Perigo na Esquina!
A área de estacionamento, ao lado do portão 3 do Parque Ibirapuera, conhecida como autorama e famoso ponto de encontro GLS, tornou-se um dos principais focos de criminalidade do bairro, deixando em alerta a polícia, a administração do parque e a vizinhança
Tradicional ponto de encontro noturno do público GLS (grupo hoje denominado GLTB), o “Autorama” do Parque Ibirapuera parece ter virado “terra de ninguém” nos últimos tempos. Segundo autoridades policiais, o local tornou-se um dos principais focos de criminalidade do bairro. O problema, aliás, é debate recorrente nas mensais reuniões comunitárias do Conselho de Segurança (Conseg) da região.
Sem a devida fiscalização a noite, o Autorama, que de dia serve como circuito para aulas práticas de motocicleta, transformou-se em antro repleto de ilegalidades. Na área cercada por gradil com pouco mais de 10 mil m² do lado oposto ao Detran, tem rolado muita coisa além da habitual paquera motorizada… Desde tráfico de drogas e armas, até rede de pedofilia, prostituição e atos de libertinagem ao ar livre.
“Lá no autorama a situação é grave. Existem os menores que vão para fazer a lascívia, tem o comércio de drogas em pequenas quantidades para os usuários dali e também a eventual busca por armas ilegais. Ainda há o fluxo de meliantes que vão atacar casais homossexuais ou não. A migração de ‘alienígena’ de outros bairros para aquele local é muito grande”, descreveu o delegado titular do 36° DP Vila Mariana, Eymard Ferreira Júnior.
Segundo ele, todo trabalho policial é dificultado naquele bolsão porque as pessoas atacadas dificilmente fazem o boletim de ocorrência. “Registrar o caso é peça fundamental no tocante à investigação mais profunda e para se ter provas que intensifiquem a periodicidade das operações naquele local. Existem pessoas que são de uma elite que, se forem roubadas, não vão dizer que estavam naquele lugar, onde todos sabem que tem um encontro homossexual.”, opinou Eymard.
Em março de 2006, a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente, responsável pelo parque, chegou a determinar o fechamento do autorama da meia-noite às 5h, com a justificativa de que era preciso combater os casos de criminalidade na área. Mas a medida foi classificada como preconceituosa por entidades gays. Para evitar maiores protestos na época, a pasta decidiu poucos dias depois reabrir o espaço por 24h. “Algumas Ongs protegem mesmo o autorama, pelo fato dele ser tombado e cercado”, observou o delegado.
Mas, apesar da preocupação e cuidados do terceiro setor com aquele pedaço, a situação só piorou. Há mais de 80 boletins de ocorrência registrados nos últimos meses pela vizinhança na 36° DP relacionados aos transtornos no autorama.
BLITZ POLICIAL NO FINAL DE SETEMBRO
O resultado da última blitz policial feita ali no fim de setembro é espantoso. A batida recolheu oito garotos de programa menores de idade, aprendeu drogas, veículos e ambulantes irregulares e deteve pessoas em ato de sexo explícito. “Houve casos de o próprio pai ser o ‘cafetão’ do filho menor. Como o poder público admite uma coisa que não existe em nenhum país do mundo?” Ou seja, um local aberto à prostituição generalizada e a tráfico de drogas”, reclamou Douglas Melhen, presidente do Conseg Vila Mariana – Paraíso e participante das operações policiais.
Ele diz que o público freqüentador originário do autorama foi embora há muito tempo. No lugar, vieram maus elementos de outras partes da cidade. “Antigamente, o autorama era um espaço nobre da cidade que virou área de confinamento gay, até por discriminação social. Com o tempo, a presença deles atraiu um comércio irregular que, por sua vez, despertou interesse de assaltantes e pessoas mal intencionadas. Hoje, o público gay tem dinheiro, preserva-se e usufrui de outros ambientes mais privativos. Os verdadeiros usuários do lugar foram embora. O público que existe lá agora é de bagunceiros, que transam a céu aberto e vandalizam a vizinhança”, explicou.
MIGRAÇÃO PARA O PARQUE DAS PEDRAS
Segundo Melhem, parte dessa gente espúria do autorama tem migrado também para o parque das Pedras, no baixo do Complexo Cebolinha, e rua Curitiba. Para melhorar a fiscalização, o presidente do Conseg sugere a instalação de câmeras no bolsão de estacionamento. “A Subprefeitura de Vila Mariana deveria implantar imediatamente um circuito de vigilância eletrônico para filmar tudo o que se passa no lugar. Assim, inibiria os delitos, haveria mais provas de flagrantes e quem sabe o autorama voltaria a ser um ponto de encontro tradicional como qualquer praça”, aconselhou.
Recentemente, uma série de ações envolvendo diversos órgãos públicos foi implementada para atenuar o estado caótico do autorama, que recebe cerca de 600 carros só nos finais de semana. A área ganhou algumas benfeitorias, como novos postes de iluminação, recapeamento, gradil, cestos de lixo, poda de árvore e reforço na segurança. No horário de funcionamento do parque Ibirapuera, 20 vigilantes terceirizados e 15 guardas civis metropolitanos se revezam na patrulha. Após a meia noite, uma viatura da GCM com três guardas mais outros quatro vigias ficam a postos no visado local. As barracas de ambulantes e alimentos antes ali presentes foram removidas pela força-tarefa. Só é permitido agora o bicicletário. “Tínhamos alguns policiais disfarçados nas barracas de alimentação e a remoção dificultou o policiamento”, revela o delegado.
Todo o espaço também foi demarcado com vagas de zona azul, diariamente das 10h às 20h e sua limpeza é efetuada todas as manhãs. “Quando preciso, sempre solicitamos apoio aos órgãos envolvidos e cada um tem de fazer seu papel. As medidas adotadas são para a melhoria do autorama e não impedir o direito de ir e vir das pessoas. Mas elas precisam respeitar a cidadania. Se todos trabalharem juntos, e a população se conscientizar, a situação vai melhorar”, defendeu Francisca Cifantas, administradora do parque Ibirapuera desde julho de 2005.
AÇÕES DE CIDADANIA
Ela pede a colaboração dos freqüentadores do autorama para minimizar os conflitos existentes com a vizinhança. “O pessoal que usufruir o espaço deve respeitar a lei do silêncio e manter a limpeza. Não pode parar o carro, buzinar e ligar o som alto. Vamos fazer algumas ações de conscientização, pois o local sempre amanhece sujo, cheio de garrafas de bebidas alcoólicas no pé das árvores, guardanapos e preservativos no chão”, relatou Francisca. “Somos contra a ilegalidade, temos de fazer as regras serem cumpridas e não tem nada a ver com preconceito de quem utiliza o autorama”, completou.
De acordo com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, o autorama “exige uma ação permanente intersetorial. E todos os órgãos envolvidos já buscam o equacionamento das questões problemáticas”. Para retirar a presença de menores na área, por exemplo, a equipe do programa “São Paulo Protege”, da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, comparece e pode ser acionada. À subprefeitura do bairro cabe fiscalizar o comércio informal. As Polícias Militar e Civil devem ser chamadas, de acordo com suas competências, quando a situação exigir. Outro trabalho importante desta força-tarefa tem sido praticado pela coordenação de diversidade sexual da prefeitura. Ela é responsável por desenvolver ações educativas, no sentido de evitar atos ilícitos e de sexo explícito por parte do público freqüentador. Segundo ainda a Secretaria do Verde, as novas delimitações no ponto de paquera gay fizeram seus usuários se concentrarem mais próximos ao portão de entrada e não mais perto das alças do viaduto e casas da região.
Para o vereador José Police Neto (PSDB), o Netinho, líder governista e membro da comissão dos direitos da juventude da Câmara Municipal, a saída dos camelôs já refletiu em queda de movimento do autorama. Dessa forma, avalia, o processo iniciado de recuperação da área pode trazer maior qualidade de vida e harmonia ao parque. “A preocupação é que a utilização do espaço não gere mais conflitos. Há sim um problema lá, pois envolve um processo cultural em torno da comunidade gay. Os resultados das atuais mudanças ainda não surtiram o efeito desejado, mas o debate e a busca do entendimento já vêm sendo realizados para a nova reorganização do local”, afirmou Netinho, também pesquisador social.
O vereador crê que a comunidade organizada GLTB apóia o bom uso do autorama. “Como entidade séria, ela não vai se manifestar contra as melhorais de um espaço conhecido mundialmente. Só que sua utilização não pode ser ilegal nem conflitante”, ponderou.
A atuação coletiva das diferentes instituições públicas mostra o tamanho do problema e a urgente necessidade de que o autorama apenas volte a ser o point alternativo da agitada vida paulistana.