo próprio empreendedor para a obtenção do Habite-se, e são respaldadas pela Lei Municipal n.º 10.506/88 – que dispõe sobre obras e serviços a serem executados no sistema viário em decorrência da implantação de empreendimentos e polos geradores de tráfego particulares. São elas: a revitalização da sinalização viária, a implantação de dispositivos de iluminação de travessia e de guias rebaixadas junto às faixas de pedestres, além de substituição de equipamentos e da rede de semáforos. Parece que, com apenas essas melhorias, exigidas pela CET, nossas ruas, como em um passe de mágica, poderão comportar 655 veículos a mais no horário de pico.
Quanto às áreas verdes que sobraram e o sonhado parque, resta-nos ainda esperar a sensibilidade do poder público em ceder um espaço para uso e qualidade de vida da população. Ainda – e apenas – existem a área de 12,7 mil m², situada ao lado do Instituto de Cardiologia Dante Pazzanese, lote pertencente ao governo estadual – que aguarda um prometido novo complexo hospitalar -, e a área municipalde 9,4 mil m2, que pertence à Cinemateca Brasileira, ligada ao Ministério da Cultura, que embora alardeie ser aberta à comunidade, continua entre muros.