BEATRIZ VERA POZZI REDKO
A engenheira química e pesquisadora já trabalhava, em 1962, com sustentabilidade e meio ambiente, no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e depois, por 16 anos, em Monte Dourado, na Companhia do Jari, Pará, estudando as florestas. É fundadora da Associação Técnica Brasileira de Celulose e Papel, que colaborou para o Brasil se tornar um dos maiores plantadores de árvores do planeta. Agora, na USP, sua pesquisa é voltada à Ecosofia e à sustentabilidade por meio de redes digitais, um campo de conhecimento que visa superar as distinções entre as ciências humanas, naturais e econômicas
P.daVila: Fale sobre sua relação com a Vila Mariana.
Beatriz Vera Pozzi Redko: Nasci em Vila Mariana em 15 de maio de 1939, vivi aqui em minha primeira infância, minha avó paterna sempre morou aqui. Moro em Pinheiros, mas cursei a Educação Gaia, a Carta da Terra e outros programas na UMAPAZ, no Parque Ibirapuera. Fui convidada a trabalhar como voluntária no Ecobairro, na Vila Mariana, e ainda sou voluntária na AFAI, na Alameda dos Guatás, em Moema. Colaboro com a Agenda 21 de Vila Mariana.
P.daVila: Qual sua formação profissional?
B.V.P.R.: Sou engenheira química e pesquisadora. Trabalho com química da madeira e das florestas, sustentabilidade e meio ambiente desde 1962, inicialmente no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e depois em Monte Dourado, na Companhia do Jari, Pará. Moramos no Pará, dentro da selva, em uma quase ecovila, por 16 anos. Durante o meu trabalho em Monte Dourado, era responsável pela pesquisa da madeira e do processo da fábrica, pelo desenvolvimento das florestas e pelo meio ambiente, o que incluía a sustentabilidade da fábrica, para garantir uma operação sem perdas. Também cuidava do controle dos efluentes, que, antes de serem lançados no Rio Jari, passam oito dias por uma lagoa de 23 quilômetros de perímetro, onde existem peixes e até as onças vão beber água.
Minha primeira pesquisa em sustentabilidade foi aos 20 anos de idade, quando estudei, como assistente aluna de Bioquímica, as características do fungo que cresce no ninho das formigas saúvas e que é resistente a todos os ataques microbianos transportados para o ninho. Existe lá um composto que pode ser usado como um tipo de antibiótico natural.
P.daVila: Fale sobre seu trabalho com as florestas.
B.V.P.R.: Sou fundadora da Associação Técnica Brasileira de Celulose e Papel, em 1967, que tem colaborado para o Brasil se tornar um dos maiores plantadores de árvores do planeta e uma das principais fontes de celulose e de papel do mundo. Plantar árvores para fábricas de celulose é um trabalho de sustentabilidade. Após um período de descanso, o mesmo terreno onde as árvores são cortadas é usado para o plantio de novas florestas, em uma proporção maior do que 1:4. As árvores absorvem CO2 do ar quando estão crescendo, porque todo o carbono que forma a madeira provém do ar. Quando as árvores estão crescidas, o carbono é absorvido para formar as folhas; as árvores também inspiram oxigênio, usam-no como energia e expiram CO2 pela respiração, como acontece conosco. As florestas plantadas são um dos mais importantes despoluidores do planeta.
P.daVila: Quais os progressos efetivos para a sustentabilidade do planeta?
B.V.P.R.: A escola ensina as crianças, o rádio e a televisão têm boas mensagens, a sociedade está melhor em sustentabilidade. O termo está muito em moda e todos acham que sabem o que é. Muitas coisas, como, por exemplo, descartar sem cuidado as embalagens plásticas, eram feitas por ignorância ou sem cuidado, sem pensar. Foi só a NASA fotografar as ilhas de plásticos que existem no Pacífico para todos nos conscientizarmos do perigo que a Terra estava correndo e passarmos a ser mais cuidadosos. A importância e a escassez da água são um conhecimento comum, graças à ciência e à comunicação. Desde que a eletricidade foi criada, a vida do homem mudou e nem todos perceberam a diferença. Agora todos no mundo estão juntos para o bem ou para o mal, e esse conhecimento foi criado a partir dos avanços tecnológicos e dos avanços de comunicação. A democracia e a paz estão se beneficiando com os avanços na rede humana. Como já disse Marshall McLuhan, estamos todos cobertos com a mesma pele. Daí, se um membro qualquer da raça humana sofre, agora dói em todos os outros. A pobreza e a violência não podem mais ser admitidas, temos todos os meios para acabar com elas e nos tornarmos melhores. Precisamos vivenciar que somos a Terra, e que a nossa sobrevivência depende das relações que desenvolvemos na fina camada da esfera terrestre onde estamos plantados.
P.daVila: A senhora continua suas pesquisas?
B.V.P.R.: Atualmente sou pesquisadora no Centro de Pesquisas Atopos, da ECA-USP, pesquisando Ecosofia e sustentabilidade por meio de redes digitais. As redes digitais permitem que o conhecimento seja distribuído e compartilhado por pessoas com interesses comuns através de todo o planeta. Com o compartilhamento surge uma sinergia: o conhecimento de todos fica maior do que a soma dos conhecimentos de cada um. Daí sai uma inteligência coletiva e podem aflorar coisas que nunca foram imaginadas antes. Trabalho também com sustentabilidade, colaborando com a Agenda 21, um bom exemplo de rede, e com o Ecobairro, com a susten-tabilidade de pessoas, com educação, com inclusão social e, agora, com redes digitais para a sustentabilidade das pessoas mais velhas. É necessária a inclusão do capital social representado pelas pessoas mais maduras na luta para a melhoria do mundo. A população em geral ainda não se conscientizou da mudança antropológica que a espécie humana está sofrendo, graças a novas descobertas científicas e técnicas e à educação: as pessoas poderão viver até 90 anos. As mulheres, por exemplo, ficam avós e se ‘aposentam’ aos 60 anos, quando estão ainda jovens e fortes e podem agora viver e atuar por mais 30 anos. Um terço de suas vidas. Os mais idosos não têm consciência de sua importância, porque ela não é enxergada pela sociedade. Quatro gerações estão agora na terra com direitos e deveres iguais. O futuro do mundo depende de todos. Não podemos dar a desculpa de que não sabemos por que não aprendemos; com a internet podemos achar todo o conhecimento disponível até agora. Os mais idosos devem continuar aprendendo a cada dia, educando-se sempre para integrar-se à própria família e poderem contribuir para o crescimento da esperança. Comecei esse trabalho como coordenadora para pessoas maduras no Ecobairro, e agora também como pesquisadora no Centro de Pesquisa Atopos da ECA-USP.
P.daVila: O que é Ecosofia?
B.V.P.R.: O Ecosofia propõe o debate sobre a necessidade de formação de um novo campo de conhecimento que supere as distinções entre as ciências humanas, as naturais e as econômicas, destacando a urgência atual da proposição de um novo pensamento em relação à técnica, à natureza e aos significados da ação do homem.
P.daVila: Como vê a relação de vizinhança em uma grande cidade? Ou a falta dela?
B.V.P.R.: Pessoas de uma cidade como São Paulo pertencem a famílias que provieram de diferentes lugares do Brasil e do mundo, daí haver um estranhamento mútuo natural entre elas. Precisa haver uma educação especial, na escola, nas igrejas, pelos meios de comunicação, para que aprendamos a falar mais com nossos vizinhos ou com qualquer pessoa que encontremos. Um bom dia com um sorriso no elevador ou ao entrar no ônibus não fere ninguém. Geralmente as pessoas estão imersas nos próprios problemas e medos e não olham ao redor, para gente que também tem problemas e também precisa de simpatia.
P.daVila: Qual sua leitura sobre os acontecimentos atuais do planeta?
B.V.P.R.: Grandes desgraças na crosta terrestre ocorrem há milhões de anos, como a extinção dos dinossauros ou a separação da América da África. Só descobrimos tudo isso agora, com pesquisa e através das novas tecnologias. Os tremores deste ano no Japão foram divulgados pela CNN, internet, telefones, rádio, cinema, televisão, e era como se ocorressem ao alcance de nossas mãos. São desgraças que vemos acontecer como se estivéssemos lá, e que parecem maiores do que as desgraças invisíveis para nossos olhos.
P.daVila: Qual o desafio do mundo?
B.V.P.R.: Conseguir alimentar, cuidar da saúde e educar quase 7 bilhões de pessoas da mesma maneira. Continuar desenvolvendo tecnologias para que sobrevivamos com um impacto positivo no planeta. Eliminar os preconceitos de todos os tipos.
P.daVila: Qual o caminho para que a população das grandes cidades viva melhor?
B.V.P.R.: Conhecer o seu vizinho, de casa, do condomínio, da rua, da praça, e descobrir que ele pode parecer diferente, mas as suas necessidades básicas são as mesmas: lutar pelo melhor para seus filhos e para sua família, ser reconhecido como pessoa, ter saúde e felicidade.
P.daVila: O que a senhora aconselharia às futuras gerações?
B.V.P.R.: ‘É preciso ver com o coração: o essencial é invisível para os olhos’ — Antoine de Saint-Exupéry