Cyro Leãoo

Formado em psicologia, terapia floral, hipnoterapia, massagem ayurvédica, entre outras ciências, o morador da rua Humberto I realiza rituais xamânicos de limpeza, alinhamento, resgate de alma para a retomada do poder pessoal, além de ministrar palestras e cursos pelo Brasil e exterior. É membro da URI – Iniciativa das Religiões Unidas, ativo integrante do ConPaz – Conselho Parlamentar para uma Cultura de Paz e do Fórum Interreligioso, ambos do Estado de São Paulo, pelos quais desenvolve um trabalho em prol da Cultura de Paz entre povos e religiões

Pedaço da Vila

: O que é um xamã?
Cyro Leãoo: A tradução mais próxima do que é um xamã é a de um homem que tem a habilidade de navegar entre os mundos, conversar com os espíritos e ajudar na resolução dos problemas e das doenças. O xamã ou pajé – como é chamado no Brasil – trabalha em estado alterado de consciência, que permite a realização destes feitos. Segundo a lenda, o primeiro xamã – há mais de 30 mil anos – foi um homem que descobriu que tinha o poder de entrar em contato com o divino – o Deus, a Deusa e tudo o que É. Naquele momento esse homem fez o “religare”, trazendo o sagrado para si e para a humanidade. A partir daí, ele começou a acordar os seus pares e a trazer o conhecimento para a sua comunidade. O xamã foi o primeiro médico do corpo e da alma, pois com sua conexão com o sagrado ele aprendeu as técnicas de cura e o conhecimento das ervas. Ele também foi o primeiro trovador, pois relatava suas viagens xamânicas, passando os conhecimentos que recebia e as curas realizadas. Foi o primeiro religioso na medida em que iniciou os ritos sagrados em honra à terra, à Deusa e ao Deus. E o que é mais impressionante é que esses conhecimentos aparecem simultaneamente em várias partes do mundo, numa época em que não havia nenhum sistema de comunicação.

P.daVila: Como e por que o sr. tornou-se xamã?
C.L.: Desde pequeno, tenho uma sensibilidade muito apurada e, embora criado em uma família cristã, a curiosidade e a necessidade de buscar outros caminhos espirituais me levaram a conhecer outras religiões. Conheci, então, centros espíritas, a umbanda, o candomblé, mas em nenhum deles me sentia pleno. Em 1991, minha mãe teve um câncer e após sua passagem, fui levado a conhecer o xamanismo. Ao ser apresentado, me senti em casa. Tudo o que escutava me parecia familiar e batia em harmonia com meu coração. A partir daí, comecei a me aprofundar nos estudos do xamanismo. No primeiro momento, a orientadora, Carminha Levy, fazia a ponte científica entre xamanismo e psicologia, e pude entender que este método de trabalho ajudaria muito as pessoas que estavam passando por tratamentos, pois as técnicas ancestrais utilizadas resolviam problemas que anos de terapias convencionais não traziam resultados.

P.daVila.: O que o sr. aprendeu no curso?
C.L.: Primeiro, foi minha reconexão com a Natureza e com tudo que é vivo e que muitos de nós ignoramos. Aprendi que podemos interagir com o fogo, ar, água e terra, que são elementos vivos e que, quando aprendemos a conhecê-los, são grandes aliados em restabelecer o campo energético extremamente afetado no dia a dia do homem urbano. Por exemplo: todo mundo toma banho, mas a água não limpa o nosso corpo energético se não dermos permissão a ela. Quando nos relacionamos com as pessoas no decorrer do dia, acrescentamos ao nosso campo energético emoções que não nos pertencem. Podemos, portanto, pedir aos elementos que encaminhem à sua origem a energia que agregamos. Por outro lado, somos também seres mutáveis e temos que fazer limpezas no nosso corpo energético, eliminando aquilo que não nos serve mais para o tempo presente. Neste caso, repetimos o mesmo procedimento. É necessária uma relação íntima com esses elementos para que eles possam agir em nosso benefício. Outra coisa importante é a ancestralidade, uma tradição milenar. Eu aprendi a me conectar com meus ancestrais e a entender que eu sou resultado de sete gerações, em qualidades e defeitos. Mas o melhor de tudo é que, pelas técnicas xamânicas, podemos liberar os defeitos e trabalhar as habilidades.  O que mais me fascinou dentro desta visão foi o trabalho do resgate do poder pessoal. Durante a vida, cada um de nós dá parte do seu poder para outras pessoas: pai, mãe, marido, mulher, namorado, amigos, chefe etc. Há pessoas que dão tanto o seu poder que, quando precisam tomar uma decisão, não sabem o que fazer, pois sua energia está dividida entre os relacionamentos. Esse desequilíbrio poderá levar à depressão, submissão, pânico, castração, estagnação, incapacidade de tomar decisões, entre outras dificuldades.

P.daVila.: Há quem defenda que muitas das técnicas da psicologia moderna são baseadas nas antigas tradições xamânicas. Isso é verdade?
C.L.: Sim, por exemplo: a terapia familiar tem a estrutura muito semelhante à dos índios em suas comunidades. Ao anoitecer, as famílias se reúnem ao redor do fogo para dizer o que foi positivo ou negativo durante o dia e aí todos vão dormir tranquilos, sem mágoas ou ressentimentos. O psicodrama lembra muito a técnica que o xamã ou pajé utiliza quando atende a uma pessoa. Eles ouvem a queixa do paciente e dramatizam o problema. Durante a sessão, o pajé troca de roupa com a pessoa e ‘veste’ os problemas dela – é quando ele sente a doença em si mesmo. Ele utiliza a técnica xamânica para retirar o problema do paciente, jogando inclusive sua roupa no fogo. Existe uma técnica recente, desenvolvida por Bert Hellinger, chamada Constelação Familiar, cujo autor desenvolveu o processo a partir dos ensinamentos dos zulus na África, etnia que domina este conhecimento de ligação ancestral.

P.daVila.: Que outros aprendizados o sr. buscou?
C.L.: Eu nunca parei de estudar e busquei várias formações acadêmicas para fundamentar todos os meus conhecimentos e sedimentá-los ao nosso pensamento cartesiano, entre elas a programação neurolinguística, as técnicas de regressão, a medicina ayurvédica, a Constelação Familiar etc. Paralelamente, fui me aprofundar em conhecimentos nativos, como o uso dos sons através do maracá, do tambor, dos sinos, e técnicas de pajelança, rituais de limpeza e de purificação e ritos secretos iniciáticos dos xamãs- técnicas até hoje utilizadas pelos pajés.

P.daVila.: Tudo isso mudou em que a sua vida?
C.L.: Tive uma mudança radical porque pro-fissionalmente eu sempre fui empresário, e deixei toda essa vida para me dedicar a um caminho ligado à espiritualidade e à qualidade de vida, o que me possibilitou ter o poder de ajudar pessoas a descobrir sua missão de vida e trazer de volta seu poder pessoal.

P.daVila.: O sr. conhece xamãs de outros países?
C.L.: Sim, conheço xamãs da Sibéria, Groenlândia, Peru, Estados Unidos, Austrália, Rússia, com os quais tive grandes aprendizados e iniciações. Há um episódio que para mim foi muito marcante. Em 1997, conheci uma xamã siberiana. Era a segunda viagem que ela fazia fora de seu país e trouxe até nós a cultura ancestral praticada em sua região – aliás, tão diferente da que eu tinha aprendido que até me assustei! Seis meses depois, fui para uma iniciação no Peru, e para meu espanto, o xamã local usou do mesmo procedimento realizado pela xamã siberiana. Interessante notar que são continentes distantes e culturas totalmente diferentes e, no entanto, praticavam o mesmo rito ancestral. A partir daí, comecei a entender e assimilar os dois conhecimentos. Técnicas arcaicas, praticadas ainda pelos povos nativos, como os incas, esquimós, aborígenes, índios brasileiros e norte-americanos, e técnicas modernas.

P.daVila.: E o que são técnicas xamânicas modernas?
C.L.: Na realidade, é esse casamento interno de todos os conhecimentos que me permitiram ser um xamã urbano, que trabalha tanto na selva de pedra como na natureza. Uma técnica com que trabalho no consultório é a da retirada dos cordões energéticos traumáticos, que se formaram entre duas pessoas em um momento de grande trauma – um abuso sexual ou brigas violentas entre pais e filhos, namorados, casais e profissionais. A liberação desses cordões permite às pessoas restaurarem seu poder pessoal, libertando-se de antigos traumas. Sabe aquela sensação de que a vida não vai para a frente? Com certeza, aí tem cordão! Nos trabalhos xamânicos feitos na mata, próximo aos elementos naturais, o nível de energia e o acesso são muito maiores e muitos deles só podem ser realizados junto a rios, cachoeiras e mata, onde são favorecidos pelas energias do dia e da noite.

 P.daVila.: Parece que a natureza começou a se rebelar contra os seres humanos. Qual é a explicação dos xamãs para este fato? Há uma maneira de ainda reverter a situação?
C.L.: O homem esquece que a Terra é um ser vivo em constante transformação. Ela permite o plantio de uma semente, dando base para que germine e produza o alimento que sustenta a vida. Estamos destruindo as matas, envenenando os rios, poluindo os mares, esquecendo que a Generosa Mãe Terra nos nutre, nos ampara, nos acolhe. Por outro lado, devemos lembrar que a Terra não nos pertence, somos nós que pertencemos a ela. Ainda temos chances de reverter a situação, mas é preciso mudar nossa mentalidade, cultura e sistema de crenças. Temos que trabalhar em prol do mesmo objetivo: salvar o planeta. O homem deve aprender a ter uma educação sustentável, sendo responsável pelo seu lixo, pelo uso da água, pelo que come e bebe, sempre focado nas gerações futuras. O planeta está doente e a doença é um desequilíbrio que pode levar a várias consequências: de uma simples infecção até a morte. Há dois anos eu passei por um processo de morte e renascimento. Em um exame de rotina, descobri um câncer no pulmão. No primeiro momento, me assustei. Mas, ao observar o meu corpo, eu vi que isso não era problema e que eu tinha a oportunidade de passar por um processo de quase morte e renascer para uma vida melhor. Era o fim de um carma. Fiz a cirurgia, retirei parte do pulmão, passei pela quimioterapia e hoje estou curado! Foi uma grande batalha, mas a fé em minha cura sempre norteou o tratamento. Da mesma forma, se cada um fizer com fé sua parte, será o suficiente para curar o planeta!

P.daVila.: De tudo o que o sr. aprendeu, o que considera mais importante?
C.L.: É as pessoas aprenderem a gostar de si mesmas. Quando nos aceitamos do jeito que somos, com nossos defeitos e virtudes, experimentamos o equilíbrio e passamos a ser donos de nós mesmos. O grande segredo para manter o equilíbrio consiste em nos abrirmos para a energia do coração, amar a nós mesmos e ao outro sem julgamento, independentemente de cor, credo, ideologia ou poder econômico. 

Para saber mais: www.xamaurbano.com.br