Adylson Godoy
Nascido na cidade de Bauru, interior paulista, o maestro, cantor, pianista e compositor Adylson Godoy completa 50 anos de carreira. Nesse período, participou de momentos importantes da música erudita e popular brasileira. Ele recebeu o Pedaço da Vila para falar sobre a trajetória, os momentos marcantes de sua carreira e sobre os rumos tomados pela música no país
Pedaço da Vila: Neste ano, o senhor comemora 50 anos de carreira. Como foram os primeiros passos dessa longa trajetória?
Adylson Godoy: Pela minha cidade natal, Bauru. Eu e meus dois irmãos, o Amilton Godoy (pianista) e o Amilson Godoy (maestro), fomos criados ouvindo música. Meu pai tocava violino, e minha mãe piano. Do lado da minha mãe, tinha um tio que era pianista, outro maestro, uma tia que era cantora; e do lado do meu pai um tio trompetista, muito famoso, chamado João Godoy, e um outro tio que era cantor. Essa genética musical foi herdada dos meus avôs. Meu avô, por parte de mãe, era árabe e tocava alaúde; já o avô por parte de pai era violeiro. Por influência do papai, ouvíamos discos de orquestras americanas do Glenn Miller, Stan Kenton, e muitos pianistas de jazz, como Oscar Peterson e George Shearing. Desde muito cedo tomamos contato com o que havia de melhor na música. Aos 10 anos eu comecei a estudar piano, e aos 15 já integrava alguns conjuntos.
Pedaço da Vila: E quais eram eles?
Adylson Godoy: Eu tocava acordeom, e depois piano, em um conjunto de ritmo chamado Bantu, que mais tarde passou a se chamar Os Universitários do Ritmo, e, após a entrada de novos integrantes, mudou para Acadêmicos do Ritmo. Um conjunto muito prestigiado na região. Fazíamos apresentações em bailes, pelas cidades vizinhas. Mais tarde, ingressei na Orquestra de Bauru, do Mauro de Campos, e na Orquestra Instrumental de Jaú. Eu tinha 17 anos e prestei vestibular para Direito e ingressei no curso, tendo que conciliar com estudo de piano, apresentações em bailes… Isso durou até os 20 anos, quando vim morar em São Paulo.
Pedaço da Vila: Recentemente, o senhor afirmou que é indispensável para um músico dar os pri-meiros passos corretamente. O que isso quer dizer?
Adylson Godoy: Quando se interage com um instrumento, na sua mão ou na sua boca, você precisa fazer corretamente. Desde o início, é preciso ter um professor que te ensine da forma certa, a usar uma palheta adequada no instrumento de sopro… No caso do piano, o professor precisa ensinar a boa técnica de mão, completamente relaxada, para evitar que no futuro problemas, como tendinite. Esse ‘dar o primeiro passo corretamente’ é ter as informações seguras de como se toca um instrumento para não ter vícios. Como também professor de piano, sempre chegam alunos que não tiveram essas informações, aí preciso refazer a técnica, retirar os vícios, corrigir a postura.
Pedaço da Vila: A sua vinda para São Paulo foi motivada pela música. Como foi a mudança?
Adylson Godoy: Eu e meus irmãos viemos para estudar na escola Magdalena Tagliaferro, na época uma das melhores escolas de piano da cidade. Eu tinha 18 anos, nós vínhamos para a capital de trem, toda semana, para poder estudar. Essa vida começou a mudar quando o meu irmão, Amilton, resolveu se mudar sozinho para São Paulo. Preocupada com ele, minha mãe decidiu alugar uma casa na Aclimação e veio também, junto com o meu irmão mais novo, Amilson. Eu, como estava na faculdade de Direito, fiquei por mais oito meses fazendo essas viagens de trem, até vir de vez. Como meus irmãos eram muito aplicados nos estudos, rapidamente conquistaram muitos prêmios e concursos de piano. Foi aqui que aprendi muito sobre música, principalmente sobre improvisação, pois tive a oportunidade de tocar ao lado do extraordinário músico e jazzista José Godinho Filho, o saxofonista Casé. Foi com ele que tive as primeiras aulas de harmonia de jazz, interpretação, além conhecer músicos importantes, como Bill Evans, Wynton Kelly, entre outros indicados por ele.
Pedaço da Vila: O senhor se apresentou na noite paulistana. Como foi essa fase?
Adylson Godoy: Aqui começou definitivamente a minha trajetória. Tocava em bailes noturnos, nas casas que havia na Praça Roosevelt, no entorno das avenidas Ipiranga e São João. Como o meu tio, João Godoy, era muito conhecido, eu e meus irmãos ficamos conhecidos como os ‘sobrinhos do Godoy’. As grandes oportunidades surgiram com os shows universitários, na época da ditadura militar. Inclusive, foi por conta da ditadura que eu decidi me afastar do Direito e seguir a carreira de músico. Na década de 1960, eu fiz uma música chamada “Dá-me”, e gravei o meu primeiro LP. Essa música foi um sucesso no país inteiro, a ponto de ser tocada em programas de calouros e no programa do Chacrinha. “Dá-me” me lançou como compositor. Mais tarde, quando fui receber os direitos autorais da canção, eu recebi 1 cruzeiro, hoje equivalente a 1 real. Achei estranho, resolvi estudar o direito autoral e ajudei a fundar a SICAM e o ECAD.
Pedaço da Vila: Fale sobre sua participação em programas musicais e festivais que marcaram a MPB.
Adylson Godoy: Nesse período eu também trabalhava com a Elis Regina, na TV Record, como assistente de musicais da emissora, como o Fino da Bossa e Côrte Rayol Show. Eu fazia os arranjos da Elis para ela cantar, para a Orquestra do Ciro Pereira e para o Zimbo Trio. Minha vida mudou muito nesse momento, pois saltei do ostracismo para o estrelismo sem programar nada, foi tudo muito rápido. Foi um momento em que comecei a participar de festivais e a ganhar muitos. Quando venci o Festival Mundial da Venezuela, concorrendo com 18 países, competindo com Astor Piazzolla, decidi me afastar dos festivais. Eles foram, sem dúvida, um divisor de águas na história da música popular brasileira, pois a sua qualidade era enorme, reuniam músicos como Dorival Caymmi, Edu Lobo, Chico Buarque, Gilberto Gil, Roberto Carlos…
Pedaço da Vila: Por que optou por uma carreira direcionada para a composição?
Adylson Godoy: Eu acabei me tornando o compositor da família. Os amigos dizem que o Amilton é o pianista da família, o Amilson é o maestro, e eu sou o compositor. Foi algo natural, pois desde cedo eu já compunha. Mais tarde, quando Elis Regina, Maria Odette, Clara Nunes, Jair Rodrigues, entre outros artistas, cantaram minhas músicas, esse meu lado começou a ficar mais evidente. Ao todo, 42 artistas interpretaram as minhas composições, e foram 222 peças que escrevi, que sairão em breve num catálogo que estou preparando. Como compositor, sempre tomei como referência as composições de Roberto Menescal e Tom Jobim.
Pedaço da Vila: Sua relação com a música mudou nesses 50 anos?
Adylson Godoy: Mudou muito! Eu comecei minha carreira ouvindo muitos pianistas de jazz, orquestradores americanos, e sempre me perguntava qual era o caminho que a minha música estava tomando. Eu sempre quis fazer o que eu justamente estou fazendo hoje, que é misturar consonâncias com dissonâncias, misturar o simples e o complexo, o popular e o erudito. Eu fui descobrindo com o passar do tempo a linguagem da minha música.
Pedaço da Vila: No período de 1998 a 2003, o senhor comandou o programa “Adylson Godoy – Vida e Arte”, na TV Rede Vida, que foi importante para os artistas jovens…
Adylson Godoy: O programa ficou no ar durante seis anos, e passaram por ele mais de 200 artistas, que, além de contar sua história, apresentavam os seus trabalhos. A intenção era dar espaço para os novos talentos, apresentar a diversidade musical brasileira — em breve estará disponível para a internet. O mais legal do programa era abrir espaço para jovens artistas.
Infelizmente não temos mais isso hoje. Confesso que estou decepcionado com a música brasileira. São raros os programas de que o artista dispõe para divulgar seu trabalho; na TV, então, a coisa piora; é um programa aqui e outro ali, na TV Cultura. A música que está sendo comercializada hoje é da pior qualidade: as letras são pobres, todas falam mais ou menos a mesma coisa. Vivemos a decadência da música popular brasileira…
Pedaço da Vila: Por quê?
Adylson Godoy: Falta incentivo para os jovens talentos, que existem aos montes, mas não conseguem espaço para mostrar seu trabalho. Qual é a informação que os jovens de hoje têm? Eu fico triste quando paro para pensar nessa garotada que está querendo estudar música; o que eles têm como referência hoje? Se quiserem algo de qualidade terão que buscar em artistas do passado. Uma coisa tenho certeza: de tudo isso que anda fazendo sucesso hoje nada sobreviverá! Para mudar esse cenário precisamos valorizar nossa cultura.
Pedaço da Vila: Há quantos anos o senhor reside no bairro e qual é a sua relação com ele?
Adylson Godoy: Eu amo este bairro. Ele tem tudo o que eu preciso e tudo é muito próximo. Tenho uma linda vista para o Parque Ibirapuera. Não tenho do que reclamar. Eu moro aqui desde 1970, e costumo dizer que não moro em São Paulo, moro na Vila Mariana!