MARA SUELI ROSSI DE OLIVEIRA

A psicóloga neo-reichiana desenvolve há 10 anos, com a colega Sarita Médici, o projeto “Despertar o corpo na maturidade”, em sua Clínica Integrada, na Vila Mariana. Entre os objetivos de seu trabalho, está resgatar o bem-estar de mães cujos filhos acabaram de sair de casa, para que voltem a criar novos vínculos e busquem realizações deixadas, até então, de lado. A seguir, ela fala sobre as fases da construção psíquica da criança até a independência relativa. Mostra a importância da criação com afeto e sem culpa, destaca o perigo de aquela mãe superdedicada se tornar tirana ou “coitadinha”; e dá alguns conselhos para evoluir de forma integral e criativa junto com os filhos!

Pedaço da Vila: A relação mãe e filho, cedo ou tarde, geram conflitos para um dos dois? 

Mara: É através das relações – familiares, social, profissional, pessoal e espiritual – que nos constituímos como pessoa, o tempo inteiro, em toda a nossa existência. E toda relação é geradora de conflitos para ambas as partes. É da natureza humana a necessidades de relações significativas. Quando vivemos só um tipo de relação, não nos preenchemos.

Quando falamos de mãe e filho, já estamos falando de relação  e acredito que não exista uma receita única correta de se viver essa relação. Ela é uma relação que se transforma e que tem conflitos. E dependendo do modo, das crenças que temos para viver essa relação, ela pode se tornar mais criativa, mais íntegra, ou uma relação mais restritiva.

Do ponto de vista da mãe, temos observado em grupos de 3ª idade que as mães com mais de 70 anos tiveram uma forte influência de uma cultura que valorizava o seu papel como o daquela mãe que tinha tempo disponível de dedicação integral e incondicional. A mulher que vivesse seus anseios ou necessidades, fora do âmbito familiar, era considerada uma mãe desnaturada, uma mãe que faltava com os filhos. No mundo contemporâneo, a mulher/mãe, pode ter dificuldade de conciliar suas  necessidade X  necessidades de seu filho(s). Do ponto de vista do filho, as diferenças geracionais podem gerar conflitos, exatamente por viverem em outra geração com valores e ritmos diferentes, inclusive por uma comunicação veloz que nossos meios nos proporcionam. Estes são apenas, alguns exemplos de conflitos gerados pelas relações mãe/filho.

P.daVila: Ai, quando os filhos saem de casa, essa mãe que passou a vida dedicada unicamente à família, faz o quê?

Mara: Depende, pode ser um momento de muitos sentimentos, pois, devido à idade e somado a uma série de preconceitos, mitos e restrições, é muito comum entrar em depressão e angustias – o que fecha seus caminhos. Mas, ao mesmo tempo em que vem essas novas angústias, também pode ser uma oportunidade para que se possa resgatar  lugares do desenvolvimento pessoal que ficaram vazios e não vividos. Buscar novas relações, desenvolver potencialidades, e começar a olhar as diferenças como aprendizagem, em uma relação de troca, pode proporcionar um viver a vida de uma maneira mais íntegro-ativa. Então, ao mesmo tempo em que a saída dos filhos de casa pode trazer muita angústia e medo, também é uma oportunidade de mudança.

P.da Vila: O homem é o resultado de como é criado? 

Mara: Acredito que sim. É muito complexa esta relação mãe/filho, cada fase do desenvolvimento exige contemplar algumas necessidades do bebê e isso é vivido na relação. O ser humano passa de uma dependência absoluta (bebê), à uma independência relativa(adulto), isto é o que seria saudável.

Fundamentada na teoria Winnicotiana, Dr Donald W. Winnicott, pediatra e psicanalista infantil, estudou mais de trinta anos a relação mãe / bebê, observando que a saúde dele está ligada à relação que tem com a mãe,  criando a teoria do “Amadurecimento do Desenvolvimento Pessoal”, aonde o ambiente e a relação vivida irá influenciar no desenvolvimento integrado do ser humano.

Ele foi o que preconizou o termo “mãe suficientemente boa” que quer dizer uma mãe humana integrada, podendo dar suporte para seu filho para poder ir se constituindo emocionalmente integrado como ser diferente dela. Isto não significa ser perfeito e sim  humano.

P.da Vila:A 1.ª relação vai até que idade? 

Mara: É melhor dizermos que as relações são processos contínuos e quando  categorizamos tempo e datas  certas, corremos o risco de  desvincular o processo de  relação de constituição do ser humano com suas relações.

Para D. Winnicott, o primeiro ano de vida  é fundamental para seu desenvolvimento.

P.daVila: E quando chega a adolescência, fase em que os filhos deixam de lado toda a referência que eles têm da família para buscá-la fora de casa? 

Mara: A adolescência é uma fase naturalmente vivida de forma conflituosa. É quando se apresentam situações que vão de encontro a outras novas necessidades, a do crescimento pessoal em lugares e relações diferentes. Se a criança foi ficando cada vez menos dependente e utilizando instrumentos aprendidos na relação, quando chega à adolescência ele possui certa autonomia , é a fase em que ele se sente capaz, quando olha o mundo e o questiona. É, também, a fase em que a compreensão da morte está mais presente. São angústias e conflitos que nessa nova fase da vida aparecem. Agora, o modo que o adolescente vai se posicionar irá depender do quanto ele vai encontrar sustentação na família, que poderá orientar viver este conflito de maneira mais íntegra, ativa e criativa.

P.daVila: Sem revolta? 

Mara: A revolta faz parte desta fase, isto não quer dizer ser agressivo ou do contra, porque o adolescente irá se deparar com situações em que não sabe o que fazer e isto geram angustia. São situações novas, mudanças hormonais, e poderá ter maior consciência do que está acontecendo no mundo, a sua volta e com ele. Nas relações em que esses sentidos possuem mais sustentabilidade favorece ao adolescente viver estas experiências de forma mais integrada. Assim como no envelhecer, o tempo todo, durante a vida toda, temos questões que se apresentam e que não conhecemos, porque ainda não a vivemos. O que admiro na teoria  D. Wnnicott, é que  traz questões para que prestemos a atenção na forma como sustentamos e integramos nossas vivencias.

P.daVila: Nós vivemos absorvidos pelo medo: da violência, da natureza ..Meu filho de 9 anos me perguntou se o mundo vai acabar em 2012! 

Mara: O tempo inteiro, estamos nos constituindo, sentindo as relações e sendo afetados por elas, em todas as situações. Vivemos com medos, raiva; sentimentos que nos afetam. São sentimentos inerentes ao ser humano, negá-los não é a solução. A melhor forma de lidar com essas inquietações é buscar sustentação do si mesmo nas relações e na realidade, sem hiper ou hipo dimensionar a situação. O fato como ele é. Assegurado do suporte das relações.

Segundo a teoria winnicottiana diz que, como seres relacionais, eu estou aprendendo com você e você, comigo, todo o tempo. Assim é formada a constituição emocional.

P.daVila: A mãe, da mesma forma que o filho, passa por fases?.

Mara: Todos nos passamos por várias fases o tempo inteiro, nos constituímos a vida inteira e terminamos no momento de nossa morte. Então, isso na relação mãe e filho, se transforma. O saudável é que o afeto não imponha dependências, mas constituam seres diferentes.

P.daVila: Aí voltamos aos filhos saindo de casa! É quando a mãe se dá conta de que o filho cresceu e ela envelheceu? 

Mara: Envelhecer é um processo natural de vida, só que em nossa cultura está comumente ligado à degradação e/ou desqualificação e passam a acreditar que são incapazes dependentes e cheios de limitações. Claro, a coisas mudam, mas isso não quer dizer que não exista vitalidade! Se vivermos um envelhecer apoiado nesses mitos de que a gente não pode mais, começamos a nos restringir, a nos paralisar. Na minha experiência clínica, enfoco o corpo, possibilitando o desbloqueio da vitalidade, que muitas vezes, se alojam no corpo em forma de tensão. Vemos muitas pessoas que ficam com reumatismo, problemas na coluna…, como forma limitante de atividades. Estas são crenças vão interrompendo o processo de desenvolvimento pessoal e muitas vezes ocasionando doenças que se não cuidadas tornam-se crônicas e aparentemente sem solução de vida, tornando seres rígidos e aprisionastes nas relações familiares. Por exemplo:“… tenho uma mãe que me suga e que não me deixa viver…

A mãe que se coloca no lugar de coitada ou da tirana fica em uma posição que não a preenche interiormente. Surgindo inevitavelmente o sofrimento, que é uma angústia sem fim, podendo resultar no filho em uma relação aprisionante. Ambos vivem um sofrimento, porque busca se nutrir do sacrifício do outro, é muito dolorido

P.daVila: Qual o conselho para que mãe e o filho evoluam, sempre?

Mara: O melhor conselho é que independente de ser mãe e filho, e sim ser humano, todos possam olhar seus desejos e buscar o que lhe falta. ( Coisa simples de fazer…rsrsrs). É um processo contínuo e conflitante. Somos únicos, cada um tem a sua subjetividade e se constitui no bem ou no mal, durante toda a vida, e são nas relações que tudo se processa.

Na minha experiência em parceria com a outra psicóloga, a mais de 10 anos com grupos de idosos, percebemos  que a evolução do desenvolvimento está ligada diretamente às relações que se constrói com o outro, consigo mesmo e com seu corpo,– é essencial mexer o corpo! De que jeito? De várias forma, mas no nosso trabalho o corpo é visto com um instrumento, mapa do seu si mesmo, e através de exercícios expressivos, lúdicos e relacionais, desenvolvemos um ambiente favorável para a constituição e integração do seu si mesmo, porque isso é uma condição humana que é possível fazer em qualquer tempo, em qualquer época da vida.

P.daVila: E a partir desse momento a relação com as pessoas melhora?

Mara: Sim! Temos visto, aqui no grupo, depoimentos de pessoas que estão se sentindo melhor, mais saudáveis, mais felizes. A relação com a família e com os filhos evoluiu. Mulheres indo para relações novas, casamentos novos, começando cursos. Pessoas que estão descobrindo que têm potenciais, necessidades, desejos e que estão inteiras para viverem isto. No envelhecer, é preciso  estar atento olhando, se conhecendo, para não cair na armadilha de  se enquadrar em modelos de como é viver a vida, não respeitando as diferenças, aceitando que somos diferentes um do outro, e vivendo essa nova constituição, – da natureza humana -, de uma maneira mais criativa e integrativa. Andando mais devagar, mas não parando!


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