Deto Montenegro

Para o ator e diretor Deto Montenegro, a arte está em todas as pessoas, basta despertá-la. Com essa percepção, há 24 anos, vem formando atores em sua Oficina dos Menestréis, no Teatro Dias Gomes, na Rua Domingos de Moraes.  Para o carioca, radicado na Vila Mariana, a arte pode muito mais! E trouxe para os palcos, num curso  inovador de teatro musical,  atores cadeirantes, com Síndrome de Down e Autistas. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a experiência, mostra-se realizado com os grupos MIX, UP, AUT e, recentemente, com o da terceira idade, o Maturidade, e adianta os seus próximos espetáculos. 

Pedaço da Vila: Sua carreira no teatro teve início com musicais realizados ao lado de seu irmão, Oswaldo Montenegro. No início da década de 1990, você vem para a Vila Mariana para criar a Oficina dos Menestréis. Qual a proposta dessa oficina?

Deto Montenegro: Logo que eu resolvi seguir um caminho diferente do meu irmão, queria trabalhar a arte com mais leveza; queria que fosse intuitiva, com todos os públicos. O projeto do meu irmão era trabalhar com atores profissionais. Comigo, não! Quero desenvolver o lado artístico que todo mundo tem. O meu método era esse, trabalhar a arte que existe em cada um, e devolver isso aos alunos. O nome “menestréis” vem da Idade Média; eram artistas da corte,  cantores de poemas, responsáveis por levar alegria por onde passassem. Esse nome era muito usado pelo meu irmão — e eu o adotei para a minha oficina. 

Pedaço da Vila: Como foi o início  de seu trabalho com os cadeirantes?

Deto Montenegro: Comecei a trabalhar com cadeirantes em 2003, e ocorreu uma mudança muito legal em meu trabalho. Porque eu pude comprovar, na prática, quando tive a primeira turma de cadeirantes, que meu método estava certo. Fiz a oficina com eles como se fosse uma pós-graduação em meu próprio método. Após fazer essa oficina e montar um espetáculo com os cadeirantes, eu fui procurado por um grupo de cegos interessados em integrar a turma. 

Pedaço da Vila: Mesmo sem ter experiência, como foi dirigi-los no palco? 

Deto Montenegro: Foi conforme eu imaginava. Primeiro porque já abri o jogo e falei que não sabia nada sobre cadeirantes e que eu iria aprender com eles. Eu não estranhei nada; já eles estranharam um pouco no começo, pois pensavam que seriam tratados de forma diferente, o que não aconteceu. Pouco depois, eles se sentiram mais à vontade e cresceram no palco. E aquilo em que eu acreditava foi comprovado: a arte é comum a todos os seres humanos. Depois,  comecei a trabalhar com deficientes visuais, e a experiência foi a mesma: eles não tinham a visão, mas tinham muita arte! Para mim, o grande desafio foi fazê-los visualizar aquilo que eu queria, foi fantástico! Isso em 2004; havia poucos cegos no curso. Aí tive a ideia de unir os cegos aos cadeirantes no mesmo espetáculo: eles seriam as pernas dos cadeirantes, e os cadeirantes seriam os olhos deles. 

Pedaço da Vila: Quando você trouxe os cadeirantes ao palco, a cadeira foi vista como um objeto cênico, e não como uma dificuldade. Como se deu isso? 

Deto Montenegro: Temos um musical chamado Noturno, encenado há 20 anos e montado todos os anos. Eu lancei a versão desse musical com a roupagem de cadeirante. Para mim, existe o Noturno regular e o Noturno cadeirante. Quem assistir aos dois vai perceber que os espetáculos são singulares: jamais o  regular fará o que o cadeirante faz. Sabe por quê? Eles giram no palco, eles têm rodinhas, e isso é um charme!

Pedaço da Vila: Você costuma dizer que a inclusão social nunca foi o ponto de partida de seus trabalhos…

Deto Montenegro: Eu não pensei nesse projeto como um trabalho de inclusão; tudo foi uma descoberta, uma surpresa. Eu queria me aprofundar no meu método. Depois eu comecei a perceber que isso tinha uma força inclusiva, e não sou bobo de negar que a arte é um objeto de inclusão, até porque inclusão é informação, e a arte é uma forma de informação. Depois, quando o espetáculo ficou pronto, eu não só percebi que tinha um belo espetáculo, como também um objeto de inclusão. Eu acredito que a melhor maneira de você fazer inclusão é não falar de inclusão. Cada vez que você fala, você já está diferenciando o aluno. 

Pedaço da Vila: Hoje são quantos grupos que integram a oficina dos Menestréis? 

Deto Montenegro: Eu tenho quatro turmas: a MIX, que é formada por cadeirantes e cegos; a AUT, com autistas; a UP, que é a turma com Síndrome de Down; e a Maturidade, que é a da velha guarda. Essas quatro turmas eu mantenho por meio de parcerias com empresas e por Lei Rouanet. E tenho também as minhas turmas regulares, de pagantes. Todo mês há uma apresentação musical. Temos alunos de todas as idades; e é claro que para cada grupo é preciso fazer pequenas adaptações, mas o que realmente importa é que todos eles têm a arte.  

Pedaço da Vila: Você já revelou ter o desejo de montar um grande espetáculo com todas as turmas juntas no palco. Há previsão de isso acontecer? 

Deto Montenegro: Tem que sair logo esse projeto. Ainda não saiu porque são 150 pessoas no palco, e ainda estou estudando a melhor maneira de fazer isso. O projeto de fazer esse espetáculo está bem de pé, é só uma questão de operacionalizar o espaço físico para abrigar todos os alunos, revezando-os ou até mesmo estendendo o palco até a plateia. Trabalhar com todos juntos num espetáculo é um sonho, pois cada um tem a sua peculiaridade, por exemplo: o autista leva tudo ao pé da letra e tem uma habilidade impressionante para decorar o texto; já o Down tem mais espontaneidade, mas ele não decora nada. São características distintas. 

Pedaço da Vila: Você também estava fazendo um documentário sobre a Oficina dos Menestréis. Já está finalizado? 

Deto Montenegro: É um documentário bem legal e já está quase todo concluído. Eu peguei esses quatro projetos, o MIX, o AUT, o UP e o da Maturidade, e filmei todo o processo de trabalho dos alunos: dos primeiros ensaios ao contato com o público na estreia. Por meio de depoimentos deles é possível entender as dificuldades e as facilidades que demonstram em determinadas situações. O documentário está sendo editado e montado, e a previsão é de que seja lançado em breve, inicialmente na internet.

Pedaço da Vila: Em agosto, dois espetáculos produzidos pela oficina entram em cartaz. Sobre o que são?

Deto Montenegro: Um se chama a Aldeia dos Ventos, montado pela turma Mix. Trata-se de um roteiro belíssimo que narra a história de uma princesa que perde seu rei e sai em sua busca. Nessa jornada, ela conta com a companhia de um carroceiro, e juntos eles percorrem diferentes países: no país das atrizes, todas respondem atuando; no país dos poetas, todas as respostas são em forma de poema; até que ela encontra o rei e faz uma descoberta que muda a sua vida. Nesse espetáculo, o carroceiro é um andante e a princesa é uma cadeirante. Já o segundo espetáculo, o UP 6, encenado pelo grupo de alunos com Síndrome de Down, é um programa de rádio que mistura crônicas e poesias, e todas as intervenções são costuradas por dois âncoras; é uma peça muito divertida.

Pedaço da Vila: O que mudou em sua vida nos últimos 12 anos, desde que iniciou esses trabalhos artísticos com os grupos MIX, UP e AUT? 

Deto Montenegro: Ah!, mudou muita coisa. Costumo dividir a minha vida antes e depois de 2003, quando comecei com o grupo de cadeirantes. Foi lindo ver que o método dava certo, sendo expandido cada vez mais a partir desse trabalho inicial; foi muito bacana a relação do público comigo, que no início sentia certo preconceito com o trabalho. Hoje isso mudou e todos entendem melhor a oficina. Os pais dos meus alunos começaram a compreender a minha proposta. Os alunos me ensinam todos os dias, sinto uma paz tremenda fazendo esse trabalho; a superação deles é uma lição. Eu me realizei, faço o que amo. Sou um homem realizado graças a essa galera das oficinas. Trabalho no que gosto e nunca tive um patrão. Subi no palco aos 16 anos e nunca mais desci.

Pedaço da Vila: Você trocou o Rio por São Paulo, e veio morar na Vila Mariana. O que acha do bairro?

Deto Montenegro: Adoro esse bairro, é próximo do meu trabalho, tem tudo o que preciso e nem uso carro, pois tudo é muito perto e faço tudo a pé. E tão bom que minha mãe também veio morar aqui!