Daniel Moral
Pedaço da Vila: Há seis anos, as ciclovias foram implantadas no bairro em meio a protesto de alguns comerciantes e moradores. Essa resistência mudou de lá para cá?
Daniel Moral: Mudou um pouco. O comerciante que pensava que a ciclovia iria atrapalhar o seu negócio começou a perceber que essa visão estava equivocada. Estudos provam que a bicicleta impulsiona a economia local. Em Nova York, por exemplo, cidade que teve resistência semelhante a de São Paulo, o comércio aumentou o faturamento com as ciclovias. Os comerciantes da Vila Mariana estão se adequando para receber os ciclistas — esse movimento só está crescendo no bairro. Já o morador que fala que ciclovia é ruim, isso ou aquilo, é porque não anda de bicicleta. Eu, como ciclista, prefiro andar numa ciclovia esburacada do que não ter uma e ser obrigado a correr riscos entre os carros. Quem anda de bicicleta conhece o perigo que corre nas ruas, ainda mais quando você tem um filho te esperando em casa. A segurança do ciclista é algo muito sério e precisamos ter a consciência. Bicicleta não é mais uma brincadeira, um brinquedo, como muitos pensam.
Pedaço da Vila: Qual é o maior medo do ciclista em São Paulo?
Daniel Moral: É a violência do trânsito. O índice de morte de ciclistas em São Paulo aumentou. Precisamos ter a consciência de que o ciclista não é inimigo do carro e de que uma bicicleta representa um carro. Hoje somos reféns de um modelo dependente do carro que está nos custando a saúde. A falta de segurança é o maior obstáculo encontrado pelo ciclista. O movimento da bicicleta é mundial e não tem como voltar atrás. São Paulo não comporta mais carros nas ruas.
Pedaço da Vila: Quais as principais conquistas dos ciclistas nesses últimos anos?
Daniel Moral: A mobilidade ativa — a que não é motorizada — teve uma importante evolução durante os quatro anos da gestão do prefeito Fernando Haddad. Nesse período foram implantadas as ciclovias, as ciclofaixas, as ruas foram abertas à população aos finais de semana. Mas, durante um ano de gestão João Dória, o investimento ficou estagnado. Agora, nesse começo da gestão Bruno Covas, já começa a se falar em retirar ciclovias. Por enquanto isso está indefinido, mas estamos acompanhando de perto. Eu espero que o prefeito reveja suas últimas posições e olhe para São Paulo como uma cidade do futuro. Precisamos atualizar as nossas políticas públicas de mobilidade.
Pedaço da Vila: Após a implantação da malha cicloviária, quais os próximos passos para integrar a bicicleta na rotina da população?
Daniel Moral: É a continuação dessa malha cicloviária. Ela ainda precisa ser interligada aos terminais de ônibus e estações de metrô. O conceito de mobilidade ideal não é a pessoa andar de bicicleta por 50 km. O desejável é que a pessoa saia de sua casa, vá de bicicleta até o terminal, deixe ela no bicicletário e siga de transporte público. Mas, para isso, precisamos melhorar as estruturas da cidade para receber o ciclista. Aqui, na Vila Mariana, tivemos uma conquista recente. A ciclovia da Rua Domingos de Morais será continuada até a da Avenida Jabaquara. Ela não foi concluída devido às obras do Metrô na Estação Santa Cruz. Agora ela será continuada. É um trecho necessário, pois houve mortes no local.
Pedaço da Vila: A bicicleta inspirou muitos comércios no bairro…
Daniel Moral: Com certeza. Hoje nos deparamos com muitos espaços que nasceram em função da bicicleta. Há cafeterias, restaurantes, mecânicas e até aplicativos de celulares dedicados aos ciclistas. A bicicleta está incentivando o empreendedorismo nesse mercado que é novo e que tem muito para crescer ainda. Hoje, as pessoas estão olhando para a bicicleta não apenas como um meio de transporte ou de lazer, mas também como um negócio, como oportunidades. Os ciclistas são consumidores.
Pedaço da Vila: Há cinco anos você também empreendeu e fundou o Bike Tour SP. O que é esse projeto?
Daniel Moral: É um passeio turístico pela cidade que une bicicleta, cultura e solidariedade. O nosso papel é apresentar São Paulo por meio de passeios de bicicleta por diferentes rotas. Nesses cinco anos de existência, mais de 45 mil pessoas já participaram dos passeios. Tem sido muito bacana ver a quantidade de pessoas que estão retomando o prazer de pedalar com o Bike Tour SP. O projeto é gratuito e disponibiliza as bicicletas e os equipamentos de segurança.Os passeios são guiados por monitores.
Pedaço da Vila: Qual é a estrutura do Bike Tour SP?
Daniel Moral: Hoje o projeto tem 110 bicicletas e conta com uma equipe de cerca de 50 pessoas que acreditam na causa, que veem a bicicleta como ferramenta de transformação social. Cada roteiro tem cinco passeios por dia. Na rota do Parque Ibirapuera, por exemplo, tem saída às 9h, 10h30, 12h, 13h30 e 15h. — são cinco saídas em grupo de até 15 pessoas, mais 2 monitores do Bike Tour SP. Nos locais de saídas ficam dois monitores e um coordenador.
Pedaço da Vila: Como são esses passeios e quem pode participar?
Daniel Moral: Hoje o Bike Tour SP percorre seis roteiros. Aos sábados no Parque Ibirapuera, Faria Lima e Centro Novo; e aos domingos no Centro Velho, Av. Paulista e Vila Madalena. Para participar, pedimos a doação de 2 kg de alimentos não perecíveis, que são destinados às instituições Bezerra de Meneses, aqui na Vila Mariana, e Missão Senna, no Centro de São Paulo. Por mês, o projeto arrecada 2 toneladas de alimentos. Esse papel social do projeto é muito importante para nós. Durante o passeio, as pessoas recebem um fone para ouvir as histórias da cidade. A maioria dos participantes são mulheres. No geral são crianças, adultos, idosos. É um passeio família, bem tranquilo, cheio de paradas.
Pedaço da Vila: As bicicletas são acessíveis a todos?
Daniel Moral: Sim. Hoje temos hand bike para cadeirantes pedalar com as mãos, um trenzinho para idosos e cegos, triciclos para crianças. Agora, em parceria com a secretaria municipal da pessoa com deficiência, traduzimos, em vídeo, nosso áudio tour para libras. A restrição ao acesso da pessoa com deficiência à cidade e à cultura é enorme. Estamos fazendo a nossa parte para mudar isso. Muitas pessoas fazem relatos emocionantes sobre a sensação de liberdade ao sentir o vento no rosto durante o passeio.
Pedaço da Vila: Na gaveta do Bike Tour SP está o roteiro turístico da Vila Mariana. Há uma previsão para ele ser implantado?
Daniel Moral: O roteiro do Bike Tour SP no bairro já está desenhado e os áudios do passeio já estão gravados. Ele vai passar pela Cinemateca Brasileira, Museu Lasar Segall, Caixa D’água, Instituto Biológico, MAC. Ele não está funcionando ainda porque não conseguimos um patrocínio. Estamos buscando patrocinadores para implantar essa rota o mais breve possível.
Pedaço da Vila: O Bike Tour SP acabou de conquistar o prêmio “Promoção da Mobilidade por Bicicleta”, concedido pela Transporte Ativo. Para você, o que ele representa?
Daniel Moral: Todo ano a Transporte Ativo premia as iniciativas brasileiras em diferentes categorias. Neste ano tivemos a felicidade de ser vencedores na categoria empreendedorismo com o projeto Bike Tour SP. A premiação acontecerá em junho no Rio de Janeiro durante a Velocity, maior congresso de bicicleta do mundo, organizado por uma união de ciclistas europeus e que será realizado pela primeira vez no Brasil. É uma grande satisfação conquistar esse prêmio e ter a oportunidade de participar desse evento.
Pedaço da Vila: Qual seu engajamento nas políticas públicas?
Daniel Moral: Eu tenho essa preocupação de participar das audiências, de cobrar melhorias, investimentos. Penso que não podemos ficar só reclamando. Precisamos nos mover para buscar soluções e ampliar a conciênciar da importância de exercermos o nosso papel como cidadão. Não podemos deixar tudo nas mãos dos outros. Precisamos participar.
Pedaço da Vila: Quais são as dicas que você dá para quem quer andar de bicicleta mas tem medo?
Daniel Moral: Eu recomendo começar num parque e andar um pouco todos os dias. Nas ruas, se precisar de uma ajuda, pode contar com o bike anjo, iniciativa de voluntários que ensinam a andar de bicicleta pelas ruas de São Paulo. Uma boa opção é começar com os pedais noturnos em grupos. Aqui na Vila Mariana há muitos grupos. E o mais importante: usar equipamentos de segurança, como lanternas e capacete, respeitar as leis de trânsito e ter sempre em mente que você é o frágil nas ruas. De resto, é só pedalar e sentir o vento no rosto.