Por um lugar ao sol
Que bom seria se o pedaço tivesse um parque ou praça para convivência saudável de seus moradores. Embora técnicos do poder público digam que não há terrenos disponíveis, a região conta ainda com poucas áreas que poderiam suprir essa carência
Se as metas previstas no Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo forem cumpridas, daqui a sete anos, a capital ficará um pouco mais verde. A proposta, que ainda está em discussão e deve ser entregue à Câmara até o final do ano, prevê a ampliação das áreas arborizadas em 29 das 31 subprefeituras. Contudo, segundo a Secretaria do Verde, responsável pelo plano, a Vila Mariana (zona sul) e Ermelino Matarazzo (zona leste) não seriam contempladas com espaços verdes, pois não há áreas municipais nem particulares passíveis de desapropriação que possam virar parques nestes distritos.
O próprio secretário municipal do verde e meio ambiente, Eduardo Jorge Sobrinho (morador do bairro), confessou em uma das audiências públicas do PDE, realizada este ano na Cinemateca Brasileira, que a prefeitura tem uma dívida com a Vila Mariana, bairro da cidade entre os mais carentes de praças e parques. Parece até estranho devido a proximidade com o Ibirapuera, mas oficialmente o parque – que fez 55 anos em agosto último – pertence a Moema e é freqüentado por toda a população da cidade, chegando nos finais de semana a receber 130 mil pessoas.
Se por um lado técnicos em habitação afirmem que a Vila Mariana, já saturada de prédios e construções, encontra-se desprovida de áreas passíveis de desapropriação para virar parques, há sim áreas abandonadas e/ou subutilizadas que poderiam ser bem aproveitadas para essa finalidade.
A principal delas é o terreno de 12,7 mil m² situado ao lado do Instituto Dante Pazzanese. Pertencente ao governo estadual, o local há muito tempo ficou esquecido, até que foi doado ao hospital por decreto do governador no final de 2007, fato que frustrou a comunidade que sonhava com o uso popular do espaço. Logo depois de tornar-se proprietária da cobiçada gleba, a então diretoria do instituto instalou um estacionamento clandestino em pleno terrão.
Ilegal, o serviço de garagem só funcionou por alguns meses, pois daria lugar ao projeto de ampliação das instalações do instituto. Mas, como o diretor da época foi afastado no final de 2008, sob suspeita de irregularidades administrativas, a proposta não saiu do papel. Assim, o amplo terreno encontra-se até hoje oscioso e com mato crescente. Valiosa pela privilegida localização, a área pertencia no passado ao Instituto Biológico, ligado à Secretaria de Estado da Agricultura. Mas, em 1994, foi doada por lei pela gestão Fleury à União, para construção de um edifício-sede do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região de São Paulo. Conforme previa uma das cláusulas da cessão, o órgão jurídico teria que tomar posse do lugar e implementar sua obra em dez anos. O tempo passou e nada foi feito por lá. O prazo da construção não foi cumprido e expirou em 2004. Com isso, o TRF teve de devolver o patrimônio, que ficou sob guarda jurídica da Fazenda Pública do Estado, até o decreto do governador transferir a posse da propriedade para o Instituto Dante Pazzanese.
Diante do futuro incerto, o terreno foi destaque na pauta da última audiência pública da revisão do PDE, realizada pela Prefeitura, no dia 20 de agosto, na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Na ocasião, em que sete vereadores estavam presentes (quatro moradores da região), Dalton Silvano (PSDB) sugeriu a criação de um parque temático do idoso no referido local. Para isso, encaminhou ofício ao vereador Police Neto (PSDB), relator do plano diretor e presidente da Comissão de Politica Urbana da Câmara, a fim de incluir a proposta no debate da revisão do PDE, para possível contemplação no texto final do projeto. A própria assessoria do relator destacou a carência de área verde na região em matéria sobre a audiência pública no site da Prefeitura.
De acordo com Dalton Silvano, as áreas verdes da cidade e da região estão muito aquém das entendidas como ideais pela Sociedade Brasileira de Arborização, que recomenda 15 m² por habitante. “A área verde por habitante no bairro da Vila Mariana gira em torno de 6,48 m². Para reverter esse quadro, apresentei a proposta [no terreno do Dante Pazzanese], dentre outras, para integrar o projeto 100 Parques para São Paulo, lançado em janeiro do ano passado e que já aumentou de 41 para 57 parques municipais na capital”, esclarece o vereador, ressaltando o desejo do prefeito Gilberto Kassab.
Embora voltado à terceira idade, o parque idealizado pelo parlamentar seria de toda a comunidade, incluindo também os convalescentes do Instituto Dante Pazzanese. “A diferença é que esse novo espaço poderá ter adequações para melhor receber o idoso, que sofre com a ausência de equipamentos públicos adaptados com rampas acessíveis, barra de segurança nos banheiros, equipamentos esportivos, ausência de degraus e desníveis no piso”, vislumbra, consciente do número de aposentados que vivem na região.
É possível que o projeto de lazer que atenderia aos anseios da vizinhança fique, infelizmente, apenas no campo da imaginação. Isso porque a Secretaria de Estado da Saúde, responsável pelo Instituto Dante Pazzanese, diz ter planos para a área desocupada. E informa que o hospital desenvolve projeto de ampliação de suas instalações no local.
Segundo a pasta, assim que a atual reforma em andamento da área já construída do hospital for concluída, será iniciada a expansão da unidade. No entanto, a obra não tem prazo para ocorrer, tampouco foi definida a nova estrutura ou departamento a ser erguido. Até mesmo por isso, os moradores defensores da criação do parque temem que o terreno fique mais um bom tempo largado, sob o pretexto de que ainda terá alguma destinação em prol do instituto ou que seja regularizado o estacionamento – o que seria um desperdício!
Em meio ao impasse, a Subprefeitura Vila Mariana concorda que falta área verde no bairro. Mas diz que pouco pode fazer, além do papel de fiscalizar, caso haja problemas de lixo, mato alto ou ausência de muro no terreno.
Há outras opções no bairro para se criar o tão desejado parque público. Uma alternativa viável poderia ser os dois lotes de 9.382 m² no total, situado na avenida Conselheiro Rodrigues Alves, onde funcionava a antiga fábrica de cera Record. O estabelecimento foi desativado em 1974, por força da primeira lei de uso e ocupação do solo instituída na cidade . Desde então, a área particular está abandonada, mas uma reviravolta pode acontecer e transformar o local. A Subprefeitura Vila Mariana indicou o terreno da antiga fábrica no projeto de revisão do PDE para a aplicação da chamada utilização compulsória, prevista no Estatuto da Cidade para imóveis que não cumprem sua função social. Nesse caso, os proprietários teriam um prazo de um ano para dar destino adequado ao terreno, senão ele seria submetido a processo de desapropriação e repassado à prefeitura.
“A área passaria a pertencer ao poder público não por estar abandonado, mas porque, conforme consta no plano diretor estratégico, possue coeficiente de aproveitamento menor que o mínimo estabelecido pelos planos regionais”, justifica Fernando Vecchia, supervisor de planejamento urbano da subprefeitura. “Para desapropriar o local, a nova lei do plano diretor regional deverá ser regulamentada. Caso contrário, cabe à subprefeitura fiscalizar quanto à limpeza, muros e passeio público”, acrescenta.
Ao mesmo tempo, a praça de 3 mil m² dentro da Cinemateca Brasileira, vinculada ao Ministério da Cultura, também aparece como candidata a parque público no pedaço. A comunidade reclama que o espaço da instituição federal, apesar de aberto a visitantes, tem o uso limitado. O próprio secretário do verde e meio ambiente, Eduado Jorge, havia reforçado o coro de críticas a respeito. Ele mandou e-mail ao então ministro da cultura, Gilberto Gil, para propor o melhor aproveitamento do lugar, situado no Largo Senador Raul Cardoso. Mas até o momento, nada mudou e o local vive vazio.
Se o sonho de um ensolarado parque para a comunidade da Vila Mariana não se concretizar, um alento está no futuro Museu de Arte Contemporânea (MAC), que ocupará o atual prédio do Detran até maio de 2010, previsão da Secretaria de Estado da Cultura . As reformas já começaram – estima-se que serão gastos 60 milhões – e mais de 80% dos departamentos do Detran já saíram de lá. Pelo projeto, a aréa envolta ao museu será uma extensão do parque Ibirapuera. Dessa forma, está prevista uma área de paisagismo próxima à avenida Dante Pazzanese. “Para o novo terreno do MAC, vamos ocupar só até aquele pedaço das quadras e campos do Detran, que será transformado num parque público com jardim de esculturas”, promete o secretário-adjunto estadual de cultura, Ronaldo Bianchi. Espera-se que o novo espaço não tenha o mesmo destino do baixo Cebolinha, que tornou-se um albergue de moradores de rua, instalado entre as exuberantes pedras que compõem a obra “Parque das Cores Escuras”, da renomada artista plástica Amélia Toledo.
Enquanto isso, idosos passeiam pelas más conservadas calçadas olhando para o chão com medo de cair, mães e babás guiam os carrinhos de bebês no meio fio com perigo de serem atropeladas. E as crianças? Bem, as crianças que fiquem à frente das telinhas da TV, dos vídeo-games e do computador… Já que não temos um parque para uma convivência sadia, é o que nos resta.