O PODER DA ARTE

Artistas expressivos, com obras experimentais, questionam a instigante e utópica relação entre arte e política, nesta 29.ª Bienal de São Paulo, que ressurge, após a crise, forte e plena em sua missão de ser um difusor da arte. Para compreender a importância da mostra para a arte visual brasileira e melhor desfrutá-la durante a visita, o Pedaço da Vila pesquisou sua história e conversou com o curador Agnaldo Farias

Perto de completar 60 anos de existência, a Bienal de São Paulo passou por profundas modificações até se consolidar como uma das três principais exposições internacionais de arte no mundo. Conhecer seu processo histórico é fundamental para compreender o que ela agregou à cultura brasileira durante esse tempo.

A primeira Bienal ocorreu em outubro de 1951, na esplanada do Trianon, espaço que hoje é ocupado pelo MASP. Foi organizada pelo empresário Ciccillo Matarazzo (1892-1977) e por sua esposa, Yolanda Penteado (1903- 1983).

Com 1800 obras de 23 países, a primeira e histórica exposição abriu o Brasil para o circuito internacional de arte, trazendo, pela primeira vez ao país, obras dos mais representativos artistas da história da arte mundial, como Pablo Picasso (1881-1973), Alberto Giacometti (1901-1966), além de grandes artistas brasileiros, como Lasar Segall (1891-1957), Oswaldo Goeldi (1895-1961) e Victor Brecheret (1894-1955).

A segunda edição da mostra ocorreu já no parque Ibirapuera, recém-inaugurado em comemoração ao IV centenário da cidade de São Paulo. Nessa ocasião, o evento ficou conhecido como a “Bienal da Guernica”, pois trouxe pela primeira vez ao país a célebre obra de Pablo Picasso.

Não demorou muito para a Bienal se consolidar como importante manifestação das artes no País. No entanto, foi somente na quinta edição que a mostra conseguiu ser um sucesso de público ao apresentar novos espaços e agregar novas linguagens, como uma área para teatro e mostras de filmes, artes plásticas e arquitetura.

Pouco representativa nos anos 60 e 70, a montagem foi prejudicada em razão do golpe militar e das ações da política nacional, que desestruturaram a força da arte como ferramen-ta de crítica da sociedade. Após esse período de pouca expressividade, a mostra recuperou-se e, a partir de sua 14.ª realização, passou a ser organizada por núcleos temáticos.

“A Bienal traz informação e é referência de arte moderna e contemporânea. Chama a atenção do resto do mundo como espaço de difusão da arte. Ela formou grandes artistas e foi um sismógrafo de tudo de relevante que ocorreu nos últimos 60 anos na cultura mundial”, explica Agnaldo Farias, que, ao lado de Moacir dos Anjos, assina a curadoria da 29.a Bienal.

Após a crise do evento anterior, que ficou conhecido como a “Bienal do Vazio”, o evento ressurge revigorado para consolidar seu papel de difusor da arte. “A Fundação passou por uma crise e correu o risco de ser fechada, mas foi salva por uma mobilização que envolveu o setor público em suas três instâncias (Municipal, Estadual e Federal), como também o empresariado; assim a arte passa a ser mais respeitada”, confere Farias.

Com o tema: “Há sempre um copo de mar para um homem navegar” — verso da obra Invenção de Orfeu (1952), do poeta Jorge de Lima —, a 29.ª Bienal de São Paulo sugere que a dimensão utópica da arte está dentro de si própria. Por meio de 150 artistas e suas 200 obras, a exposição propõe uma reflexão sobre a tênue linha que separa arte de política.

Estruturada em apenas um ano, a exposição internacional de arte ampliou seus horizontes. “Cada instituição elege uma plataforma, um nicho para estruturar a Bienal. Escolhemos falar do caráter político da arte e, para isso convidamos 5 curadores do resto do mundo para agregar ao nosso conhecimento suas especialidades”, conta Farias. Para isso, a mostra reúne artistas expressivos de dezenas de países e com significativa participação de nomes latino-americanos, para apresentar ao público um panorama do que há de melhor na arte contemporânea: “O critério de seleção foi que as obras fossem potentes, experimentais, agressivas, e que uma expressão não prevalecesse sobre as demais, até porque hoje não existe a prevalência de uma linguagem, mas, sim, muita diversidade”.

Dentro do conceito de política dos curadores, entram nessa vertente os artistas capazes de criar estranhezas e incômodo nos espectadores. Diante de um tema promissor num momento em que o país é tomado pela euforia eleitoral, a 29.ª Bienal assume papel de destaque. “Neste ano há três polêmicas que chamaram a atenção: o trabalho do pintor e escultor pernambucano Gil Vicente, matando os políticos; o trabalho de Nuno Ramos, incluindo os urubus; e o caso de Roberto Jacob, que envolveu a candidata à presidência, Dilma Rousseff em sua arte”, destaca Farias que, se defende ao dizer que o tema não foi escolhido propositalmente para defrontar com as eleições: “Afinal, elas também são realizadas a cada 2 anos!”, explica.

Rompendo com o estereótipo de ser meramente contemplativa, a 29.ª Bienal oferece ao público formas diversificadas para experimentar a potencialidade e criatividade transformadora do artista na sociedade. Com esse objetivo, o evento conta com seis espaços interativos denominados “Terreiro”, idealizados por artistas e arquitetos convidados, que oferecem atividades culturais, como projeções audiovisuais, performances e leituras.

Configurando como umas das principais inovações desta edição, os terreiros conquistam o público pela arquitetura original e pela proximidade entre observador e observado. Dois deles merecem destaque: “Eu sou a rua”, espaço de leitura que celebra o jornalista e cronista carioca João do Rio e “A pele do invisível”, espaço voltado para projeções audiovisuais.

Dentre as inúmeras novidades que o evento traz este ano, a principal e mais importante delas é o Projeto Educativo da 29.ª Bienal de São Paulo, que não acontece somente durante a exposição. “Trata-se de uma ação pedagógica de larga escala — como nunca houve numa edição do evento —, que visa aplicar uma ação educativa envolvendo jovens de uma maneira inteligente”, informa o curador.

Sob a curadoria de Stela Barbieri, o projeto educativo, desde fevereiro deste ano, vem desenvolvendo tra-balhos com cerca de 40 mil professores de escolas das redes pública e privada. Em parceria com 22 instituições culturais de São Paulo, as atividades contemplaram também a formação de 500 educadores — jovens estudantes que orientam o público na visita à Bienal. A expectativa é receber aproximadamente 400 mil pessoas, entre alunos e professores no decorrer da exposição.

Para atingir o maior número de visitantes — a expectativa é receber 1 milhão —, foi distribuído aos profes-sores, das escolas pública e privada, educadores de ONGs e líderes comunitários um material educativo da mostra e criado um site dedicado ao projeto, que ainda disponibiliza o calendário de formações oferecidas pelo educativo e um formulário para o pré-agendamento de visitas orientadas (www.fbsp.org.br/educativo).

Aos finais de semana, o público pode participar gratuitamente de oficinas de arte, ministradas por artistas e educadores nos ateliês. A programação inclui artes plásticas, literatura, filosofia, educação, música e teatro. Para participar é obrigatório fazer a inscrição prévia pelo site: www.divertecultural.com.br

Ampliar as linguagens da arte sempre foi característica e objetivo do evento, e ao percorrer os três andares do Pavilhão da Bienal, nota-se essa diversidade de expressão; em especial a audio-visual, as colagens e fotografias, que são predominantes. “Hoje o artista é multimídia, trabalha em diferentes linguagens. Basta olhar o trabalho do Nuno Ramos, que passa pela arquitetura, gravura, escultura e literatura. Esta edição — diferentemente das anteriores — incorporou todas as expressões artísticas possí-veis, como há muitos anos não ocorria”, conclui Farias, que, ao ser informado que estava sendo entrevistado pelo jornal Pedaço da Vila, entusiasmou-se: “Eu vivi na Vila Mariana até meus 25 anos! Tenho o maior orgulho de ser do mesmo bairro da Rita Lee!”.