Voz da Vila

Diante da falta de representatividade, muitos moradores estão de braços atados e sem ter a quem recorrer para resolver os problemas do dia a dia no bairro. Essa sensação de impotência ocorre com frequência em função da falta de segurança, dos ruídos dos bares, da especulação imobiliária e das limitações do poder público.

Os moradores até sabem o que é preciso ser feito para melhorar sua qualidade de vida no espaço em que vivem. Mas, na hora de estabelecer um diálogo com os órgãos competentes, sempre encontra dificuldades. 

A participação da comunidade nas políticas públicas da região continua muito baixa, como foi visto no dia 4 de agosto no Teatro João Caetano, palco da audiência de devolutiva do Plano de Metas da prefeitura. Na oportunidade, o teatro não recebeu nem quarenta pessoas, em sua maioria conselheiros participativos municipais e funcionários da prefeitura regional VM. O prefeito regional Benedito Mascarenhas lamentou a baixa adesão da comunidade e revelou que não escolheu o local ao acaso. “Decidi fazer a reunião no teatro para que os vizinhos pudessem conhecê-lo”.

A participação dos munícipes é fundamental, defende Benê, morador da região. “Somente desta forma é que iremos conquistar melhorias para o bairro e cometer menos erros em nossa gestão”. Sobre os pedidos dos moradores que foram contemplados no Plano de Metas, ele afirmou que “a maioria foge à alçada prefeitura regional”. E justifica: “Muitas das demandas competem às Secretarias Municipais, não dependem de nós. A prefeitura regional não tem autonomia nem orçamento para concretizar tudo”.

Das 53 metas que fazem parte do novo Plano de Metas da prefeitura, apenas 8 são regionalizáveis. A Vila Mariana ficou em sexto lugar no ranking de contribuições. No total, entre portal da prefeitura, audiências públicas e ofícios e e-mails, foram 1.436 sugestões apresentadas pelos moradores e pelo conselho participativo municipal. 

No entanto, durante a audiência de devolutiva do Plano de Metas da Vila Mariana, não foram especificados os pedidos da comunidade que foram contemplados na versão final do documento; isso desagradou alguns participantes, entre eles Laís Galhardi,  coordenadora do conselho participativo municipal VM.

“Além da presença ínfima de moradores, a audiência abordou apenas as questões gerais do Plano de Metas. Eu esperava uma apresentação que esclarecesse ao munícipe o que foi contemplado na Vila Mariana. E não foi o que aconteceu. A audiência não informou o que  a população precisava saber”.

Segundo Laís, isso afasta as pessoas da atuação do poder público. “A população vai perdendo a confiança e o interesse de participar. A audiência não serviu para nada”. 

Ela lembra que as audiências anteriores foram realizadas nas 32 prefeituras regionais da cidade e, portanto, as devolutivas também deveriam ter sido dirigidas às metas locais.

Entre as metas estabelecidas pelo plano e que devem ser concretizadas no bairro até o fim da gestão, em 2020, estão: a instalação de internet de alta velocidade nas três EMFs da prefeitura regional e nas duas bibliotecas públicas do bairro, criar três novos pontos de wifi nas praças, implantar prontuário eletrônico nas três UBSs da região, criar um Centro Dia para idosos, garantir a abertura de três ruas para o lazer e promover estudos da bacia hidrográfica do Córrego do Sapateiro. 

Muitos pedidos recorrentes dos moradores não foram atendidos. Entres eles estão a revitalização do Largo Ana Rosa, a requalificação da praça comunitária da Av. Lins de Vanconcelos, a criação de um parque linear na Av. Dante Pazzanese e a instalação de semáforos sonoros no entorno do Instituto para cegos Dorina Nowill.

“As audiências deixam a desejar em relação a atender as demandas apresentadas pela população. Elas são realizadas apenas para mostrar que houve a participação da comunidade. Na verdade, os governantes nem fazem questão da nossa participação nas políticas públicas, pois o que parece é que nunca levam em consideração os nossos pedidos”, desabafa a coordenadora do CPM-VM, também diretora da Associação dos Moradores da Chácara Inglesa.

Em seu segundo e último mandato, Laís Galhardi também destaca que a representatividade do conselho irá diminuir. “Em nossa última reunião recebemos a visita do coordenador dos conselhos participativos, Celso Henrique, que informou que o número de conselheiros sofrerá a redução de um terço. A nossa voz como população está sendo colocada em xeque”. 

O decreto (57.829) que altera a atuação dos Conselhos de bairros foi publicado no Diário Oficinal no dia 15 deste mês. A partir de agora as eleições para compor o conselho da Vila Mariana serão realizadas separadamente pelos três distritos de abrangência da prefeitura regional da Vila Mariana (Moema, Saúde e Vila Mariana) e cada eleitor poderá votar em apenas um candidato, não mais em cinco, como era na gestão anterior. 

O prefeito regional Benedito Mascarenhas explica que agora cada conselheiro passará a representar 30 mil habitantes, e não mais 10 mil, como era até então. “Hoje se questiona o número de representantes, de deputados, de senadores. O mundo vive a era da tecnologia. Mesmo com uma equipe mais enxuta, é possível estabelecer debates pela internet sem perder o valor da atuação. A diminuição dos conselheiros não irá tirar nenhum direito que já foi conquistado pelos moradores”, acredita Benê.

Essa baixa de membros irá prejudicar a atuação do conselho, alerta Laís, que ainda fica pior com a falta de autonomia das prefeituras regionais. “Hoje, com a atual capacidade de conselheiros (34), já não conseguimos ter representatividade no bairro, imagine quando for reduzido esse quadro!

Benedito Mascarenhas reforça que a competência da prefeitura regional é restrita à zeladoria urbana. “A nossa estrutura de atuação é estabelecida dessa maneira. A nós, prefeitos regionais, cabe o papel de mediar as demandas apresentadas pelos moradores e cobrar a concretização delas pelas Secretarias Municipais. As melhorias no bairro vão aumentar conforme à participação dos moradores. Quanto maior ela for, maiores serão as conquistas”.

UNINDO FORÇAS

Quando as demandas não são atendidas pelas vias oficiais, as ruas do bairro viram palco para manifestar as insatisfações dos moradores. Em 2002, vizinhos se mobilizaram para garantir um patrimônio do bairro.  Eles moveram uma ação civil e deram um grande abraço no Instituto Biológico para pedir o tombamento do conjunto arquitetônico como bem cultural de interesse histórico, arquitetônico e urbanístico.  E hoje a preservação está garantidade pelo Conpresp e Condephaat, órgãos de preservação municipal e estadual respectivamente. Falta agora ser   tombado também pelo Iphan (esfera federal).

Em 2004, sob o comando do primeiro-ministro da República da Vila Mariana, o sr. Walter Taverna, um grupo de moradores saiu às ruas para pedir a reabertura da Casa Modernista, que correu o risco de ser vendida e, por anos, permaneceu fechada. “Somos nós que cuidamos de nossa cidade. O exemplo começa em cada cidadão”, ensina o notável agitador cultural da Vila e do Bixiga.

O engenheiro agrônomo e conselheiro participativo Ricardo Fraga de Oliveira  encampou, em 2013, a intervenção coletiva o Outro Lado do Muro contra a construção do condomínio Boulevard Ibirapuera no último amplo terreno do pedaço, localizado no número 534 da Av. Conselheiro Rodrigues Alves. Alegava que ali está o rio Boa Vista, que segue pela Rua Maestro Callia e deságua no Parque Ibirapuera.

O movimento de Fraga consistia em convidar os pedestres a olhar o terreno e imaginar seu destino, para depois desenhá-lo e pendurá-lo num varal preso ao muro. Tanto as crianças quanto os adultos desenharam o melhor destino para o terreno: abrigar uma praça. Mas de nada adiantou a mobilização e as obras foram iniciadas — e chegou a ser embargada no final da gestão do prefeito Kassab pelo secretário do verde e do meio ambiente Eduardo Jorge. No entanto, os interesses econômicos ganharam mais uma vez e, hoje, a área abriga três torres de 27 metros, com 750 vagas na garagem.

A força da construtora Mofarrej somada, à época, aos escândalos de corrupção envolvendo Hussain Aref Saab, ex-diretor da secretaria Municipal de Habitação, órgão responsável pela liberação de obras na prefeitura, venceu a vontade da comunidade. E, ainda, Ricardo Fraga foi processado pela construtora, que teve ganho de causa. A Justiça determinou que, caso Fraga ultrapassasse o raio de 1km da obra, teria que pagar uma salgada multa. Ele também foi proibido de fazer menção ao caso na internet e na página do movimento no Facebook.

Além de lhe render o apelido de Ricardo do Muro, a intervenção despertou a coletividade dos moradores, avalia o vizinho. “Eu percebi que as pessoas queriam participar, só que não sabiam de que forma. A manifestação em favor da praça na Av. Conselheiro Rodrigues Alves foi um instrumento importante para ativar essa vontade, pois todos podiam se expressar. Percebi que a participação dos moradores é contida”, observa.

Para Fraga, a mobilização mostrou a necessidade de união para garantir os direitos dos moradores. “O Outro lado do muro me fez refletir sobre a ocupação do espaço urbano, sobre a nossa relação com o bairro e, principalmente, sobre o que podemos fazer para torná-lo cada vez melhor. O número de vizinhos que estão preocupados e que querem participar das causas coletivas aumentou , principalmente em casos de especulação imobiliária. Enquanto querem construir prédios, nós queremos abrir os nossos rios, ampliar as áreas verdes, com mais espaços de convivência entre os vizinhos. Só precisamos nos organizar para lutar a favor das nossas causas”, afirma.

NOVA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES

Essa falta de representatividade dos moradores  diante das decisões que determinam os rumos do bairro motivou um grupo de vizinhos a fundar uma nova associação de moradores da Vila Mariana, limitada na área situada entre as Avenidas 23 de Maio e Sena Madureira e a Rua Domingos de Morais. 

“A associação nasceu para suprir a nossa falta de voz diante das transformações que a Vila Mariana vem sofrendo nos últimos anos”, diz o geólogo Giuliano Saraceni Issa Cossolin, um dos fundadores da nova entidade para defender o bairro. E ele justifica: “Em muitos momentos nos vemos sem ter a quem recorrer. Numa área tão importante como a nossa, que dá acesso ao Parque Ibirapuera, abriga muitos patrimônios e liga a Zona Sul ao Centro, é muito importante que tenhamos voz. Não podemos ficar apenas olhando”, adverte.

A associação, afirma Giuliano, dará força às solicitações dos moradores. “Somente organizados é que iremos conseguir cobrar as nossas demandas junto ao poder público. Há muitas melhorias para serem feitas no bairro e precisamos pleiteálas: melhorar a segurança, nossas calçadas, resolver o desperdício de água pelos prédios, criar espaços de lazer, preservar os nossos patrimônios. Precisamos ter poder de decisão sobre tudo isso”, alerta.

Durante as suas caminhadas pelo pedaço, aos fins de tarde, a arquiteta Denise Sotiropulos diz se assustar com o estado de abandonado do espaço público. “É um horror! As lixeiras, que já são insuficientes, estão despencando pelas ruas do pedaço; as calçadas estão todas esburacadas e oferecem sérios riscos aos pedestres, principalmente aos idosos e aos que têm mobilidade reduzida…”.

Foi para cobrar ações para essas causas comuns do bairro que ela se apresentou para ajudar a fundar a nova associação de moradores. “Não podemos ficar de braços atados enquanto o bairro é alterado a desgosto de quem vive nele. As construtoras estão derrubando a nossa história e precisamos nos unir contra isso. Essa associação será muito importante para preservarmos o bairro e cobrar ações efetivas a esse respeito: primeiro do poder público, e, depois, das empresas privadas”, diz a arquiteta.

Denise também destaca algumas das demandas muito cobradas pelos moradores e que, embora não tenham sido contempladas no Plano de Metas da prefeitura, foram abraçadas pela nova associação. “É o caso do Largo Ana Rosa, ponto histórico do bairro que hoje se encontra deteriorado e abandonado pelo poder público; a reurbanização da Comunidade Mãos Unidas, na Rua Mário Cardim; e a requalificação da Av. Dante Pazzanese, totalmente esquecida”.

Segundo ela, a associação permitirá cobrar uma participação mais efetiva das empresas para a preservação do bairro. “As construtoras são um bom exemplo disso. Elas têm muitos benefícios para construir aqui e não oferecem nada de contrapartida, não trazem nenhum benefício aos moradores. O adensamento do bairro está fora de controle. As empresas que estão lucrando em nossa região precisam investir nela, seja numa praça, numa calçada, num espaço de convivência ou em ações que melhorem a nossa qualidade de vida. Nós é que precisamos cobrar isso delas”, observa. 

Para os vizinhos, uma associação forte também dará condições para fazer parcerias com os centros hospitalares, educacionais e culturais da região, visando contribuir para a preservação da identidade do bairro, de seus patrimônios e para garantir a qualidade ambiental a seus moradores. 

“Todos que gostam de viver aqui precisam ajudar a cuidar do nosso bairro. De forma isolada, não iremos muito longe. A Vila Mariana precisa se unir para ter uma voz que represente seus moradores. E é isso o que estamos buscamos com essa associação”. 

“Vamos fundar ainda este ano. Quem quiser participar, fique de olho na página do Pedaço da Vila do Facebook. “Vamos pedir a adesão de todos os moradores”, adianta Denise.