Vila Mariana mais sustentável

Quando os portugueses chegaram a São Vicente ficaram impressionados com a exuberância da floresta tropical. A diversidade e a densidade da flora brasileira — 20% das espécies do planeta — foi um choque cultural. Os caminhos eram intransponíveis; no primeiro momento, um desafio para abrir clareiras, estradas e, mais tarde, a vila de São Vicente e os Campos de Piratininga. No segundo momento, descobriu-se uma inesgotável fonte de renda: as madeiras nobres, como o pau-brasil e a jequitibá-rosa (que chega até 50 metros de altura e ultrapassa os 500 anos de idade). Essa foi a primeira atividade econômica dos portugueses no novo mundo…

No período colonial, as cidades eram projetadas em forma de terreiro — Igreja, casa e comércio construídos com frente a um grande quadrado, sem vegetação nenhuma — o quintal, destinado ao pomar, ficava sempre aos fundos das casas. As vilas eram abertas em campos cerrados, pela facilidade da construção: com a ausência de grandes árvores e pela aparente falta de beleza. No entanto, esse tipo de vegetação era composto por uma flora muito rica, de muitas espécies — e que foi a primeira a ser destruída.

A Mata Atlântica resistiu à expansão da cidade de São Paulo até as primeiras décadas do século passado. Com a chegada dos imigrantes europeus, atraídos pelo mercado cafeeiro, as espécies nativas começaram a ser substituídas por plantas estrangeiras, muitas delas invasoras que destruíram as existentes.  “O paisagismo europeu assumiu um caráter de status, e tudo o que havia de flora brasileira passou a ser considerado mato. As plantas daqui foram substituídas por meia dúzia de espécies importadas da Holanda, Japão e Estados Unidos, como parte do projeto da elite paulistana de transformar São Paulo numa Paris”, revela o botânico Ricardo Cardim.

Em março deste ano Ricardo colocou em prática um projeto para inserir a Mata Atlântica no espaço urbano: as florestas de bolsos. “É o que eu chamo de arqueologia botânica, pois se trata de um trabalho de resgate de espécies nativas que já foram muitos comuns e hoje estão praticamente extintas”, diz ele.

Hoje, 90% da vegetação da cidade são formadas por espécies importadas. “O projeto floresta de bolso trabalha para recuperar essa biodiversidade perdida, que é riquíssima, e para colocar a Mata Atlântica em contato com as pessoas novamente, aproximando-as das cores, dos frutos, das texturas, dos sabores; é algo que precisamos muito fazer no espaço urbano, pois essas florestas atrairão pássaros e aumentará a nossa biodiversidade”, diz ele.

Por meio de mutirão já foram plantadas três florestas desse tipo na cidade, uma em Pinheiros, outra na Cidade Jardim e, no dia 15 de maio, com o apoio do CADES (Conselho do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Vila Mariana) e da Agenda 21, trezentas pessoas participaram do plantio da primeira floresta de bolso no pedaço, no terreno da Rua Paulo Francis, junto à Praça Soichiro Honda (em frente à reitoria da UNIFESP). 

No local, onde está instalado o Parque das Cores do Escuro, da artista plástica Amélia Toledo, foram plantadas 50 espécies nativas da Mata Atlântica com risco de extinção, entre elas a umbaúba, bacanela, araçá amarelo, peroba, pau de jacaré, chico branco, entre outras árvores. “Eu nasci e cresci num apartamento em Moema. Sempre gostei de plantar em casa e, na varanda, cheguei a ter mais de 200 mudas. 

O reflorestamento do espaço urbano foi uma consequência disso tudo, pois sempre tive um olhar crítico sobre São Paulo e o pouco verde que temos. Isso me levou a ter certo ativismo para mudar essa realidade”, diz Ricardo, que trabalha as espécies nativas também como paisagista: “O jardim serve para as pessoas, não para a estética”, ensina.

A floresta de bolso, segundo o botânico, reproduz a dinâmica natural da Mata Atlântica, com árvores próximas umas das outras que competem de modo positivo. “Não é uma composição aleatória de plantas nativas, ela parte do que eu estudei nas florestas que sobreviveram ao desmatamento na capital. Ela pode ser plantada em pequenas áreas, a partir de 15m²”, explica.

O plantio no bairro foi concretizado graças a pessoas que há tempos trabalham pelo meio ambiente da região: Lara Freitas (Cades e Ecobairro) e Nina Orlow (Agenda 21), além de Sérgio Shigeeda (Cades e responsável pela horta comunitária da Saúde). “Desde a escolha do local até a manutenção, foi um trabalho feito por muitas mãos. Teve a aprovação e ajuda da Subrefeitura, uma vaquinha para comprar as mudas, a participação intensa do Cades, da Agenda 21 e dos grupos Novas Árvores por Aí e Árvores de São Paulo”, destaca Cardim.

“A iniciativa do  plantio  está alinhada aos 134 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — Agenda 2030, além de fortalecer o exercício de cidadania e a cultura de paz”, ressalta Nina. 

Muitos moradores participaram do mutirão no bairro. “O engajamento foi excelente, primeiro em um curso que realizamos sobre paisagismo sustentável, depois, na prática: na Praça Soichiro Honda. Qualquer pessoa pode participar. “O curso não é uma regra, ele pode acontecer ou não”, explica Ricardo, que fez uma palestra a pedido do Cades  e da  Agenda 21 da Vila Mariana. 

Por ora não há previsão de um novo plantio no bairro, mas o desejo de Cardim é fazê-lo, aqui, pertinho, ao lado do Obelisco. “Do ponto de vista botânico, o espaço é perfeito para receber uma floresta de bolso. A ideia inicial era fazer o plantio próximo ao Obelisco, mas não conseguimos autorização da CET, o que nos fez mudar o local”, informa o botânico.

As 110 árvores plantadas na praça, ao lado das pedras encomendadas na Chapada de Diamantina por Amélia Toledo, trouxeram para o pedaço uma diversidade de espécies nativas que irá ajudar a melhorar a umidade do ar, a baixar a temperatura, a reter a fuligem dos veículos, reciclar os gases tóxicos, minimizar a poluição sonora e servir de abrigo para a fauna nativa. “Ela também servirá como uma ‘bomba de biodiversidade’ para a cidade, espalhando-se pelo vento e aumentando a floresta nativa na metrópole”, vislumbra Cardim. Quem sabe teremos de volta os esquilos, o tucano-de-bico-verde, o pica-paus-de-cara-canela e as inúmeras borboletas que viviam por aqui antigamente…